É certo que a humanidade caminha para um contato oficial e definitivo com outras inteligências cósmicas, e que isso pode ser iminente. Mas a pergunta que vem à mente quando pensamos nisso é: o que ocorrerá depois? Este texto visa dar uma ideia ao leitor de como nossa sociedade planetária poderá reagir a tal momento e como um novo conjunto de comportamentos e relacionamentos, desta vez com seres muito mais avançados do que nós, pode e deve ser estabelecido.
Em 24 de junho de 1947, o aviador e empresário norte-americano Kenneth Arnold (1915-1984) inaugurou a chamada Era Moderna dos Discos Voadores ao relatar nove objetos não identificados voando em formação nas proximidades do Monte Rainier, no estado de Washington. Poucos dias depois, em 02 de julho, ocorreria um dos eventos mais emblemáticos para a história da Ufologia, a queda de uma nave alienígena em Roswell, no Novo México.
Desde então, há 70 anos, a Ufologia reúne evidências da existência de vida alienígena inteligente, afirmando a presença de seres de outras raças em ação nosso planeta, embarcados em naves cuja tecnologia demanda saber científico bem superior ao humano. Múltiplas vozes anunciam a iminência do contato público e formal de outros povos cósmicos com a humanidade, como mostra, por exemplo, o documentário Data Limite Segundo Chico Xavier [Pozati Filmes, 2014].
O contato ostensivo de humanos com alienígenas causará um rompimento paradigmático com profundas consequências em variadas dimensões sociais, como no âmbito da cultura, filosofia, religiões, política, economia, direito e nas ciências em geral. A relevância do tema foi inclusive objeto de relatório apresentado no Fórum Econômico Mundial de 2013. Segundo divulgado então, a exploração do espaço torna provável a descoberta de vida alienígena, a ensejar, em longo prazo, “profundas implicações psicológicas e filosóficas, desafiando a religião e a filosofia humanas”.
Sociedades cósmicas
Este tema nos põe a refletir acerca de dois aspectos da questão — o político e o jurídico —, a partir de postulados das novíssimas disciplinas Exopolítica e Exodireito. Tais campos do conhecimento integram algo maior, denominado Exociências, as ciências naturais e sociais compreendidas a partir da concepção da existência de vida alienígena inteligente e sociedades cósmicas espalhadas pelo universo, decorrendo daí ampla ramificação, integrada também pela Exobiologia, Exoarqueologia, Exopsicologia, Exoeconomia, entre outras.
No pioneiro livro Exopolítica: Política, Governo e Lei no Universo [Vessica Editor, 2012], Alfred L. Webre conceitua a Exopolítica como a nova ciência política do espaço exterior, cujo objeto abrange possíveis relações da humanidade com povos alienígenas. Para ele, se houver uma sociedade estelar, galáctica ou cósmica, à qual a humanidade brevemente estará formalmente integrada, como poderiam ser as relações políticas entre as diferentes espécies? E mais: haveria ordenamento jurídico comum vigente para diversas raças inteligentes?
Em âmbito planetário é milenar a máxima do Direito Romano “ubi societas, ibi jus”, ou seja, onde há sociedade, haverá direito. O caráter gregário do ser humano o leva a estabelecer normas de conduta visando o controle do convívio social pela prevenção e solução de conflitos de interesse inerentes à intersubjetividade. Daí decorre que, havendo sociedade, haverá ordem jurídica. Tal ideia seria aplicável também à comunidade cósmica, composta por incontáveis civilizações?
Sendo real a presença alienígena no planeta Terra, como defende a Ufologia, cogitamos sobre possíveis regras políticas e jurídicas a guiar as relações entre humanos e seus “irmãos cósmicos”. Considerando as peculiaridades temáticas, o tom impresso ao texto é bem especulativo, mais de cunho filosófico do que propriamente científico. Que a leitura deste artigo represente um convite à reflexão.
Política do futuro
A Exopolítica, enquanto movimento cultural, tem raízes na década de 70, quando o citado Webre passou a publicar trabalhos esparsos e especulativos sobre sociedades alienígenas, culminando com o já referido livro, no qual advogava ser a Exopolítica o anverso do cânon científico do século XX, a afirmar vida inteligente só no planeta Terra. Para a perspectiva histórica da Exopolítica, tem relevância a Decisão 33/426 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), de 18 de dezembro de 1978, que instigou os estados-membros a implementarem investigações científicas sobre vida extraterrestre. Embora a decisão esteja vigente, ainda carecemos de um esforço coordenado para a pesquisa científica acerca das sociedades cósmicas, não obstante existirem iniciativas em vários países, como ilustra o trabalho do Projeto SETI [O programa de busca por vida extraterrestre inteligente], nos Estados Unidos, ou os organismos governamentais e mistos de investigação de fenômenos aéreos anômalos no Chile, Uruguai e Argentina, para citar alguns.
Atualmente, a Exopolítica é um movimento internacional com comitês instituídos em muitas nações, inclusive no Brasil, integrantes da Exopolitics World Network, de onde emana conceito para o novo campo interdisciplinar de conhecimento: “Exopolítica é o estudo dos indivíduos, instituições políticas e processos-chave associados com a vida extraterrestre”, a um só tempo disciplina científica, movimento global e paradigma. Ao longo dos últimos anos, muitos estudiosos têm se ocupado da área, a exemplo dos participantes da 1ª Cúpula Europeia de Exopolítica, ocorrida em Barcelona, em 2009, dentre eles Stephen Bassett, Bob Dean, Javier Sierra, Miguel Celades, Robert Fleischer, Nick Pope e Michael E. Salla — este último concedeu entrevista inédita no Brasil, publicada na edição UFO 166, de 2010, detalhando as origens do movimento e suas perspectivas para o futuro.
Fonte de reflexão
No livro Exposições das Políticas do Governo Americano Sobre a Vida Extraterrestre: Desafios da Exopolítica [Vessica, 2012], Salla destaca o caráter incipiente do movimento e seu objeto de investigaç&a
tilde;o — as possíveis implicações políticas da existência de vida extraterrestre e a necessidade de ampla divulgação de informações pertinentes. Dada sua abrangência e relevância, a Exopolítica proporciona fonte inesgotável de reflexão filosófica, teológica e cultural. Uma vez feito público e ostensivo o contato humano com alienígenas, como já dissemos, estaremos diante de um rompimento paradigmático, uma outra “virada de Copérnico”, com profundas consequências para nossa civilização. No campo da ciência, o rompimento de algum paradigma sempre proporciona saltos, como mostra Thomas Kuhn no clássico A Estrutura das Revoluções Científicas [Editora Perspectiva, 2013].
Partindo do postulado de ser a humanidade apenas uma dentre muitas raças inteligentes no cosmos, a Exopolítica nos faz pensar. Apesar de a maioria da comunidade científica negar a existência de outras civilizações estruturadas, que não a humana, tal afirmação não prova sua inexistência. Olhemos o passado e lembremos que se afirmava ser a Terra o centro da Criação. Sabemos hoje que nosso planeta é só um mundo, orbitando uma estrela periférica da Via Láctea, galáxia composta por centenas de bilhões de outros sóis, que partilha o espaço-tempo com centenas de bilhões de outras galáxias.
Nosso universo seria mesmo apenas um no multiverso, ideia científica de vanguarda exposta pelo cientista Michio Kaku no livro Mundos Paralelos [Rocco, 2007]. Segundo estimativas, apenas na nossa galáxia haveria em torno de 25 mil civilizações planetárias, resultado da Equação Drake lastreada nas leis da probabilidade. Daí decorre que, apenas no plano galáctico, haveria uma sociedade cósmica composta por dezenas de milhares de espécies. Essas raças manteriam civilizações cujos desenvolvimentos científicos e tecnológicos podem ser imaginados conforme a Escala de Kardashev. Para o eminente cientista russo, uma civilização de tipo I seria capaz de aproveitar toda a energia potencial de um planeta. Já uma de tipo II seria capaz de aproveitar toda a energia potencial de uma estrela. A de tipo III poderia usar toda a energia de uma galáxia. E nesta escala a humanidade terrestre ainda não teria chegado a constituir uma civilização de tipo I, embora tal se avizinhe
possível, em algum tempo futuro.
Alienígenas na Terra
No plano da Ufologia, todo o esforço é dirigido para evidenciar a presença de seres alienígenas na Terra. Mas como seriam estas entidades biológicas extraterrestres? É possível uma classificação? Sim, nos diz o coeditor da Revista UFO Thiago L. Ticchetti em seu livro Guia da Tipologia Extraterrestre [Biblioteca UFO, 2017]. Na referida obra, o ufólogo sugere a tipologia de seres alienígenas com parâmetro na aparência, relatada em casos tidos como legítimos pela comunidade ufológica. A classificação de Ticchetti compreende quatro classes de seres: humanoide, animália, robótica e exótica — são seres de tal conformação que visitariam a Terra com regularidade. Talvez com eles é que conviveremos abertamente em uma futura sociedade galáctica.
Se houver uma sociedade estelar, galáctica ou cósmica, à qual a humanidade brevemente estará integrada, como poderiam ser as relações políticas entre as diferentes espécies? Haveria ordenamento jurídico vigente para diversas raças inteligentes?
Pouco sabemos de fato sobre os alienígenas, embora digam que algumas espécies tenham tratados secretos e irregulares com governos humanos, como denuncia o também citado Salla. Se for verdade, é de se presumir a existência de um banco de dados sobre cada uma das raças alienígenas conhecidas, cujo conteúdo abrangeria vários aspectos pertinentes, da cultura à ciência. A ficção científica também nos sugere modelos de comunidades celestes, em geral espelhadas em formatos humanos, como a Federação Unida de Planetas de Star Trek, a República convolada em Império de Star Wars ou a Estação Espacial de Babylon 5, locais de diplomacia e negócios interespécies em um futuro não tão distante.
Babylon 5, série televisiva criada por Joseph Michael Straczynski em 1994, seria uma estação espacial construída por humanos, com 8 km de comprimento, situada no setor estelarÉpsilon Eridani. O centro arquitetônico da estrutura é aberto e comporta campos, jardinse um trem de passageiros que percorre toda a extensão. Há acomodações para diferentes espécies alienígenas, com atmosferas e níveis gravitacionais adaptados à necessidade de cada raça. No contexto ficcional, Babylon 5 é ocupada por muitas sociedades, além da humana, como osminbari, osnarn, oscentaurie osvorlons. Astrevas e seus aliados protagonizam os inimigos e vão surgindo no decorrer do seriado. Outras espécies, consideradas “menores”, também participam da trama, como os drazi, osbrakiri e os vree. Sob o ponto de vista da conformação física, a maioria dos alienígenas pertence à classe humanoide.
Comunicação interespécies
A história tem fundo no multiculturalismo, supostamente típico de uma sociedade galáctica. Em Babylon 5 seriam falados basicamente três idiomas: o inglês, a língua humana do comércio, o centauri e o interlac. Mas outros idiomas também são esporadicamente ouvidos — há dispositivos eletrônicos de tradução simultânea, facilitando a comunicação interespécies. O recurso à ficção de Babylon 5 é válido para pensarmos a Exopolítica, pois cuida-se de um lugar planejado para confluir diplomacia e comércio entre diferentes mundos. Ali as espécies mantêm relações políticas, culturais e econômicas. A partir de Babylon 5 podemos pensar sobre a existência de sociedades galácticas já descortinadas à humanidade, já que se trata de um futuro projetado, coisa de 240 anos.
A série mostra também a humanidade integrada a uma comunidade maior e com certa liderança em nível local. Por meio da trama é possível vislumbrar diferentes formas de estado e de governo, bem como distintas concepções sobre paz e guerra. No centro da trama está o conflito entre duas das antigas raças habitantes de nossa galáxia, os vorlons e as trevas, cuja atuação ao longo dos milênios tem influenciado decisivamente a cultura de outras jovens raças por eles tuteladas. Os vorlons, seres de pura energia ou de luz, acreditam na ordem e na paz para atingir o progresso, ao tempo em que as trevas, que são insectoides da classe animália, apostam no caos e promovem a guerra, pois somente dessa destruição nasceria o verdadeiro progresso. Eis a eterna batalha entre a luz e a escurid&atil
de;o.
Neste complexo contexto, a humanidade — mais precisamente os tripulantes de Babylon 5 — está envolvida em conflitos com dimensões galácticos, enquanto em nível planetário vive-se grave crise de natureza política e institucional. Embora ficcional, o enredo da série constitui excelente exercício para pensar a Exopolítica, pois fornece os elementos de intrincada trama de relações interplanetárias. Enquanto não se estabeleça o contato ostensivo da humanidade com outros povos cósmicos, a estruturação teórica da Exopolítica e sua ampla discussão nos meios sociais servem para a ambientação necessária ao rompimento paradigmático a ser causado pelo grandioso evento vindouro. A preparação para as consequências da integração do planeta Terra à comunidade estelar há de ser a melhor e mais ampla possível, abrangendo múltiplos aspectos derivados das futuras relações com outros povos estelares. As relações políticas entre civilizações cósmicas ensejarão necessidade de regramento, normas jurídicas típicas do Direito Positivo, daí decorrendo a ideia de Exodireito.
Ordem jurídica dos povos cósmicos
Uma década após inaugurada a Era Moderna dos Discos Voadores teve início a era espacial, pelo exitoso lançamento do satélite soviético Sputnik 1, em 04 de outubro de 1957. Menos de um ano depois, em meados de 1958, o consagrado jurista e internacionalista Haroldo Teixeira Valladão publicou seu artigo Direito Interplanetário e Direito Intergentes Planetárias na revista Forense, edição 177, onde anunciou um novíssimo mundo. Como em uma profecia, Valladão discorreu sobre o uso do espaço interplanetário e a possibilidade de seres de outros mundos estabelecerem comunicação conosco. Dessa interação adviria o “jus inter gentes planetarum”, direito intergentes ou entre gentes planetárias, para regular as relações futuras entre os humanos e os povos de outros planetas. Esta é a ideia essencial do Exodireito, novo nome para o fenômeno vaticinado por Valladão há 6 décadas.
Não obstante ser inviável atestar com rigor científico o cumprimento da “profecia”, há quem garanta existir, desde há muito tempo, relações políticas e jurídicas da humanidade com espécies alienígenas. Sendo autores de trabalhos sobre Exopolítica, sintetizo algumas implicações jurídicas do pensamento de Webre e de Salla. Webre, de um lado, sugere um governo universal com funções políticas definidas e soberano em temas materiais e espirituais — o poder na sociedade cósmica estaria repartido em funções legislativas, judiciais e executivas. Haveria leis universais, públicas e privadas, aplicáveis por certos tribunais, cujos juízes seriam entidades evoluídas. As leis terrestres — natural, social e constitucional — seriam reflexo da ordem cósmica.
Webre se alinha ao postulado jusnaturalista, ou seja, de Direito Natural, pelo qual a humanidade integra a ordem racional do universo ditada pelo logos, a divindade suprema. É a concepção de lei eterna, como proposta por Miranda Guimarães no livro Direito Natural: Visão Metafísica e Antropológica [Editora Forense, 1991]. Diz Guimarães: “A lei eterna é a inteligência divina, identificada com sua vontade, que eficazmente dirige todos os entes criados a participar e manifestar seu ser divino”. Dela decorre um governo divino universal. A lei eterna abrange as leis das ciências naturais, as de desenvolvimento e de crescimento, as de reação a influências exteriores e as leis da razão, teórica e prática, pelas quais o ser humano conhece e vive. Já a abordagem jurídica de Salla é menos etérea e mais concreta ao expor a natureza e o alcance de tratados secretos do governo dos Estados Unidos com espécies alienígenas.
Enquanto Webre cogita sobre um governo cósmico sob a direção de Deus no derradeiro grau, Salla trata de relações jurídicas diretas, supostamente reais, entre humanos e alienígenas. Webre ainda reflete sobre a ordem cósmica, que é jusnaturalista na essência, enquanto Salla cuida de questões de Direito Positivo, de cunho contratual e delitual. Direito Positivo, a propósito, é o conjunto de regras jurídicas emanadas de autoridades materiais, no caso humanas, dotadas de sancionamento uma vez infringidas. O jusfilósofo Miguel Reale, no livro Lições Preliminares de Direito [Saraiva, 2002], mostra que a palavra direito é identificada com o “ordenamento jurídico, ou seja, o sistema de normas ou regras jurídicas que traça aos homens determinadas formas de comportamento, conferindo-lhes possibilidades de agir”.
Acordos entre humanos e aliens
Assim, havendo interação direta entre humanos e alienígenas por tratados formais de cunho contratual, Salla denuncia a violação da Constituição norte-americana, pois a natureza jurídica desses acordos exigiria ratificação pelo Senado daquele país, inexistente, quanto aos supostos ajustes com outros povos cósmicos. Para além da natureza contratual desses hipotéticos acordos entre humanos e alienígenas, haveria outras sobreposições com a ordem jurídica positiva, como a perpetração de abusos a direitos humanos em bases secretas, como denuncia fortemente Salla — em instalações governamentais seriam realizadas experiências genéticas de hibridização e de controle mental com cobaias humanas, além de outras, inclusive de engenharia reversa. Sendo isso verdade, estaríamos diante de relações políticas e jurídicas concretas entre humanos e alienígenas.
Para pensarmos as possíveis categorias jurídicas abrangidas pelo Exodireito, podemos recorrer aos postulados da Teoria do Estado e do Direito Internacional Público. Cada civilização planetária seria equiparada a um estado soberano internacional, como aqui na Terra. Tanto a humanidade quanto outras civilizações alienígenas, para fins de interação jurídica, seriam tratadas como distintas sociedades políticas, fundadas nos pressupostos constituintes do Estado, que são seus elementos materiais, sua população e território, seus elementos formais — o ordenamento jurídico e governo soberano e o elemento final, ou seja, o bem comum.
A Exopolítica é um movimento internacional com c
omitês instituídos em muitas nações, assim definida: ‘O estudo dos indivíduos, instituições políticas e processos associados com a vida extraterrestre’. Uma disciplina científica e um movimento
O Direito Internacional Público, em sua construção histórica, amolda-se à nova concepção de sociedade cósmica e oferece ferramentas para compreender o Fenômeno UFO, ainda que partindo de visão antropocêntrica. Como lemos na obra Curso de Direito Internacional Público, de Valério Mazzuoli, as normas de conduta nascem do convívio social. Diz o jurista: “Na medida em que crescem os intercâmbios internacionais, nos mais variados setores da vida humana, o Direito transcende os limites territoriais da soberania estatal rumo à criação de um sistema de normas jurídicas capaz de coordenar vários interesses estatais simultâneos, de forma a poderem os Estados, em seu conjunto, alcançar suas finalidades e interesses recíprocos”. Tal orientação é perfeitamente compatível com a ideia de Exodireito.
Afirmada a sociedade cósmica, da qual participam múltiplas civilizações, é de se concluir pela necessidade de ordem normativa, diferente da citada lei eterna jusnaturalista. Vale dizer que a existência do Exodireito é corolário da sociedade cósmica, pois “ubi societas, ibi jus”, como já dissemos. Tais normas jurídicas supostas seriam o arcabouço do Exodireito, cujas fontes podem ser as mesmas do Direito Internacional Público: tratados, costumes, princípios gerais do Direito, jurisprudência, doutrina, analogia, equidade e atos unilaterais dos estados, como expõe Wagner Menezes em Ordem Global e Transmodernidade [Unijuí Editora, 2005].
Celebração da paz entre povos
Dentre as fontes normativas estão os tratados, “aqueles acordos formais e obrigatórios entre estados ou organizações internacionais, que produzem direitos e obrigações para seus signatários”, no dizer do consagrado internacionalista Menezes — os tratados abrangem vasto leque temático, desde a celebração da paz entre povos a acordos de comércio, passando por criação de organizações internacionais, acordos diplomáticos etc. Logo, para pensar o Exodireito, é salutar recorrer à Teoria do Estado e ao Direito Internacional Público, pois ambos têm institutos compatíveis com a ideia de sociedade cósmica. Mas, ao contrário de certezas, a especulação traz também a semente da dúvida, por não sabermos quais sejam, ao certo, as intenções dos alienígenas que frequentam nosso ambiente planetário. Seriam eles pacíficos ou belicosos? Estariam interessados no progresso planetário ou na exploração de nossos recursos naturais? Pretendem auxiliar a humanidade ou apenas escravizar as pessoas?
Ao largo dessas questões, pertinentes para pensarmos na ordem jurídica positiva multiplanetária, vale novo recurso à ficção científica, agora ao modelo da Federação Unida de Planetas da clássica série Star Trek, idealizada por Gene Roddenberry em 1966. A Federação teria sido criada por esforço diplomático dos planetas Terra, Andor, Alfa Centauro, Vulcano e Tellar, mediante tratado assinado em San Francisco, Califórnia, no ano de 2161. Com o tempo, outras espécies se juntaram à Federação, assegurando-se a todos os membros direitos fundamentais de igualdade, sem qualquer discriminação, como pretendido em um estado democrático de direito — a Federação está estruturada juridicamente por uma constituição, diretrizes básicas e leis, além de tratados firmados com espécies aliadas e inimigas, visando a propiciar condições de cooperação entre elas, além de prevenir ou findar conflitos e guerras.
Como ocorre nas atuais nações terrestres, a lei maior de qualquer estado é sua constituição, documento que fundamenta a existência e o funcionamento do ente estatal, geralmente por distribuição setorial do poder para funções executivas, legislativas e judiciárias. No plano da Federação, sua constituição contém 12 garantias ligadas à estrutura e direitos fundamentais dos cidadãos. Em Star Trek a constituição é documento sintético, ao estilo da Constituição norte-americana. Ao entrar na Federação, a nova espécie, por meio de seu governo, promove adesão incondicional à constituição, garantida a preservação da cultura, tradições e leis originais, desde que não violem o texto constitucional.
As 32 Diretrizes da Frota Estelar ou Ordens Gerais desempenham papel crucial na estrutura jurídica da Federação Unida de Planetas por permitir a oficiais assumir postura em certas situações, quando inviável consultar superiores hierárquicos. A festejada Primeira Diretriz é essencial: “Considerando que o direito de cada espécie consciente de viver de acordo com sua evolução cultural normal é sagrado, nenhum membro da Frota Estelar pode interferir no desenvolvimento normal e saudável da vida e da cultura de uma raça alienígena. Essa interferência inclui a introdução de conhecimentos, força ou tecnologia superiores em um mundo cuja sociedade é ainda incapaz de lidar com essas vantagens sabiamente”.
Primeira Diretriz
Em torno da Primeira Diretriz muitas situações embaraçosas são enfrentadas em episódios dos seriados temáticos de Star Trek, sendo lícito imaginarmos a existência real de alguma norma de conduta dessa natureza. Vale especular, aqui, por quais razões o contato ostensivo de alienígenas conosco ainda não ocorreu? Quiçá pela existência de alguma norma válida e vigente para muitas espécies, cujo conteúdo seja assemelhado à Primeira Diretriz da Frota Estelar da Federação.
Partindo do postulado de ser a humanidade apenas uma dentre muitas raças inteligentes no cosmos, a Exopolítica nos faz pensar. Apesar de a maioria da comunidade científica negar a existência de outras civilizações estruturadas, que não a humana, tal afirmação não prova sua inexistência
Ainda no contexto de ordenamento jurídico da Federação, merece destaque seu Código Judiciário ou Código L
egal, com normas e procedimentos para julgamentos de fatos delituais cometidos em seu território, inclusive em naves e estações espaciais. Uma das regras básicas dessa lei alude à competência para julgar delitos, que, de regra, é a do governo em cujo território e jurisdição o crime haja sido praticado. Além disso, nas naves da Frota Estelar ou nas bases da Federação, o oficial médico pode atestar inaptidão e afastar do comando um oficial superior, se provar não estar apto, física ou mentalmente, para o cumprimento do dever.
Ações da Exopolítica e Exodireito
Enfim, o universo ficcional nos proporciona interessantes parâmetros para pensar o Exodireito, pois uma tal estrutura jurídica, como em Star Trek, deve existir no âmbito da sociedade galáctica. Do amplo cenário das Exociências surge a possibilidade da Exopolítica e do Exodireito — este constituído pelo conjunto de normas e relações jurídicas entre a humanidade e outras espécies alienígenas. Autores de Exopolítica advogam a hipótese, como Salla, para quem o governo dos Estados Unidos já teria firmado tratados com povos alienígenas. Sendo verdade, já ocorreu o rompimento paradigmático, pela descoberta de uma sociedade universal, sobre a qual, ainda, nada ou muito pouco sabemos. O conteúdo jurídico e ético desses hipotéticos tratados entre humanos e alienígenas seria passível de grave questionamento, a começar pela legitimidade de um só governo na Terra — ou de alguns poucos — comprometer a integridade e a segurança de parcela indefinida de pessoas. Seria o governo norte-americano, ou outro qualquer, parte legítima para celebrar tratados com suposta abrangência a toda a espécie humana?
Em consequência, ainda que sejam regularmente celebrados, tais tratados poderiam afrontar direta e intencionalmente os direitos humanos? Salla alega que os acordos permitiriam a abdução de pessoas para pesquisas experimentais por alienígenas, prevendo ainda outros projetos de engenharia genética e diversas tecnologias. Relativamente aos potenciais atos ilícitos perpetrados nos eventos de sequestros, recordemo-nos da conferência ministrada pelo magistrado Alexandre Dittrich Buhr no III Fórum Mundial de Ufologia, sobre a temática do Direito Espacial, quando foram apresentadas e discutidas várias violações a direitos humanos a partir dos relatos de abdução na casuística ufológica, à luz de nosso Código Penal.
Como regra, as leis penais terrestres qualificam o sequestro com cárcere privado como grave crime contra a liberdade individual, como consta do artigo 148 do Código Penal Brasileiro. Em tais casos, nossa lei prevê aumento da pena se resultar à vítima, “em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral” [artigo 148, § 2º], sendo inegável os traumas às vítimas de abduções alienígenas. Alguém poderia argumentar a inaplicabilidade do direito penal nessas circunstâncias, pois os sequestradores não são humanos e ainda não vivemos sob a égide da constituição de uma Federação de Planetas. De qualquer modo, haveria, na perspectiva de nossos valores culturais, flagrante injustiça e imoralidade nessas condutas, pois a liberdade é uma das bases da ética e do direito da espécie, assegurada na Declaração de Direitos Humanos.
Pessimismo ou realismo?
Apesar da visão pessimista — alguns diriam realista — exposta na obra de Salla, é possível vislumbrar o Exodireito desde um olhar mais promissor, de fé e esperança no porvir. Uma ordem jurídica pautada pelo “espírito universalista, imune ao ácido dissolvente da soberania nacional, acima da prepotência de países, de continentes, de planetas e superior ao egoísmo dos indivíduos, de grupos, de povos ou de nações”, como profetizou o citado Valladão, para quem os pilares dessa nova ordem devem estar assentados “sob bases jurídicas universais de jus e do amor, da justiça e da equidade, que respeitem a personalidade do ser humano onde quer que se encontre”.
Com efeito, na iminência do contato formal de alienígenas com a humanidade, a Exopolítica e o Exodireito são essenciais para compreender e futuramente efetivar os novos valores e regras daí decorrentes. Por agora, devemos ressaltar a educação como o caminho para a assimilação deste novo paradigma, já não mais antropocêntrico, pois vislumbra vida inteligente por todo o cosmos. Para minimizar o impacto da revelação da vida extraterrestre, o referido relatório apresentado ao Fórum Econômico Mundial de 2013 aponta a necessidade de “campanhas de sensibilização do público, prevenindo a população contra as consequências sociais de descobertas tão profundas e contra a mudança de paradigma quanto à posição da humanidade no universo”.
Neste contexto, para pensarmos a possibilidade da Exopolítica e do Exodireito, vale a leitura de trabalho do diplomata Ilmar P. Marinho, Novos Horizontes do Direito Internacional Público [Editora Horizonte,1978], onde defende a concepção filosófica da educação, a qual “precisa ocupar um lugar de realce no conceito do novo Direito Internacional. Através dela é que se poderá criar uma consciência mundial pacífica e democrática e uma unidade espiritual profunda, que permitirá a absoluta observância dos ditames do ‘Direito das Gentes’”. E ainda: “Isso só será factível mediante a educação dirigida no sentido da paz e objetivada em criar uma consciência cívica internacional, que sirva de base à aplicação dos princípios do ‘Direito das Gentes’”.
Cooperação do poder público
A educação para as Exociências é de fundamental importância para conscientização da presente e das futuras gerações humanas. No contexto nacional, há de se destacar o trabalho de desacobertamento realizado pela Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), entidade fundada pelo renomado ufólogo A. J. Gevaerd, editor da Revista UFO, juntamente com outros abnegados entusiastas da Ufologia. Durante as duas últimas décadas, os membros da CBU têm trabalhado incansavelmente pela liberação de documentos oficiais pertinentes ao Fenômeno UFO, por meio da campanha “UFOs: Liberdade de Informação Já”, totalmente apoiada pela Revista UFO. Tamanho esforço resultou na cooperação do poder público, especialmente da Força Aérea Brasileira (FAB), que liberou milhares de páginas de documentos oficiais, com destaque para os produzidos em razão da mais ostensiva investigação militar da história, a Operação Prato, levada a efeito no segundo semestre de 1977.
Em sua nova fase de atuação, a CBU continuará lutando pela ampla liberação de documentos oficiais, tendo programadas, também, outras atividades de abertura ufológica e de cunho educativo, como cursos de formação de ufólogos e palestras em instituições de ensino. Uma detalhada plataforma de trabalho vem sendo discutida pelos atuais membros da Comissão, visando a ampla apresentação e debate público dos temas ligados à vida fora da Terra, tão importantes neste momento histórico quando se afigura iminente o contato formal e definitivo de alienígenas com a humanidade.
Como descrito no também citado documentário Data Limite Segundo Chico Xavier, em 2019 estaria completo o ciclo de 50 anos desde a chegada do homem à Lua, segundo anúncio feito pelo imortal médium mineiro, quando haveria a possibilidade de encontro formal com nossos “irmãos cósmicos”. Talvez o referido contato não se realize exatamente naquele ano, mas a partir dele. Precisamos estar vigilantes e preparados, com nossas mentes abertas ao novo, pois sabemos que tal fato determinará mudanças decisivas no estilo de vida humano.
Desta forma, a construção dos fundamentos da Exopolítica e do Exodireito será determinante para a plena integração da humanidade à sociedade galáctica. Por enquanto, muitas dúvidas remanescem, cujas respostas possuem tonalidade hipotética. Mas chegará o dia, e que seja breve, no qual a humanidade conhecerá verdadeiramente seu papel no palco universal. Tomara que, quando isso ocorra, nossos visitantes extraterrestres nos encontrem mais maduros, esclarecidos, civilizados e conscientes da imensidão infinita da Obra Divina.