
Considerados fantasmas do Xingu, os índios kubenkrãkein e kayapó, do sul do Pará, aterrorizavam os invasores de suas terras com ataques relâmpagos. Em 1951, ajudei na pacificação dessas tribos e na montagem de um posto de assistência para os índios, às margens da Cachoeira da Fumaça, que os nativos chamavam de Tipôtikré (que quer dizer “casa da andorinha”), no município de São Félix do Xingu. O nome kayapó é um apelido, pois estes índios são mesmo chamados de men-bengôkré – termo que deriva de men, que significa gente, be, que quer dizer ser, ngô, palavra que os índios usavam para denominar a água, e kré, que pode ser traduzido como buraco ou casa. Literalmente, men-bengôkré significa “gente que veio do buraco da água”.
Além dos kubenkrãkein, são conhecidas naquela região as aldeias Gorotire, Xikrin, Men-krãgnoti, Kokraimôro, Txukaha-mãe e Kren-akôre. Em 1952, eu e minha equipe pudemos fotografar um interessante ritual praticado por estes nativos em memória a um personagem mítico que chamam de Bep-kororoti. Esse ser seria um extraterrestre herói e civilizador que teria chegado até a região numa estrela ou canoa voadora. Contam os índios que Bep-kororoti pousou na Cachoeira Tipôtikré, especificamente numa montanha situada no divisor de águas dos Rios Fresco e Riozinho, afluentes do Rio Xingu, no sul do Pará. Tal ser teria vivido e miscigenado com os ancestrais kayapó. E quando retornou ao Cosmos, levou a mulher e o filho, mas deixou a filha casada e grávida.
Na oportunidade que tivemos de conhecê-los, tínhamos por objetivo documentar fotograficamente as atividades dos pajés no citado ritual. Eles se vestiam com uma curiosa indumentária composta de macacões e capacetes de palha trançada. Nove anos depois disso, já em 1961, assistíamos deslumbrados a façanha do astronauta russo Yuri Gagarin, circulando a órbita da Terra na cápsula espacial Vostok I. Depois, foi a vez dos norte-americanos chegarem à Lua, na Apollo 11. Comparando as imagens desses astronautas com a de Bep-kororoti, o ET kayapó, verificamos grande similaridade entre elas. Isso despertou nossa curiosidade.
O céu é a terra do povo que mora em cima. E a terra está no céu do povo que mora embaixo
A fantástica história do Bep-kororoti kayapó assume veracidade porque é ensinada na Casa dos Homens ou Escola Tribal, que os índios chamam de eng-ób. Essa história torna-se especialmente realista porque seus personagens se vestem com indumentárias apropriadas, tais como máscaras sagradas (macacão e capacete), e por usarem espingardas como representação do que chamam de kóp – uma arma desintegradora que o referido ET parecia portar quando veio dos céus. Antes de nós, vários antropólogos fizeram menção a tal lenda, porém não tiveram oportunidade de ver os pajés no drama representativo.
Deuses Astronautas – A primeira publicação da história de Bep-kororoti deu-se na revista O Cruzeiro, quando o autor suíço Erich von Daniken veio ao Brasil lançar sua obra Eram os deuses astronautas?, um bestseller de 1968. Empolgado pela força que a matéria deu ao seu evento, Daniken interessou-se em filmar o astronauta kayapó. Porém, os rituais indígenas acontecem sem qualquer previsão e faltou uma oportunidade apropriada. Assim, Dãniken transcreveu a lenda de Bep-kororoti descrevendo-o como um guerreiro do espaço em seu livro Semeadura e Cosmo, de 1972. Esse mito é sempre contado por Bepnoy, o prestigiado e sábio conselheiro Güey-babã, também denominado men-kukrodjo-tum – termo que significa literalmente “gente idosa que acumula conhecimentos e nos dá de presente”. Vejamos parte de uma de suas descrições:
“Nossos avós contaram que os men-bengôkré eram nômades e viviam da caça e pesca. Uma noite estavam acampados ao pé da Serra Pukatôti, uma montanha que causava desconfiança e medo porque estava sempre coberta de brumas e misteriosos barulhos, seguidos de relâmpagos. Naquela ocasião, o barulho e os relâmpagos foram provocados por um objeto voador não identificado que passou sobre eles e parou no alto da montanha. Pela manhã, os guerreiros mais valentes foram verificar alguns possíveis vestígios. Quando iam subindo a montanha apareceu entre as brumas um kuben, um estrangeiro grande, um invasor com aspecto físico esquisito”.
A interessante história contada pelo sábio Güey-babã vai mais longe: “O kuben tinha um olho só, sem que aparecessem boca ou nariz. Não possuía cabelos e estava armado com uma poderosa clava que lançava raios que desintegravam pedras e árvores. Quem tentava agarrá-lo levava um choque tão forte que caía desacordado. Enquanto os guerreiros lutavam bravamente, o invasor, indiferente, divertia-se às gargalhas sabendo que ninguém podia com ele. Quando os índios perceberam que, apesar de forte e poderoso, o adversário não queria matá-los, desistiram da luta e fugiram. Vez ou outra, o estranho personagem era avistado nas trilhas da montanha, sem que fosse perturbado pelos guerreiros, que preferiam ignorar sua presença”.
Bonito invasor – A lenda, mais complexa do que se imagina, dá conta de que o kuben passou a visitar com mais freqüência a terra dos kayapó. Guey-babã continua sua narrativa: “Uma certa tarde, alguns jovens foram banhar-se num lago e avistaram outro invasor. Porém, ao contrário do gigante das montanhas, este era bonito, tinha a pele clara, era alto, esguio e forte. E estava no banho completamente nu. O estranho também avistou os men-bengôkré, mas pareceu indiferente a sua presença, agindo com naturalidade. Os guerreiros foram olhá-lo de perto e tentaram falar com ele. O estrangeiro então disse que se chamava Bep-kororoti, que tinha chegado do céu e havia sido atacado por eles na montanha. Os jovens ficaram surpresos e disseram: \’Não, nós atacamos um monstro\’”.
Essa é, sem dúvidas, uma história interessante. Contam ainda os índios que, divertido, o viajante do espaço mostrou a roupa protetora que havia tirado para tomar banho, e que estava no chão. Os jovens índios ficaram alegres com a descoberta e levaram o estranho para o acampamento. Bep-kororoti foi descrito como sendo alegre e esperto, tendo ensinado os índios a construir uma aldeia circular e uma praça com a Escola Tribal (ngó-be), que funcionasse como centro de atividades – entre as quais estavam cânticos, danças, discursos, trabalhos manuais para melhorar o djudé (arco), a kruá (flecha) e a kô (borduna). A kóp, uma clava de que se servem os ind&iacu
te;genas para ataque e defesa, foi copiada da poderosa espada triangular que Bep-kororoti trazia consigo.
Além disso, o visitante organizou a liderança na tribo, de forma que o chefe da aldeia – chamado de Benadiôro – precisava ser atencioso como pessoal. Ele era aquele que tinha mais deveres do que direitos. Foi Bep-kororoti quem também determinou que o Conselho de Anciãos da aldeia teria que ajudar o chefe a tomar decisões, e as famílias, enfeitadas com penas e pinturas corporais, devessem representar a fauna do local. E assim o povo kayapó estabeleceu suas bases de funcionamento. “Dessa forma nosso povo ficou sabido e organizado”, disse o sábio Güey-babã. Mas essa não foi toda a missão de Bep-kororoti: ele também se casou e teve filhos entre os índios.
Com o passar do tempo, o comportamento de Bep-kororoti mudou, passando a conviver mais tempo junto de sua filha, chamada Niôpoti, nas proximidades da Serra Pukatôti. Um dia, durante uma caçada, ele discutiu com os companheiros e sumiu no mato. Por alguma razão, cobriu sua família com uma pintura preta e a deixou num abrigo. Em seguida, vestiu-se com um traje perigoso que dava choques, chamado de Bô. Bep-kororoti ainda estava armado com sua kóp, a tal clava que atirava raios ofuscantes e desintegradores. Numa atitude inusitada para os nativos, ele desafiou a tribo.
Os men-bengôkré pensaram que ele havia enlouquecido e procuraram dominá-lo à força. Porém, como os índios já haviam percebido por ocasião da chegada do visitante à montanha, ele era invencível. Bep-kororoti subiu a Serra Pukatôti e, momentos depois, foram ouvidos trovões e raios que alcançaram sua família, tendo ela sumido após isso. Em seguida, sua “estrela ou canoa voadora”- como os nativos a descreviam – foi subindo ao céu envolta em fumaça e relâmpagos, até desaparecer nas nuvens. Niôpoti, sua filha casada e grávida, ficou na aldeia.
Após a partida de Bep-kororoti, a região foi assolada por mudanças climáticas, o povo passou grandes necessidades e as doenças mataram muita gente. Foi então que Niôpoti falou ao marido que podia ajudar na solução dos problemas, mas ambos teriam que subir a Serra Pukatôti para obter ajuda. Como a montanha era proibida, Niôpoti custou a convencer seu marido e, quando finalmente chegaram lá em cima, ela cobriu-se e a seu filho com tinta preta. Depois, sentou-se numa espécie de canoa e pediu ao marido que esperasse sua volta. Feito isso, provocou um tipo de explosão e o objeto no qual estava sentada voou e sumiu por entre as nuvens. Dias depois, outra “estrela voadora”, no dizer dos índios, desceu do céu trazendo-a com o filho, o irmão e a mãe. Todos trouxeram remédios (pidiô), alimentos e sementes (kuk-ren), porém depois de os entregarem, voltaram para o espaço sideral e desapareceram.
Finalmente, atendendo às recomendações de seu pai, Niôpoti levou o povo para morar na Serra Pukatôti. Lá em cima da montanha sagrada, encontraram o que chamaram de men-baban-kent-kré, ou “casas de pedras feitas por Deus”. O grupo passou a habitar tais casas conjuntamente por muitas e muitas gerações. Enfim, essa é a história de Bep-kororoti, o kuben que chegou numa canoa voadora e mudou a vida dos kayapó. Mas um fato curioso se deu algum tempo depois, em 1969, quando pacificamos alguns grupos indígenas suyá, também chamados Beiços de Pau, residentes na região do Rio Arinos, em Mato Grosso.
Quando isso aconteceu, eu e minha equipe levamos ao Rio de Janeiro dois jovens daquela tribo, chamados Kairá e Tariri, ambos com 15 anos de idade. Quando assistimos juntos na televisão os norte-americanos liderados por Armstrong pisarem na Lua com trajes espaciais, Tariri apontou assustado para o astronauta na tela e disse: “Bep-kororoti”. Os kayapó têm uma frase bastante interessante para definir sua história e a do homem civilizado: “O céu é a terra do povo que mora em cima. E a terra está no céu do povo que mora embaixo”. Eles acreditam que seus ancestrais vieram do céu para habitar o paraíso terrestre.
Lenda Kayapó: Os antepassados Menbengokré (kayapó) viviam em Koikwa (céu), a “terra do povo que mora lá em cima”. Um dia um caçador perseguiu um apjêti (tatu), mas este correu e começou a cavar, e a cavar, cada vez mais fundo. O caçador foi atrás dele mas, quando já estava alcançado o apjêti, este caiu do céu aqui na Terra. O caçador então ficou olhando lá de cima, admirando uma grande ngrwa (palmeira) à beira de um lago aqui embaixo. Isso fez o caçador voltar à sua aldeia, onde contou a todos sua descoberta. Curiosos, seus amigos foram olhá-la de perto e, deslumbrados com o que viram aqui no paraíso terrestre, teceram uma corda comprida e desceram ao lago. Foi aí que aconteceu o inesperado: quando pretendiam voltar ao céu, a andorinha cortou a corda e eles tiveram que ficar aqui na Puká (Terra) e povoá-la.
As tradições folclóricas são repletas de descrições de seres extraterrestres e suas naves, observadas sob circunstâncias insólitas e não compreendidas por nossos antepassados. Em geral, em virtude disso, tornam-se vivas lendas e mitos que são passados de geração a geração até os dias de hoje. Não só no Brasil isso acontece, mas em todo o mundo. Na Ilha Chiloé, no sul do Chile, há uma lenda interessante de um ser mítico que ataca mulheres bonitas e jovens, sobretudo aquelas sem relacionamento amoroso definido ou até mesmo virgens. Este é o Trauco, uma criatura de baixa estatura, com cabeça e olhos grandes, que flutua entre as copas das árvores observando e espreitando suas vítimas. Dizem os chilotes que o Trauco é responsável por engravidar muitas moças, que sucumbem ao seu irresistível olhar hipnotizador e cedem aos seus caprichos.