Vamos começar por aqui: “Um comunicado de imprensa recente, emitido em conjunto pela NASA e a Agência Espacial Europeia, foi estarrecedor. Seu porta-voz anunciou que, a julgar pela informação coletada por meio da rede internacional de telescópios espaciais e terrestres, as intermitentes emissões de radiação eletromagnética provenientes do exoplaneta Kepler 20f, localizado a 1.000 anos-luz da Terra, revelaram pela primeira vez na história da humanidade a presença de vida inteligente em outro ponto do universo. Até o momento não se sabe com certeza o aspecto físico de seus habitantes nem quais tecnologias teriam — tampouco foi possível estabelecer comunicação e sequer existem indícios de que tenham detectado nossa presença”.
O parágrafo anterior é evidentemente fictício, mas, ainda assim, muito se pode refletir sobre ele. Mesmo que a maioria da comunidade científica esteja de acordo em explorar outras formas de vida inteligente fora da Terra, o anúncio traria à tona uma discussão imediata sobre quem seria responsável por liderar um possível diálogo com os keplerianos em nome da humanidade. Ainda que essa talvez seja atribuição do Escritório para Assuntos do Espaço Exterior da Organização das Nações Unidas (ONU), a NASA já poderia ter pronta uma sonda espacial a ser enviada para realizar observações mais detalhadas da espécie vivendo em Kepler 20f. “Transmissões captadas do enigmático planeta, que os astrobiólogos supõem ser uma forma de comunicação ou alguma espécie de maquinário, ainda estão sendo analisadas — e talvez se passem décadas antes que sejam decifradas”. Este seria o desfecho da primeira parte do fictício anúncio.
Uma descoberta como essa também levantaria outras questões de perspectiva espiritual e filosófica na humanidade. A Igreja Católica, por exemplo, certamente pediria mais tempo para que se comprovassem as informações. Mesmo que, poucos anos atrás, o diretor do Observatório Astronômico do Vaticano, o jesuíta José Gabriel Funes, afirmasse que, “da mesma maneira que existe uma multiplicidade de criaturas na Terra, também poderia haver outros seres inteligentes criados por Deus”. De forma igualmente receptiva à ideia, o célebre físico Paul Davies, diretor do Instituto de Busca por Inteligência Extraterrestre do SETI, fez uma intervenção durante reunião de emergência do Conselho Geral das Nações Unidas, em meados do ano passado, na qual requisitou a criação de um protocolo para o estabelecimento do primeiro contato [Veja box nesta matéria]. Davies dá ênfase aos possíveis benefícios que a descoberta de formas de vida inteligente poderia trazer para os terrestres.
Paradoxo de Fermi
O convívio entre homens e alienígenas é apenas uma das diversas variáveis que poderiam acontecer após um possível contato com seres de outros planetas. A comunicação com extraterrestres está muito presente na cultural popular, desde os filmes de Hollywood até programas de televisão cheios de entusiastas do Fenômeno UFO, mas também charlatães de seitas ufológicas. Apesar de não termos provas da existência de outras sociedades galácticas, também não descartamos a possibilidade. Essa ideia é resumida pelo Paradoxo de Fermi, do físico italiano Enrico Fermi, que na década de 50 postulou: “O tamanho e a idade do universo nos fazem pensar que devem existir muitas civilizações tecnologicamente avançadas. No entanto, essa crença é inconsistente em sua lógica devido à falta de evidência observacional que a sustente”.
Por anos se considerou que, devido às nossas limitações tecnológicas, antes que consigamos ir para espaço exterior e explorá-lo, seria mais provável que primeiro recebamos a visita de outros seres de lá provenientes. A teoria deu origem a especulações catastróficas
Segundo a hipótese, se não conseguimos encontrar habitantes de outros planetas é porque as comunidades tecnologicamente avançadas são em realidade muito raras no cosmos — talvez a Terra seja uma notável exceção, ou talvez nossa tecnologia tenha sido insuficiente para chegar a esse objetivo. Mas será que estamos preparados para um contato? A notícia de um encontro oficial com aliens poderia ter um impacto fulminante em nossa sociedade — o fato colocaria em dúvida certas noções religiosas, filosóficas e até mesmo científicas. É desde o célebre ensaio Em Busca de Comunicações Interestelares, publicado em 1959 por Giuseppe Cocconi e Philip Morrison, pesquisadores da Universidade de Ithaca, nos Estados Unidos, que se considera a importância e a possibilidade de tal descoberta por meio de sinais de radiofrequência. Para isso, é assumindo como fato que nos arredores de alguma estrela similar ao Sol, tal como ocorreu na Terra, deva existir uma civilização com interesses científicos similares, e seria provável que estabelecessem um canal de comunicação que algum dia fosse detectado por nós ou por qualquer outro planeta. “A probabilidade de sucesso é difícil de estimar, mas se nunca buscarmos por estas formas de vida, as oportunidades serão zero”, disse Cocconi.
Catástrofe e idealização
Por anos se considerou que, devido às nossas limitações tecnológicas, antes que consigamos ir para espaço exterior e explorá-lo, seria mais provável que primeiro recebamos a visita de outros seres de lá provenientes. A teoria deu origem a especulações catastróficas na área de ficção científica, como a clássica obra A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, publicada pela primeira vez em 1898. Também é marcante a reação de pânico diante da dramatização do livro, realizada por Orson Welles em 1938, em uma rádio dos Estados Unidos. Episódios como esses nos fazem recordar que o medo do diferente é uma característica inerente aos humanos. Essa visão alarmista é compartilhada pelo físico Stephen Hawking, que chegou a declarar que, “se formos visitados por ETs, o encontro poderia ser igual ao desembarque de Colombo na América, o que não foi nada bom para os nativos”.
Mas a ideia reducionista da questão não é compartilhada por muitos, pois existe um amplo espectro de fatores a serem considerados, como a própria natureza dos seres que viéssemos a encontrar, seu nível evolutivo e os objetivos que possam ter. Da mesma maneira, persiste a concepção de que o contato com outras formas de vida inteligente serviria para unir todas as nações do mundo — essa noção foi ressaltada pelo presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan, em discurso na Assembleia Geral da ONU, em 1987. Deixando todos perplexos, Reagan disse na ocasião que “esqueceríamos
todas as pequenas diferenças entre os países e aprenderíamos de uma vez por todas que somos seres humanos e estamos juntos na Terra”.
No entanto, a forma idealizada de como vemos nossos visitantes, explorada também em filmes e séries de televisão, não considera que diferentes culturas terrestres possam ter perspectivas e interesses distintos quanto a eles — e talvez eles mesmos estejam divididos ou tenham preferência por algum governo ou grupo social humano terrestre. Dessa maneira, numerosos investigadores e escritores de ficção hard têm elaborado os mais diversos cenários baseados em noções científicas tomadas da sociologia, astrobiologia, química etc, nas quais se especula livremente sobre as características que esses encontros poderiam ter. Sobre o tema, por exemplo, a revista Acta Astronáutica publicou em 2011 o artigo O Contato Extraterrestre Seria Benéfico ou Prejudicial Para a Humanidade: Análise de Cenários.
Especulações sobre o contato
O texto foi cuidadosamente elaborado por Seth Baum, do Departamento de Geografia da Universidade Estatal de Pensilvânia, Jacob Haqq-Misra, do Departamento de Meteorologia da mesma universidade e por Shawn Domagal-Goldman, da Divisão de Ciências Planetárias da NASA. Na pesquisa, os cientistas reuniram e analisaram a plausibilidade de diversas situações propostas por especialistas, bem como as analogias sugeridas em obras de ficção. Para entendê-las é preciso esclarecer que as situações concebidas pelos pesquisadores são chamadas de cenários e não de hipóteses, pois são especulações livres, ainda que baseadas em fatores concretos. O critério de classificação das especulações teve como premissas três consequências para a humanidade — as benéficas, as neutras e as prejudiciais.
Também é preciso levar em consideração que tal contato pode nunca acontecer. O fato de confirmarmos a existência de alienígenas em outros planetas não implica, necessariamente, que estabeleceremos alguma forma de comunicação com eles. É possível que tais seres sequer saibam de nossa presença no universo ou simplesmente não queiram nos contatar. O anúncio de uma descoberta dessa envergadura seria suficiente para causar polêmica por um bom tempo, mas, devido às distâncias interplanetárias, a missão de obter informações sobre essas comunidades galácticas poderia levar décadas, gerações ou séculos inteiros para ser concretizada. Com isso, a importância da tarefa de estabelecer contato diminuiria gradualmente dentro da agenda de interesses e prioridades das nações. Ao final, apenas saberíamos que existem extraterrestres, mas seria impossível desenvolver uma relação com eles.
Olá, terráqueos
A aludida dificuldade em estabelecermos comunicação com tais formas de vida inteligente geraria diferentes reações nos mais distintos grupos sociais da Terra — enquanto não se delinear um entendimento eficaz, alguns setores religiosos interpretariam a situação como um desafio às suas crenças, e as seitas ufológicas reforçariam seus ideais e até mesmo novas formas de culto poderiam surgir [Veja box nesta matéria]. É claro que o debate a respeito de nossas próprias ações, caso o contato seja estabelecido, não é menos importante porque qualquer movimento que façamos poderia ser mal interpretado pelos visitantes. Essa preocupação levaria os terrestres a promoverem uma série de reuniões internacionais para discutir o assunto e, sobretudo, definir sobre qual instituição cairia a responsabilidade de falar pela humanidade. Uma opção seria simplesmente observá-los, a fim de decifrar seus códigos de conduta e avaliar o impacto que poderiam nos causar, até que se decida como consolidar a interação.
Imaginemos um pouco do cenário proporcionado pelo anúncio fictício: “A primeira mensagem que os keplerianos enviaram foi uma fórmula. Uma equipe multidisciplinar formada por cerca de mil especialistas em matemática, computação, astrobiologia e química logrou decifrar e sintetizar, depois de 20 anos de análise de criptografia e testes de laboratório, a fórmula de uma substância coloidal cujas instruções de fabricação foram enviadas de Kepler 20f para a Terra, o que constitui o primeiro intercâmbio de informação com uma mente alienígena na história da humanidade”. Que tal se fosse essa outra parte do suposto comunicado da NASA para descrever a primeira forma de contato com ETs, complementado ainda por informações de que o material, uma espécie de gel incolor amarelo cristalino, constituiria uma das fontes de energia mais comuns de Kepler 20f?
O que é ficção em uma década pode se tornar realidade na seguinte, dizem os cientistas. Se conseguíssemos interagir com nossos interlocutores, eles poderiam ser extremamente cooperativos, motivados pela curiosidade ou necessidade de trocar conhecimentos
Prossigamos no exercício de imaginação: “Ainda que não se saiba com exatidão quais funções e utilidade tenha em seu lugar de origem, trata-se de um elemento imprescindível para a sobrevivência de seus habitantes, segundo se deduziu através da análise da transmissão, talvez da mesma importância que a água tem para os seres humanos. De acordo com especialistas, esse composto poderia ser empregado como um dos mais efetivos combustíveis para baterias elétricas já inventado, pois nele foram descobertas propriedades eletromagnéticas que poderiam revolucionar a indústria terrestre. Dessa forma, a matemática e a química demonstraram ser, ainda que com muita dificuldade, uma espécie de linguagem intergaláctica comum”.
O que é ficção em uma década pode se tornar realidade na seguinte, dizem os cientistas. Se conseguíssemos interagir com nossos interlocutores, eles poderiam ser extremamente cooperativos, motivados pela curiosidade ou necessidade de trocar conhecimentos. Em seu livro Broca’s Brain: Reflections on the Romance of Science [O Cérebro de Broca: Reflexões Sobre o Romance da Ciência, University Press, 1979], Carl Sagan trata do assunto quando diz que “uma civilização que tenha recebido ajuda mediante a recepção de uma mensagem exterior no passado pode desejar ajudar outras sociedades técnicas em formação da mesma maneira”. A razão pela qual deveriam ser amistosos, em todo caso, obedeceria a uma lógic
a que as grandes sociedades terrestres seguiram — aquelas que permaneceram isoladas não puderam sobreviver por muito tempo.
Contato por meios científicos
Se o contato com formas de vida inteligente pudesse acontecer através de radiofrequência, a linguagem comum seria a da ciência e seus fundamentos básicos. No planeta que habitariam tais seres, provavelmente o comportamento atmosférico os obrigue a utilizar materiais com propriedades distintas das que conhecemos. Estima-se, porém, que qualquer inteligência capaz de construir máquinas de radiocomunicação estaria também consciente da presença de elementos comuns no universo, como o hidrogênio e o carbono, e observaria fenômenos como o derretimento ou ebulição de substâncias puras e o comportamento dos gases. Dessa maneira, poderiam se comunicar através de meios numéricos e elementos químicos para transmitir suas ideias básicas.
Um caso peculiar sobre um possível encontro com tecnologias superiores está descrito no livro e no filme homônimo Contato [1996], o primeiro de Carl Sagan e o segundo dedicado a ele, em que dados para viagem interplanetária nos chegam por meio de respostas às nossas emanações ao espaço exterior. Ela estaria embutida em nossas próprias transmissões de televisão, recebidas por supostos seres de Vega e devolvidas à Terra, nas quais se achariam codificados planos para construir uma máquina capaz de nos transportar a outros pontos da galáxia. Ficção, é verdade, mas talvez estejam certos os estudiosos que defendem que tais sociedades galácticas poderiam simplesmente se manter indiferentes às nossas mensagens por nos verem como uma espécie inferior, que não representa ameaças e nem tem condições de se tornar um aliado potencialmente poderoso — seríamos um bando de insetos esforçados.
Permitamo-nos outro cenário de ficção. “Depois de dois anos de viagem, em 2005 a sonda espacial Hayabusa, da Agência Espacial Japonesa, entrou em órbita ao redor do asteroide 25143 Itokawa. Durante dois meses obteve fotografias e informações com câmeras, telescópios e espectrômetros sobre a forma, topografia, cor e composição primária da rocha. Finalmente realizou uma manobra de descida e aterrissou sobre sua superfície, estabelecendo assim um novo marco na história da exploração espacial humana. Ali, com a ajuda de um pequeno braço mecânico, obteve pequenos fragmentos do solo, que carregou como amostras. Depois de algumas horas de pesquisa, ativou seus propulsores, decolou e se dirigiu de volta à Terra. A poucos quilômetros de distância, milhares de olhos que cobriam o corpo de um robô esférico atrelado a outro asteroide observaram sua partida — eles estavam espiando a Hayabusa desde sua chegada”.
Fazenda de formigas
Existe uma teoria inquietante postulada em 1978 pelo radioastrônomo John A. Ball, do Departamento de Astronomia da Universidade de Boston. Para o cientista, a Terra se encontraria em uma espécie de zoológico ou reserva de grandes proporções, da mesma maneira que a humanidade, enquanto civilização avançada em relação às outras formas de vida existentes na Terra, mantém claras as fronteiras de seus domínios. Seria dessa maneira que alguma espécie superior nos manteria isolados do resto do universo para não sermos descobertos. Isso aconteceria por diversas razões, a mais plausível delas sendo a perplexidade dos ETs diante de uma civilização primitiva como a nossa, que se manteve inerte por milhões de anos e que de repente experimentou uma espetacular evolução tecnológica em pouco menos de um século. Com isso, decidiram observar nosso comportamento, permanecendo neutros sobre o passo seguinte a dar — ajudar-nos, colonizar-nos ou destruir-nos.
Enquanto isso, tais sociedades galácticas manteriam uma colônia no cinturão de asteroides e teriam tecnologia para criar um método que nos impediria de detectar outros mundos com formas de vida inteligente. Essa última ideia foi proposta pelo escritor e divulgador inglês Stephen Baxter, que leva sua premissa a um nível mais avançado ao propor sua Teoria do Planetário — para ele, vivemos em uma simulação ou realidade virtual desenhada para que tenhamos a ilusão de que não existe vida inteligente fora da Terra, como se estivéssemos em uma fazenda de formigas. Esse tipo de concepção que Baxter propõe é território comum dentro da ficção científica, onde temos como exemplos os filmes O Show de Truman [1998], Matrix [1999] e Dark City [1998].
Uma alternativa para que seres de outros planetas passem despercebidos diante do escrutínio humano é que tenham aparência física completamente distinta da que supomos e sejam, em realidade, organismos não necessariamente baseados em carbono ou hidrogênio. De acordo com a proposta do astrobiólogo inglês William Baines, poderiam existir formas de vida baseadas em uma bioquímica alternativa, com macromoléculas especiais programadas para captar matéria e energia e realizar sua própria síntese de energia.
Universos se intersectam
Desse modo, os aliens poderiam sobreviver, por exemplo, em qualquer uma das luas de Júpiter — inclusive existiria a possibilidade de que seus oceanos de nitrogênio líquido sirvam como base para a existência de organismos compostos por variantes de silício. Mais promissora é a ideia da existência de vida inteligente criada a partir de energia pura, ainda que sem aparência física clara e inclusive que seja capaz de se mover entre múltiplos universos que se intersectariam ao redor. Esses alienígenas teriam uma constituição física que os permitiria atravessar diferentes dimensões alternativas, explicadas com a Teoria das Cordas.
Como exemplo, podemos pensar em criaturas como as do panteão cósmico criado por H. P. Lovecraft, seres que transitam entre dimensões em que a Terra é apenas um portal de passagem e os humanos, insignificantes. Ou o Anabis concebido pelo escritor Alfred Eltonvan Vogt em seu livro Missão Interplanetária [Livros do Brasil, 1955], uma convergência energética de proporções galácticas com a capacidade de absorver a vida em planetas inteiros. É claro que não se descarta a teoria de que, na verdade, as inteligências extraterrestres se encontrem muito distantes para captar nossos sinais e vice-versa. Talvez eles tenham nos enviado mensagens, mas estas chegaram muito debilitadas pela distância e nossa tecnologia não teria sido capaz de detectá-las.
GART LOEB
Façamos mais exercícios de imaginação: “A contagem regressiva iniciada há 30 anos chegou a seu fim. Desde o surpreendente anúncio de sua chegada, intensos preparativos para receber os visitantes de Kepler 20f foram um sucesso. O episódio, que marca uma nova época na história da humanidade, transcorreu em meio a um ambiente festivo, ainda que com pequenos incidentes causados por grupos de fanáticos religiosos. Sob uma impressionante cobertura midiática, a recepção das primeiras delegações extraterrestres nas 20 cidades mais importantes do mundo foi motivo de alegria. Centenas de milhares de pessoas foram aos lugares de desembarque e outras tantas os seguiram até os locais especialmente preparados para abrigá-los”.
O cenário, fascinante, poderia ser um que venhamos a ver um dia: “As delegações, integradas por 10 keplerianos descritos como agentes diplomáticos, se mostraram indiferentes diante de tais manifestações. O porta-voz da NASA explicou antecipadamente que esta atitude se deve a uma cultura individualista dos keplerianos, em cuja sociedade não existem manifestações coletivas, ainda que de nenhuma maneira considerem as nossas hostis ou de mal gosto. ‘Eles se mostraram muito curiosos e fizeram muitas perguntas a respeito, manifestando seu agradecimento. Mas também deixaram claro que não farão declarações públicas’, comentou o porta-voz’. O intercâmbio de mensagens entre os dois planetas, que se iniciou há apenas um século, indica que a viagem desde seu planeta se iniciou há 600 anos”.
Entrando em uma Era Cósmica
Saber que não estamos sozinhos no cosmos causaria um impacto social sem precedentes. Pela primeira vez teríamos certeza de que não somos o centro do universo, o que intimidaria a muitos. Filmes de ficção científica que tratam os visitantes como criaturas abomináveis formaram uma imagem negativa sobre a conduta desses seres hipotéticos. No entanto, um contato nos traria benefícios em curto prazo, como observa Allen Tough, professor da Universidade de Toronto. Segundo Tough, deixaríamos a Era da História da Terra para entrar em uma Era Cósmica, na qual os humanos, ao se verem como parte de uma galáxia com outros milhões de civilizações, se identificariam como cidadãos do universo. “A ciência teria, então, seu empurrão final, tornando-se uma ferramenta de grande utilidade para pensar grande”, comentou Tough no 46º Congresso Astronáutico Internacional, em 1995.
Não se descarta a teoria de que os extraterrestres talvez se encontrem muito distantes para captar nossos sinais e vice-versa. Talvez eles tenham nos enviado mensagens, mas estas chegaram debilitadas pela distância e nossa tecnologia não as reconheceu
Por outro lado, o anúncio do descobrimento de vida extraterrestre também traria um grande desafio para os governos e meios de comunicação. Quando, em 1997, a notícia da descoberta de restos fósseis de origem marciana no meteorito ALH84001 provocou uma avalanche de especulações, pudemos aprender lições sobre como gerenciar esse tipo de informação bombástica. “Para compreender o impacto que a notícia do descobrimento de vida extraterrestre poderia ter, devemos olhar mais além de sua importância científica e considerar a verdadeira natureza dessa forma de vida, assim como a influência que possa ter nos planos e decisões da humanidade”, explica a pesquisadora Margaret S. Race, do Instituto SETI, no artigo Comunicando a Descoberta de Vida Extraterrestre: Diferentes Pesquisas, Diferentes Assuntos [Revista Acta Astronáutica, 2006].
Em curto prazo, estima-se que governos e agências espaciais devam decidir quais planos seguirão no caso de um contato com formas de vida inteligente. Já em longo prazo, devem-se considerar a posição dos cidadãos terrestres, os níveis de segurança das operações resultantes do contato e os questionamentos de ética e valores de nossos visitantes. Discussões de religião e política liderarão a agenda e inclusive corporações privadas irão se envolver em busca de algum benefício econômico.
Ameaça à saúde pública
Vamos a mais um cenário imaginário: “Inspetores sanitários fecharam o campus da Universidade da Califórnia declarando quarentena logo que se detectou a proliferação de uma misteriosa bactéria similar à que causa a doença do legionário, que se propagou com rapidez pelo ar condicionado e sistema de água dos edifícios escolares. O alerta sanitário se estendeu à cidade de San Diego, enquanto o prefeito negou os rumores que relacionam a nova variedade da bactéria à presença de alienígena keplerianos que realizaram experimentos nos laboratórios do campus. No entanto, um fenômeno similar tem sido observado nas últimas 24 horas em outras cidades onde se encontram os visitantes, o que obrigou a Organização Mundial de Saúde a realizar uma sessão de emergência”.
A presença de alienígenas ou de artefatos provenientes do espaço exterior, impregnados de agentes microscópicos por nós desconhecidos, poderia representar uma séria ameaça à saúde da humanidade. O mesmo já aconteceu na Terra quando espécies estranhas contaminaram um ambiente nativo, desde ratos que disseminaram a peste bubônica na Europa até madressilvas do Japão que foram levadas à América como plantas de decoração, mas que logo se converteram em um mal incontrolável. Sendo assim, um agente desconhecido que estivesse sendo portado pelos visitantes extraterrestres poderia causar efeitos devastadores para nós — e ainda que não nos afetasse diretamente, poderia danificar nossos recursos, contaminando plantas de valor alimentício ou gado. Se os aliens trouxessem consigo alguma espécie que encontrasse no clima terrestre um cenário ideal para seu desenvolvimento, poderíamos observar a proliferação definitiva de terríveis pragas.
O cientista do Escritório de Ciências Espaciais da NASA J. D. Rummel dedicou parte de seu trabalho à criação dos protocolos de proteção planetária. Ele definiu seus esforços como a “colocação em prática de procedimentos para proteç&
atilde;o dos corpos do Sistema Solar contra a vida da Terra, assim como proteger a vida na Terra daquela que possa vir de outros corpos do Sistema Solar”. Quando formulou sua hipótese, Rummel pensava nas amostras que esperava receber das missões a Marte — é um conceito interessante imaginar que nosso planeta possa contaminar e receber contaminações de seus vizinhos. Se tivermos um futuro contato com alienígenas, as políticas definidas pelo pesquisador poderiam prevenir qualquer dano não intencional.
No entanto, não se descarta a possibilidade de uma guerra bacteriológica interplanetária em caso de um contato — tampouco se deve desconsiderar que seres de outros planetas possam enviar sondas espaciais e veículos de reconhecimento para explorar a galáxia e que, ao se verem ameaçados, utilizem sua avançada tecnologia para infectar inimigos.
Terrestres, animais de circo?
Isso poderia acontecer com um vírus em forma de código binário que viaje pelo universo embutido em sinais de radiofrequência, como pensava o especialista austríaco em robótica Hans Moravec. Para ele, a senha cifrada percorreria grandes distâncias em busca de um meio físico que pudesse interpretá-la. Porém, acidentalmente, essa tarefa poderia infectar o aparelho receptor, como a rede de computadores da Terra, por exemplo, levando milhares de máquinas ao colapso.
Continuemos o cenário fictício: “Nos últimos meses, os centros de conversão voluntária se multiplicaram por todo o mundo. Os keplerianos exigem pelo menos 100 mil pessoas de cada país se convertendo a sua religião mensalmente. Assim, cada homem, mulher e criança da Terra deverá seguir o credo kepleriano, um culto solar e esotérico híbrido que, na opinião de especialistas, resulta de uma mistura de crenças similares ao culto faraônico do antigo Egito. Em contrapartida, cientistas keplerianos oferecem liberar por completo o código genético que assegure colheitas de alimentos que resistam a embates climáticos e uma cura definitiva para a estranha doença originada pela bactéria que causa da doença do legionário. Se suas exigências não forem satisfeitas, então os exércitos keplerianos tomarão represálias”.
Os questionamentos mais profundos sobre a ação de outras espécies cósmicas na Terra são: por que há relatos de ETs de aparência semelhante à nossa, por que não acontece um contato oficial com eles, por que há segredos em torno do assunto e o que acontecerá conosco?
O astrônomo sir Martin Ryle, vencedor com Anthony Hewish do prêmio Nobel de física de 1974, considerava altamente perigoso enviar mensagens ao espaço. Carl Sagan, mais otimista, tinha suas dúvidas a respeito. Se em algum momento chegássemos a estabelecer contato com sociedades galácticas e a receber visitas de outros seres, seguramente eles teriam seus próprios interesses, talvez não muito amistosos. A indústria de entretenimento se aproveitou dessa desconfiança e produziu filmes em que visitantes de outros mundos chegam para nos escravizar, nos destruir ou levar nossos recursos. No entanto, existem alguns pontos contra essas situações, como o fato de que uma inteligência tão avançada, capaz de viajar através da galáxia com máquinas sofisticadas, não teria como propósito nos utilizar como mão de obra escrava, alimento ou fonte de matéria-prima, pois contaria com tecnologia suficiente para resolver seus problemas de trabalho, de síntese de substâncias e da conservação de seu entorno.
Queimar na fogueira cósmica
Contudo, poderia haver outra forma de conquista, considerada até mesmo por Sagan — os invasores poderiam nos manter enclausurados com o objetivo de nos usar para seu entretenimento, como fazemos com animais de circo. Sagan disse: “Provavelmente os humanos tenham um talento pouco comum, do qual os alienígenas não tenham conhecimento. Os leões marinhos e focas, por exemplo, têm a habilidade de equilibrar uma bola no nariz, o que é parte da razão pela qual os mantemos cativos”. O livro Matadouro [Editora L & PM, 2005], de Kurt Vonnegut, apresenta um exemplo peculiar dessa possibilidade. Apesar do moderno equipamento bélico das poderosas nações, qualquer tentativa de resistência perante uma eventual invasão seria praticamente inútil — a avançada tecnologia dos aliens nos submeteria a métodos de guerra para os quais nunca estaríamos preparados.
Em outra direção, poderíamos nos deparar com criaturas profundamente religiosas que se encontram em um processo de fanatismo evangelizador. Desse modo, nos obrigariam a acreditar em suas crenças, tal como fizeram o Cristianismo e o Islã especialmente durante as Cruzadas, na Idade Média, quando era comum queimar na fogueira qualquer um que se negasse a crer. Da mesma forma, poderíamos encontrar pela frente uma inteligência de caráter universalista, cujos valores colidam com os nossos. Por exemplo, se nosso planeta e recursos pudessem ajudar na sobrevivência de outras civilizações menos favorecidas, os extraterrestres poderiam nos eliminar para ceder nossas riquezas a outros — nosso tamanho como espécie representaria um problema pequeno, como uma pedra no meio do caminho que se poderia eliminar sem muito esforço, tudo em busca de um benefício maior. Na obra O Guia do Mochileiro das Galáxias [Editora Arqueiro, 1979], do inglês Douglas Adams, por exemplo, a Terra é destruída por completo para abrir passagem para uma rodovia hiperespacial…
Finalizando nossa viagem imaginária, façamos um último exercício: “Chegaram e se foram, não houve despedida. Ainda não estão claras quais foram as verdadeiras intenções da fugaz visita dos keplerianos. O certo é que talvez, segundo especulam os astrobiólogos, suas ações sejam parte de seu comportamento, já que suas formas de agir eram muito diferentes das nossas. As cidades onde abandonaram e destruíram suas naves de desembarque são agora zonas fantasmas que permanecem em quarentena. Ao fazê-las explodir antes de irem, milhões de fragmentos se espalharam por um raio de dezenas de quilômetros, emitindo quantidades moderadas de radiação que está se dissipando pouco a pouco. Talvez tenhamos que esperar outro século para falarmos novamente sobre Kepler 20f. Enquanto isso, o combustível cuja fórmula compartilharam conosco está a ponto de ser lançado e os veículos que utilizarão suas vantagens figuram como um melhor futuro para a conservação do ambiente.”
Perigosos humanos
No citado ensaio O Contato Extraterrestre Seria Benéfico ou Prejudicial Para a Humanidade: Análise de Cenários, publicado pela revista Acta Astronáutica em 2011, os autores Baum, Haqq-Misra e Domagal-Goldman esclarecem que seu trabalho — considerado um dos melhores guias sobre o assunto do mundo — tem suas limitações [Baixe em inglês o texto em ufo.com.br/
public/guia]. Ele não leva em consideração o possível impacto que os próprios terrestres exerceriam em outros mundos ou inteligências, na própria Terra ou no resto da galáxia e em locais ainda desconhecidos pelo homem.
Assim, enquanto Kepler 20f e muitos outros exoplanetas se mantiverem na lista de possíveis candidatos para abrigar formas de vida inteligente, não se pode descartar nenhum dos cenários propostos. Provavelmente todos os planetas extrassolares descobertos até agora sejam em realidade inabitáveis — ou, em um caso extremo, suas civilizações podem ter sido extintas há séculos. A busca continua e as estratégias permanecerão em aberto. Enquanto os astrônomos se mantêm concentrados na imensidão do cosmos, outros assuntos de nosso próprio território continuam a nos preocupar, como o aquecimento global, a deterioração dos ecossistemas, a instabilidade econômica, a superpopulação e a falta de alimentos e água. Se formos constantes e suficientemente espertos, talvez possamos receber um pouco de ajuda de outros mundos para salvar o nosso.
Uma juíza para decidir questões espaciais
Ao contrário do que se pensa, a alta atmosfera do planeta Terra e o espaço exterior são áreas internacionais reguladas por critérios específicos. Existem assuntos importantes englobados nesta regulamentação, como a gestão do lixo espacial, a exploração e a observação de objetos que orbitam o planeta, cuja complexidade requer um árbitro especializado para discuti-los. Para isso foi criado o Escritório para Assuntos do Espaço Exterior da Organização das Nações Unidas (ONU). Sua diretora é a malaia Mazlan Othman [Foto], a primeira astrofísica de seu país, que também dá apoio ao Comitê de Usos Pacíficos do Espaço Exterior do mesmo órgão.
Dadas as responsabilidades de seu cargo, Mazlan bem que poderia ser considerada como uma embaixadora ou interlocutora do planeta Terra no caso de qualquer contato com civilizações alienígenas. Ao ser recentemente indagada se a humanidade estaria preparada para um encontro com outras formas de inteligência, sua resposta foi pragmática: “Não sei. A vida extraterrestre sempre foi associada a monstros do espaço, e sempre existiram risadas irônicas ou ceticismo sobre o tema. Suspeito que alguns cientistas devem ter pensado que encontraram algo significativo neste campo, mas preferem não falar sobre isso abertamente. O assunto deve ser encarado como uma discussão científica. Quando as pessoas se distanciarem das ideias frívolas e do discurso de charlatães, começaremos a ver o que realmente acontece quanto à vida extraterrestre”.