Ainda não é exatamente um observatório astronômico de última geração, mas os cientistas já podem dizer com orgulho que têm equipamentos ópticos para estudar os astros instalados na superfície de dois planetas do Sistema Solar. O primeiro, desde a luneta de Galileu, no século 17, foi a Terra. O segundo é Marte, cortesia recente dos jipes robóticos da Nasa, Spirit e Opportunity. Com base em imagens obtidas pelos robôs na superfície do planeta vermelho, os cientistas acabam de concluir um estudo de vários eclipses solares causados pelas duas luas de Marte, Fobos e Deimos.
Ao observar o momento em que os pequenos satélites naturais marcianos passam à frente do disco solar, vistos da superfície, os cientistas podem determinar com ainda maior precisão as variações em sua órbita. E variando elas estão: Fobos, o maior e mais próximo dos satélites, está descendo. Em cerca de 40 milhões de anos, deve se espatifar contra a superfície de Marte, ou, talvez, formar um anel ao redor do planeta. Já Deimos, o menor e mais distante, está a cada ano se afastando mais da superfície do planeta.
No total, os cientistas viram seis eclipses, dois de Deimos e quatro de Fobos. Os jipes só conseguem tirar uma foto a cada dez segundos, o que dificulta para ver o movimento. “As observações de eclipses solares e da própria Terra em Marte fizeram dos rovers um planetário às avessas”, conta o brasileiro Paulo Antônio de Souza Júnior, um físico da Companhia Vale do Rio Doce que participa da missão dos jipes da Nasa e que assina três dos seis novos estudos com base em dados obtidos pela missão marciana, publicados hoje no periódico científico britânico Nature.
Além de trazer uma visão inédita de alguns astros, como as luas marcianas, os jipes continuam os estudos sobre o próprio planeta vermelho. Os dois estão, há um ano e meio, trabalhando em lados opostos do planeta. O primeiro, Spirit, pousou na cratera Gusev, um grande buraco onde um aparente canal um dia desembocou. As imagens tomadas do espaço davam a entender que a cratera pudesse ter sido um lago antigo, e a idéia era que o Spirit confirmasse isso. Não aconteceu.
As primeiras análises tomadas “in loco” mostraram que Gusev não havia tido grande contato com água líquida, nem mesmo no passado remoto. Uma história diferente, no entanto, emergiu do outro lado daquele mundo, em Meridiani Planum, onde pousou o Opportunity. O jipe confirmou a forte presença local do mineral hematita, um sinal insofismável de ação de água. No fim das contas, foi possível afirmar que aquela região havia sido um pequeno mar num passado remoto.
O quadro geral estava desenhado. Mas os detalhes ainda careciam de investigação, especialmente sobre a misteriosa Gusev, que contava uma história em órbita e outra no chão. Foi esse um dos enfoques de um dos trabalhos agora publicado no periódico Nature, revelar o real papel da água ali. “Agora, com mais dados, podemos afirmar que houve eventos de água em Gusev, mas ainda nada como vimos em Meridiani”, diz Souza Júnior. “Essas evidências vêm das análises dos minerais marcianos e comparações com o que conhecemos na Terra”.
Outra informação nova dos estudos diz respeito à formação da poeira que recobre toda a superfície marciana, nem sinal de água nela. “Distribuída de forma homogênea por todo o planeta graças às tempestades globais de poeira, ela é realmente formada em processos secos”.