No dia 15 de março de 2004 foi aprovado na Câmara Federal o relatório final da Medida Provisória nº 228 de 2004 [MP 288/04], enviada ao Congresso em dezembro de 2004. Trata-se de lei complementar que visa à regulamentação da parte final do inciso XXXIII, artigo quinto da Constituição de 1988, que dispõe sobre o direito dos cidadãos terem acesso a informações sigilosas sob guarda do Governo, restringidas àquelas cuja divulgação ponham em risco a segurança nacional e/ou social. Após aprovação na Câmara, a MP foi enviada ao Senado e aguarda votação final para ir a sanção presidencial, caso não seja modificada naquela Casa. Se sofrer alguma modificação em discussão e votação no Senado, deverá retornar à Câmara para ser reapreciada.
Até início deste mês, a MP estava trancando a pauta do Senado, uma vez que, segundo regimento interno, passados 45 dias de envio ao Congresso de alguma matéria pelo Executivo – este é o caso da 228/04, que já foi transferida pela Câmara com prazo vencido – outras matérias não pedem ser apreciadas até que aquela que esteja trancando a pauta seja votada. Ou seja, assim que os trabalhos sejam normalizados no Senado, essa MP deverá ser levada à discussão e votação. Outro detalhe que vale ser levantado, é que não há, a priori, sinais de que o Senado vá fazer modificações significativas na referida MP. Portanto, podemos, desde já, fazer algumas análises sobre como esta questão legal, prestes a ser regulamentada, poderá ajudar ou atrapalhar a campanha que pede a liberação de arquivos referentes aos óvnis no Brasil.
Em função de pressões populares de grupos defensores de direitos humanos, motivadas por fatos do ano passado que envolveu a publicação em jornais de grande circulação, em Brasília e no Brasil, de supostas fotos do torturado no regime militar, Vladimir Herzog; esses grupos começaram a pedir ao Governo a liberação de informações sigilosas do período da ditadura militar. Posteriormente a este episódio, em dezembro de 2004, veio a ser divulgado na TV Globo a queima de documentos secretos, caso da Base Aérea de Salvador, criando um grande alvoroço entre os militares e a imprensa, evidenciando ainda mais a necessidade de se haver um instrumento legal regulamentador da guarda e do acesso a tais documentos.
O Executivo resolveu agir, tendo em vista que o primeiro episódio resultou na queda do Ministro da Defesa, José Viegas, e o segundo desnudou o risco que corriam os arquivos secretos ainda em poder dos militares. Aliado a isso, existe o fato de que foi implementado um pesado trabalho de divulgação da campanha UFOs: Liberdade de Informação Já, desencadeada por ufólogos membros da Revista UFO em março de 2004, que já em meados daquele ano havia atingido todos gabinetes públicos em Brasília, tanto do poder Executivo, incluindo os militares, quanto no Legislativo e Judiciário, seja de forma eletrônica através de e-mails, seja por meio da publicação de matérias em jornais e revistas da cidade. Acreditamos que tudo isso resultou na edição da MP 228/2004, visando a normatização dos trâmites legais e a compatibilidade entre o inciso XXXIII do artigo quinto, as Leis complementares e os Decretos Lei decorrentes deste inciso.
Do ponto de vista prático, a vigência da Lei nº. 8.159/1991 e seu respectivo Decreto nº. 4.553/2002, editadas ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, que dispõem sobre a política de arquivos públicos e privados e sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal, respectivamente, já regulamentavam de forma mais ou menos clara o acesso aos documentos, mas deixavam sombrio quem autorizaria tal acesso.
Via de regra, as autoridades responsáveis pela liberação do acesso eram as próprias a decretarem a restrição e o grau de sigilo da informação, ou seja, Ministros de Estado e equiparados, e Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e quase nunca o Presidente da República ou seu Vice. Na prática, essa determinação era dada exclusivamente por comandantes militares. Em raras ocasiões, o Ministro da Casa Civil era comunicado sobre a decretação de sigilo de documentos gerados no âmbito da caserna. Durante os governos anteriores, a liberação para acesso aos documentos sigilosos – que nunca ocorreu quando o assunto foram os UFOs – jamais foi autorizada por autoridades do primeiro escalão.
Em ordem de prioridade, manda o Decreto supracitado que tanto o Presidente da República, como seu Vice e Ministros específicos, têm prioridade sobre a ressalva ou não dos arquivos. Conforme este mesmo Decreto, a classificação de graus de sigilo atribuídas aos documentos por essas autoridades, assim como seus prazos máximos para liberação, passíveis de prorrogações indefinidas, foram os seguintes: I – Ultra-secreto: máximo de 50 anos; II – Secreto: máximo de 30 anos; III – Confidencial: máximo de 20 anos; e IV – Reservado: máximo de 10 anos.
Além de reduzir tais prazos máximos, a MP 228/04 determina, nos seus artigos quarto e quinto, a criação de Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas (CAAIS). Tal comissão, preliminarmente independente às autoridades classificadoras dos graus de sigilo de informações, tem, em seu § 3º do artigo sexto, a prerrogativa de conceder a “qualquer pessoa que demonstre possuir efetivo interesse, provocar, no momento que lhe convier, a manifestação dessa Comissão, para que reveja a decisão de ressalva a acesso de documento público classificado no mais alto grau de sigilo”.
De certa forma, podemos dizer que sem a sanção presidencial dessa MP, a campanha para liberação de informações ufológicas se tornaria juridicamente inócua, posto que não havendo a instituição de tal comissão ministerial – no âmbito da Casa Civil do poder Executivo, em nosso caso – o julgo sobre a liberação, ou não, continuaria sob tutela daqueles que sempre negaram as informações pleiteadas pelos ufólogos e seus signatários. No máximo, nossos pleitos dependeriam da boa vontade daqueles que detêm as chaves dos arquivos.
Um exemplo cabal do que acabamos de colocar é o resultado pífio da Carta de Brasília, redigida após o I Fórum Mundial de Ufologia, em Brasília, 1997, quando vários ufólogos assinaram uma petição direcionada ao Governo Federal para divulgação dos principais casos. A Carta foi entregue ao então líder do governo no Senado, atual deputado Roberto Arruda, que, segundo palavras proferidas em discurso de encerramento, seria entregue pessoalmente ao então
presidente Fernando Henrique. Não se teve mais notícias da tal carta, a qual deve jazer em “berço esplêndido”, num dos arquivos mortos do Executivo.
Como campanha de origem popular, visando a abertura de documentos sigilosos do Governo, embasada em assinaturas de cidadãos e munida de dossiês discriminatórios de objeto e objetivo, a campanha UFOs: Liberdade de Informação Já encaixa-se como uma luva no que determina o Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da Constituição, onde no seu artigo quinto, inciso XXXIII, está escrito que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Com foco prioritário nesta parte grifada é que vamos nos concentrar para tecer comentários sobre os maiores avanços e retrocessos trazidos pela MP 228/2004 e, em conseqüência, ao artigo constitucional que a provocou. Como vimos, o direito a informações públicas já está expressamente previsto na Constituição, e agora, regulamentado com as leis complementares.