Durante os últimos dias, houve muita discussão nos fóruns de Ufologia sobre uma alegada confissão “falsa” de um fotógrafo profissional brasileiro, Almiro Baraúna, com respeito à famosa seqüência fotográfica de um disco voador que ele fez a bordo do navio da Marinha Brasileira Almirante Saldanha, na costa da Ilha de Trindade em 16 de janeiro de 1958. Essas fotos de UFO estão entre as melhores já conhecidas na história da Ufologia, não somente por sua qualidade, mas também devido ao seu contexto, como por exemplo, que foram tomadas num navio da Marinha, que o objeto tenha sido visto por vários tripulantes, que o caso foi oficialmente investigado pela Marinha do Brasil e, por último, mas não menos importante, que o caso ficou conhecido quando o então presidente brasileiro, Juscelino Kubitschek, deu as fotos para um repórter do jornal carioca Correio da Manhã, onde foram publicadas na primeira página em 21 de fevereiro de 1958. O caso e as imagens se tornaram célebres desde então, aparecendo em centenas de artigos, livros e programas de TV sobre UFOs.
A alegada confissão, em segunda mão, de Baraúna, que faleceu em 2000, apareceu no popular programa de televisão chamado Fantástico, transmitido pela Rede Globo no início deste mês. Apesar de o Fantástico já ter produzido reportagens sobre UFOs no passado, a maioria positiva em relação ao campo, este em particular foi bastante negativa, não somente por desmentir o Caso Trindade, como também vários casos famosos do Brasil. A parte relacionada sobre Baraúna foi curta e conteve informação muito pouco específica. Basicamente, consistiu de uma gravação de uma amiga de Baraúna, uma publicitária chamada Emília Bittencourt, que disse o seguinte: “Ele (Baraúna) pegou duas colheres e as uniu para formar uma espaço-nave, usando a geladeira de sua casa como fundo. Ele fotografou o objeto na porta da geladeira com perfeita iluminação. Ele riu sobre isso”. O programa ainda adicionou que “a coleção de Baraúna está com sua sobrinha, que não quis ser gravada (em câmera), mas que confirmou a fraude”.
Essa é a extensão da “confissão” de segunda mão, como disse Emilia Bittencourt ao Fantástico. De todos os modos, Baraúna era um fotógrafo muito habilidoso, que poderia ter falsificado fotos, mas existem alguns problemas nessas afirmações dela. Um, é se duas colheres se pareceriam ao objeto com formato de Saturno que aparece nas fotos de Trindade, um ponto levantado pelo físico óptico Dr. Bruce Maccabee, quem estudou a fundo este caso. O outro, é a referência à “geladeira de sua casa como fundo”. Baraúna não poderia ter utilizado a geladeira de sua casa, pela simples razão de não estar em casa e sim, no navio Almirante Saldanha. Ele deveria ter usado a geladeira da cozinha da embarcação, à vista do cozinheiro e de vários marinheiros, o que é extremamente improvável. Em vez disso, existe uma provável explicação para essa alegada “confissão” que também foi mencionada por Maccabee, que é a de Baraúna haver realmente falsificado fotos de UFOs e que foram publicadas na revista brasileira Mundo Ilustrado em 1954, que teriam levado a confusão sobre o que o homem teria dito a sua amiga e a sua sobrinha.
“Um disco voador esteve em minha casa… Como você pode fazer uma nave marciana , ou qual é a verdade ou inverdade sobre os discos. Truques fotográficos que podem ser utilizados para exploração e diversão”. O texto foi escrito por Vinícius Lima e as fotos feitas por não outro que o próprio Almiro Baraúna. Na verdade, na matéria se podia ver como uma mulher junta duas peças de alguma coisa. Um último ponto sobre esse artigo de 1954 que vale a pena ser mencionado, é o fato de que esse, desde o início, foi um truque declarado e não uma falsificação na qual você finge que um UFO é real.
Um cético brasileiro [citado no texto original, em inglês] se refere a outra entrevista, esta com o próprio Baraúna, apenas três anos antes de sua morte, feita pelo pesquisador Marco Antonio Petit [Co-editor da Revista UFO] em 1997. A manchete postada diz, Almiro Baraúna revela detalhes dos truques. No entanto, quando se assiste o clip no Youtube, não acha-se nenhuma referência específica a Baraúna falsificando as fotos. No trecho de vídeo, compreende-se que houve alguma conversa entre ele e seus companheiros do clube de mergulho Icaraí (que também foram testemunhas no navio Almirante Saldanha) falando sobre um cofre, que eles fingiram ser um velho cofre francês, como ele não se dava bem com o editor da famosa revista O Cruzeiro, e assim por diante, mas nenhuma “confissão” sobre haver falsificado as fotos de Trindade.
Há um último ponto a mencionar e que é particularmente pertinente a qualquer um que viveu na América Latina durante os anos da Guerra Fria. Jogar uma falsificação de alto perfil bem debaixo do nariz de uma instituição militar e mantê-lo por um tempo longo certamente não seria impossível, mas tolo e até mesmo bem arriscado. As forças militares da América Latina, naquele tempo, tinham um imenso poder e um histórico de direitos humanos que não era dos melhores, para dizer um mínimo, portanto esse é um fator adicional a considerar.
Por razões históricas, quero reproduzir um antigo documento do próprio Baraúna que encontrei nos meus arquivos. É uma afirmação datilografada, datada de 30 de janeiro de 1967 (nove anos depois do incidente), assinado por ele e com um pequeno desenho de navio. Do que lembro, eu provavelmente recebi isso do então coronel húngaro-americano Colman von Keviczy, diretor da Rede Intercontinental UFO (ICUFON) em Nova Iorque, quem se correspondeu com Baraúna e recebeu dele cópias de boa qualidade das fotos de Trindade. Minha opinião é que se tratava de carta de formulário preparada por Baraúna para responder às toneladas de cartas que ele provavelmente recebeu sobre o caso. Aqui está uma reprodução do original, em português:
Como se deu o avistamento do disco voador sobre Trindade
Em 16 de janeiro de 1958, o navio-escola de guerra da marinha &ld
quo;Almirante Saldanha” estava atracado em uma enseada na Ilha Trindade, a umas 800 milhas da costa do Espírito Santo. Eram por volta das 11:00hs, céu claro, a tripulação se preparava para retornar ao Rio de Janeiro quando de repente um grupo de pessoas na popa do navio, dentre elas o Capitão-Aviador aposentado da Força Aérea Brasileira José Viegas, alertou a todos.
Instantaneamente, todos que estavam no convés , umas 50 pessoas, começaram a ver um estranho objeto prateado e com forma de pires que se moveu do mar na direção da ilha. O objeto não emitiu nenhum ruído, era luminoso e às vezes se movia rapidamente, depois devagar, para cime e suavemente para baixo e quando acelerava deixava um rastro branco fosforescente que desaparecia rapidamente. Em sua trajetória, o objeto desaparaceu detrás da montanha Pico Desejado e todos esperavam que fosse aparecer do outro lado da montanha, ele reapareceu na mesma direção, parou por alguns segundos e então desapareceu novamente a uma grande velocidade pelo horizonte.
Em um primeiro momento quando o objeto retornou, fui capaz de tirar seis fotos, das quais duas se perderam devido ao pandemônio no convés, e as outras quatro fotos mostram o objeto no horizonte, em uma sequência razoável, aproximando-se da ilha do lado da montanha, e finalmente desaparecendo, indo embora. Eu tirei o filme de minha câmera 20 minutos depois seguindo o pedido do comandante, que queria saber se as fotos eram de boa qualidade. Quase toda a tripulação do navio viu o filme e eram unânimes em seus reportes ao Serviço Secreto da Marinha Brasileira.
Estes eram os tripulantes do navio:
Chefe: Amilar Vieira Filho, banqueiro, mergulhador e atleta
Vice-chefe: Capitão-Aviador aposentado da Força Aérea Brasileira José Viegas
Mergulhadores: Aluizio e Mauro
Fotógrafo: Almiro Baraúna
O grupo acima também era membro do grupo de caça submarina do Icaraí.
Entre os cinco membros, apenas Mauro e Aluizio não viram o objeto porque estavam na cozinha do navio e quando correram para vê-lo, este já havia desaparecido.
De acordo aos rumores que escutei no convés, o equipamento elétrico do navio parou durante a aparição do objeto; o que posso confirmar é que depois do navio deixar a ilha, o equipamento elétrico parou três vezes e os oficiais não tinham nenhuma firme explicação para o que estava acontecendo. Toda vez que o navio parava, as luzes esvaneciam lentamente até o ponto em que se apagavam completamente. Quando isso acontecia, os oficiais caminhavam ao convés com seus binóculos, no entanto, o céu já estava cheio de nuvens e não podiam ver nada.
Preciso dizer que se o repórter do jornal Correio da Manhã não fosse esperto o suficiente para tirar cópias das fotos oferecidas ao então presidente Juscelino Kubitschek, talvez ninguém soubesse sobre esses fatos já que a Marinha havia me “marcado”, perguntando quanto eu queria para não dar nenhuma publicidade às fotos. Eu gostaria de deixar claro que todos os oficiais com quem tive contato durante todo o tempo do inquérito foram muito amáveis comigo, me senti completamente confortável e não impuseram nenhuma objeção à revelação do caso. Apenas mencionaram que a natureza sensacionalista do caso poderia causar pânico na população e essa era a razão pela qual as Forças Armadas Brasileiras queriam evitar publicidade a casos dessa natureza.
30/01/1967
[Assinatura]
Almiro Baraúna
Oficiais/Marinheiros
[Desenho do navio]
Um último comentário deve ser feito: independente das fotos serem reais ou falsificadas – um debate que ainda não acabou apesar da “confissão” de Bittencourt – houve um avistamento real de UFO, testemunhado por várias outras pessoas no navio da Marinha, Almirante Saldanha, na metade de janeiro de 1958. Isso fica claro pelas tantas manchetes na imprensa brasileira da época. Uma manchete no prestigioso jornal carioca O Jornal do Brasil dizia: “Fotos Autênticas: Oficial diz ‘estranho objeto visto em Trindade’.” Outro jornal (minha cópia está cortada, portanto não tenho certeza sobre qual era) tem a seguinte manchete e legenda: “Inquérito da Marinha confirma a existência do disco voador na Ilha de Trindade – ‘objeto aéreo’ visto várias vezes em dias diferentes por operários, marinheiros e oficiais da Armada – ‘tudo indica não ter sido feita montagem fotográfica’ – Conclusões do Serviço de Inteligência da Marinha (EMA) enviadas ao deputado Sergio Magalhães – A história de diversas aparições – Testemunhas concordes.”
Abaixo, uma das entrevistas de Baraúna à imprensa, sobre o Caso Trindade, em detalhes:
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