Quando saí do cinema, após uma das primeiras seções do filme O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel, estava embevecida. Como todo bom fã das obras de John Ronald Reuel Tolkien, esperava ansiosamente pelo lançamento dos filmes no Brasil. E diferente da maioria dos fãs das obras, eles não me decepcionaram. Logo ao acender das luzes, ouvi muitos comentários negativos. Normalmente vinham de pessoas que sequer sabiam quem era Tolkien.
Para elas, aquele filme não foi mais do que uma fantasia para criancinhas sem um final coerente. A verdade é que, para entender o mundo de Tolkien, é preciso entender a maneira como o próprio Tolkien via esse mundo. Em primeiro lugar, Tolkien acreditava que um mito, por mais fantasioso que parecesse, era um eco distante de uma realidade histórica. Segundo foi destacado por Humphrey Carpenter na biografia de Tolkien, em uma conversa com C.S. Lewis, ele disse: “… inevitavelmente os mitos que tecemos, apesar de conterem erros, refletem também um fragmento da verdadeira luz (…). Nossos mitos podem ser mal orientados, mas dirigem-se, ainda que vacilantes, para o porto verdadeiro, ao passo que o ‘progresso\’ materialista conduz apenas a um enorme abismo e à Coroa de Ferro do poder do mal”.
O Clube Notion era uma reunião de acadêmicos de Oxford cujas discussões freqüentemente tocavam os temas relativos a viagens no tempo e no espaço, viagens intergalácticas, mundos imaginários etc. Com esta linha de pensamento, Tolkien utilizou-se de diversas mitologias, principalmente a nórdica e a Celta como inspiração para suas obras. Seu intento era criar uma mitologia própria para a Inglaterra, uma mitologia que além de tudo pudesse explicar, o mais próximo possível da realidade em que ele acreditava, a criação do mundo. Tolkien era um católico devoto, e isso influenciou enormemente às suas obras, bem como seu contato com as diversas mitologias européias, por meio de poemas, canções e textos, enquanto professor de Línguas na Universidade de Oxford.
Ufologia e Mitologia
Modernamente, a Ufologia, e mais precisamente a Arqueoufologia, tem se utilizado de relatos mitológicos para procurar certas respostas ao que se lhe apresenta. Muitos estudiosos têm utilizado a Bíblia, textos hindus, pinturas rupestres, entre muitas outras fontes, para encontrar referências passadas para acontecimentos presentes, ainda sem explicação para a nossa realidade tridimensional. Se o ponto de vista de Tolkien está correto, de alguma maneira esses mitos são fragmentos da realidade passada, explicada à maneira com que as pessoas da época podiam compreender. O fato de serem mitos não os desqualifica como amostra da realidade, uma vez que é exatamente essa a razão de ser dos mitos: uma explicação compreensível daquilo que não conseguimos compreender.
“Mas se somos apenas estrangeiros numa terra em que tudo é vosso, meus senhores, como afirmais, dizei-me: que outra terra ou coisas conhecemos?” Mas, o que muito poucos até mesmo entre os fãs do professor sabem é que ele também escreveu um livro de ficção científica. O tema abordado por Tolkien em A Estrada Perdida [The Lost Road], de 1937, abordando as viagens no tempo. Infelizmente a obra ficou inacabada e Tolkien ainda fez uma tentativa de remodelar a história, num texto que nomeou de As Palestras do Clube Notion [The Notion Club Papers], de 1946 ou 1947, que também ficou inacabado e foi publicado no nono livro da série The History of Middle-Earth. Em ambas as narrativas, a personagem principal é atormentada em sonhos por fragmentos de poemas e canções em línguas desconhecidas, que falam de terras e povos que fazem parte da mitologia tolkieniana, como os Dúnedain, habitantes da ilha de Númenor – um eco do mito da Atlântida – ou os Elfos da ilha de Avallóne, que tem por base o mito da Avalon dos Celtas.
Club Notion
O Clube Notion era uma reunião de acadêmicos de Oxford cujas discussões freqüentemente tocavam os temas relativos a viagens no tempo e no espaço, viagens intergalácticas, mundos imaginários etc. Os membros desse clube acreditavam que as distâncias tempo-espaciais dificilmente poderiam ser vencidas com o uso de máquinas – uma grande referência ao modo de pensar de Tolkien –, então é aberta a discussão da possibilidade dessas viagens serem feitas por meio dos sonhos, uma boa alusão às viagens astrais tão amplamente discutidas nos dias atuais.
De certa forma é possível afirmar que Tolkien acreditava que os mitos, inconsciente coletivo, e sonhos, inconsciente individual, podiam exercer influência sobre o mundo real, abrindo então a possibilidade de se realizar viagens tempo-espaciais. De todo modo, é certo que os mitos e lendas exercem sobre nós uma influência sentimental, que aliada ao nosso poder mental, cuja amplitude desconhecemos, pode nos tornar capazes de quebrar barreiras de espaço e tempo.
O Silmarillion
Uma clara referência ufológica que podemos encontrar nas obras tolkienianas é a origem da raça humana. Em O Silmarillion, juntamente com a origem do mundo, Tolkien explica a origem dos Elfos que povoam sua mitologia, porém ele não o faz com os Homens. Esse fato serve de base para um dos mais fantásticos textos de Tolkien, o O Diálogo de Finrod e Andreth [Athrabeth Finrod ah Andreth]. Trata-se de um diálogo entre um erudito Elfo, Finrod, e uma sábia humana, Andreth, sobre a origem da mortalidade humana.
Quem conhece a mitologia de Tolkien sabe que os Elfos são imortais, ou pelo menos até que a própria Terra desapareça, porque tanto seu corpo – hröa – quanto seu espírito – fëa – pertencem a ela, ao passo que embora o hröa dos Homens também pertença a Arda (Terra), seu fëa parece pertencer a outro lugar. Os Elfos, quando morrem, seguem para Valinor, a terra dos Valar, ou poderes angélicos, de onde podem regressar ao mundo, se assim quiserem, enquanto que os Homens não sabem para onde seguem seus espíritos após sua morte. Isso pode, de certa maneira, ser visto como uma alusão à possível origem extraterrestre da humanidade.
“Por mais que seja apenas uma ficção, a mitologia criada por Tolkien foi influenciada por muitas outras mitologias reais, criadas por diversas civilizações”. Em uma parte do Athrabeth, Finrod, o Elfo, diz: “…Para mim, a diferença (entre Homens e Elfos) é como a que existe entre aquele que visita um país estranho, e lá habita por algum tempo (mas não precisa fazê-lo), e aquele que sempre viveu nessa terra (e precisa viver ali). Para o primeiro, todas as coisas que vê são novas e estranhas, e nesse grau adoráveis. Para o outro, todas as coisas lhe são familiares, as únicas coisas que existem, suas, e nesse grau preciosas”.
“Se quereis dizer que os Homens são os Estrangeiros”, disse Andreth. “Dissestes a palavra”, disse Finrod, “esse nome o demos a vós”. “Altivamente, como sempre”, disse Andreth. “Mas se somos apenas estrangeiros numa terra em que tudo é vosso, meus
senhores, como afirmais, dizei-me: que outra terra ou coisas conhecemos?”.
“Não, dizei-me!”, disse Finrod. “Pois se não o sabeis, como podemos sabê-lo? Mas sabeis que os Eldar (Elfos) dizem dos Homens que estes não olham para coisa alguma pelo que ela é; que se eles a estudam, é para descobrir algo mais; que se eles a amam, é somente (assim parece) porque ela lhes lembra de outra coisa mais cara? Mas com o que fazem tal comparação? Onde estão essas outras coisas?”.
“Todos, Elfos e Homens, estamos em Arda e dela somos; e qualquer conhecimento que os Homens possuam é derivado de Arda (ou assim pareceria). De onde então vem essa memória que tendes convosco, mesmo antes que comeceis a aprender? (…)”. “Falais palavras estranhas, Finrod”, disse Andreth, “que eu não ouvi antes. Contudo, meu coração se comove como se por alguma verdade que ele reconhece, mesmo que não a entenda (…)”.
Quem dentre nós, Homens da era atual, ao ler essa passagem, não tem o mesmo sentimento de familiaridade de Andreth? Isso nos faz refletir até que ponto o mito criado por Tolkien tem alguma relação com a verdade histórica. São exatamente esses pedaços de quebra-cabeças que a Ufologia está tentando juntar para redesenhar a origem humana.
Vida Vinda de Outros Mundos
Por mais que seja apenas uma ficção, a mitologia criada por Tolkien foi influenciada por muitas outras mitologias reais, criadas por diversas civilizações para se explicar coisas que a compreensão humana ainda não podia, e não pode, alcançar. Serão mesmo os mitos reflexos de verdades passadas? Até que ponto essas fontes podem ser confiáveis para a Ufologia? Como separar a verdade da fantasia?
Como essa fantasia, não apenas mostrada por Tolkien, mas também por muitos outros escritores, pode nos ensinar a extrapolar a Arda limitada pelos nossos sentidos? Talvez se formos além dos nossos próprios preconceitos, se abrirmos nossa mente para outras possibilidades, se buscarmos a resposta nos lugares mais improváveis, até mesmo dentro de nossas próprias mentes, nosso próprio corpo, nosso próprio sangue, conseguiremos enxergar além dos muros de Arda, e talvez até vislumbrar tudo aquilo que nos provoca tanta saudade: nossa verdadeira origem.