Um fato surpreendente chegaria ao conhecimento de João Martins, famoso repórter da revista O Cruzeiro e uma espécie de inaugurador da Ufologia no Brasil, por meio de um oficial do Exército da 6a Região Militar, sediada em Salvador. A autenticidade do caso foi investigada até os limites do possível, isto é, interpelaram e rebuscaram a vida da testemunha e examinaram as fotos e os negativos em todos os ângulos técnicos. Em um caso como este, só se alcançaria um resultado definitivo se fossem encontrados indícios de fraude, ou seja, se a posição do Sol e a conformação das nuvens estivessem em desacordo com as imagens, se o caráter da testemunha fosse desabonado, ou ambos. Martins reconheceu não haver provas a favor e tampouco contra, daí concluiu que “quanto à verdade absoluta, só a própria testemunha pode ter certeza dela”.
Desenhista profissional e empregado da seção de estatística do Banco Econômico da Bahia, em Salvador, Hélio Aguiar, então com 32 anos, casado e pai de cinco filhos, era míope e usava óculos de lentes grossas que o faziam ficar parecido com Jânio Quadros. Fumante inveterado e de temperamento dinâmico — excêntrico para alguns por ser dado a estudos nas áreas da hipnose, telepatia e metafísica —, ao conceder a entrevista a Martins nada exigiu em troca, pois queria “contribuir para o progresso da ciência e do conhecimento”. Aguiar então revelou que, na tarde de 24 de abril de 1959, uma sexta-feira, dirigiu-se ao quartel da 6a Região Militar com o intuito de encontrar um amigo, o capitão Leib Leibovitch — a amizade firmava-se em dois gostos comuns, hipnose e motocicletas,
e o oficial tinha uma moto que às vezes emprestava a Aguiar. Às vésperas de viajar a São Paulo, para onde fora transferido, o capitão pediu ao amigo que lhe devolvesse sua arma particular, que ele havia tomado emprestado.
Ela, no entanto, se achava na casa de um amigo de Aguiar, residente no bairro de Amaralina, distante do quartel. Assim, levando uma câmera fotográfica, já que pretendia fotografar alguns parentes, Hélio Aguiar seguiu para Amaralina para apanhar a arma e resolveu aproveitar os últimos momentos com a moto correndo ao longo da Avenida Otávio Mangabeira, extensa via que contornava as belas paisagens marítimas e desembocava em Itapuã. Já próximo da Praia de Piatã, Aguiar notou, acima do oceano, uma mancha escura que em princípio julgou ser uma ilusão de ótica — subitamente, o motor da moto parou de funcionar.
“Equilíbrio do universo ameaçado”
A tal mancha se aproximou e tomou a forma de um “disco achatado de um lado, do qual sobressaíam quatro semiesferas e uns sinais escuros, como símbolos”, como descreveu a cena. Do outro lado havia uma “cúpula rodeada de reentrâncias ou janelas da qual partiam vários tubos paralelos”. Sobre a cúpula havia outros sinais que Aguiar não gravou de memória. O disco era prateado e girava no ar fazendo looping. Das três fotografias obtidas, duas mostram a parte achatada e uma a parte da cúpula. Ao bater a terceira, Aguiar alegou ter sentido uma estranha pressão no cérebro que o lançou em um estado de crescente confusão. Uma “ordem” o instava a escrever. No momento em que rodava o filme para disparar nova foto, perdeu completamente os sentidos. Ao voltar a si, viu-se debruçado sobre a motocicleta, segurando na mão esquerda um papel e, na direita, um lápis. Ele redigira, sem saber como, uma mensagem: “Que cessem definitivamente experiências atômicas para fins bélicos. O equilíbrio do universo está ameaçado. Permaneceremos vigilantes e prontos a intervir”.
A testemunha redigira, sem saber como, uma impressionante mensagem: ‘Que cessem definitivamente experiências atômicas para fins bélicos. O equilíbrio do universo está ameaçado. Permaneceremos vigilantes e prontos a intervir’
Na opinião de Martins, essa seria uma boa advertência aos homens da Terra, que se tornaria comum nos anos seguintes, sobretudo nas mensagens do “comando intergaláctico” Ashtar Sheran — que teve muito de sua difusão no Brasil justamente em Salvador. Regressando ao quartel, Aguiar confidenciou o incidente a Leibovitch, que não hesitou em acompanhá-lo à procura de alguém que revelasse o filme, o que foi feito pelo professor Ismael Barros, residente no Bairro da Saúde. No total, saíram 10 fotos. Da sétima à nona chapa estava registrado o objeto voador não identificado, sendo que, na décima, que Aguiar não se lembrava de ter tirado, o objeto quase transformado em apenas um ponto — as duas restantes do filme, que tinha 12 poses, não foram usadas.
Constatou-se que não havia discrepância entre a posição do Sol e o aspecto das nuvens na hora alegada das fotografias. Usou-se uma Flexaret com filme Agfa Isopan e os negativos não apresentavam sinais de manipulação, mas, revelados em demasia, ficaram com excessiva granulação. Aguiar desenhou o disco voador acrescentando detalhes só vagamente percebidos nas fotos. A mensagem, examinada do ponto de vista grafológico, atestou que a escrevera sob impacto emocional. Interrogado repetidas vezes, Aguiar não incorreu em contradição. Um caso espantoso estava configurado e talvez prestes a causar grande impacto na então incipiente Ufologia Brasileira, em boa parte estimulada por Martins em suas rotineiras matérias na O Cruzeiro. Raras vezes se obteve tantos flagrantes de um mesmo objeto e ao longo dos anos o Caso Hélio Aguiar se transformaria em um clássico, sem que jamais se questionasse a sua autenticidade.
UFO de design mais moderno
Infelizmente, ao que se saiba, ninguém pôde analisar os negativos originais e nem tampouco se preocupou em avaliar profunda e cuidadosamente os diversos aspectos — gritantes — que revestem o episódio. Denota-se, em primeiro lugar, que o modelo do disco de Aguiar se aproxima sobremaneira daquele fotografado por Ed Keffel, parceiro de Martins, na Barra da Tijuca, em 1952, com a diferença de que possuía um design mais moderno, arredondado e aerodinâmico, além de símbolos bastante significativos. Mas os pontos em comum não param por aí — o disco também surgira à beira da praia e na mesma época do ano, outono. Por ser desenhista profissional, Hélio Aguiar certamente não teve dificuldades em atualizar o modelo do disco e conceber os símbolos, tanto que ele próprio os forneceu de pronto à reportagem, como se estivessem já preparados.
Se por um lado alguns ufólogos argumentaram que ele fora induzido ao transe hipnótico pelos tripulantes do disco voador, que lhe ditaram a mensagem, ou que mergulhara nesse estado espontaneamente ante o choque do aparecimento da nave — partindo do pressuposto de que as fotos seriam autênticas —, por outro não nos passa despercebido o fato de que se considerava propenso a receber transmissões mentais. João Martins assinalou tal capacidade e questionou-se: “Teria Aguiar sofrido
uma auto-hipnose? Seria uma mistificação Sua? Ou as experiências telepáticas teriam facilitado uma comunicação?” O mais provável é que tenha sido uma combinação das três possibilidades. Os motivos que estimularam o engendramento das ações se situam no plano mágico-religioso. Aparentemente Aguiar tentava “controlar as forças maléficas responsáveis pela desordem do mundo e da vida cotidiana”, como se referiu a elas.
Sobre isso e a propósito do caso, bem frisou a antropóloga Paula Monteiro: “A intervenção mágico-terapêutica tem como suporte essa visão globalizante, uma vez que visa reconstituir o equilíbrio individual e social atuando no plano espiritual. Mas essa ação espiritual tem por sua vez o indivíduo como suporte — somente quando se realizam nele, as forças do mal podem ser domesticadas. Apenas quando se cristaliza no corpo, a desordem do mundo se objetiva e pode ser controlada”. De fato, Aguiar sentia a necessidade e a compulsão de curar não apenas as pessoas individualmente, mas o mundo em geral. E os discos voadores, tão em voga, principalmente depois das fotos de Keffel, constituíam o melhor meio de atrair a atenção. Não surpreende, portanto, que recorrera à imprensa por meio de Martins — um dos difusores da questão ufológica naquela época no Brasil — nada exigindo em troca, pois desejava apenas “contribuir para o progresso da ciência e do conhecimento”. O discurso de Aguiar esconde nesse tocante um jogo de inversões: na verdade, ele militava contra a ciência, que seria responsável pelo perigo nuclear que o angustiava.
Realidade desordenada e caótica
Conferindo sentido a uma realidade que se afigurava desordenada e caótica, Hélio Aguiar mobilizava um circuito particular de solidariedade social que articulava discursos universais capazes, até certo ponto, de subverter regras morais e de autoridades dominantes na sociedade abrangente. Neste cenário, a recepção da suposta mensagem, estando Aguiar imerso em uma espécie de transe, implica-lhe o papel de médium, o que revela influências da cultura de Salvador, fundada nas religiões africanas. De acordo com o antropólogo Renato Ortiz, “a religião umbandista fundamenta-se no culto dos espíritos e é pela manifestação destes, no corpo do adepto, que ela funciona e faz viver suas ‘divindades”. Através do transe, realiza-se assim a passagem entre o mundo sagrado dos deuses e o mundo profano dos homens. A possessão é, portanto, o elemento central do culto, permitindo a “descida” dos espíritos do chamado Reino da Luz, da Corte de Aruanda.
Para Ortiz, a ideia segundo a qual o neófito é o “cavalo dos deuses”, o receptáculo da divindade, é uma herança dos cultos afro-brasileiros, em que a possessão desempenha um papel primordial. “Nesses cultos a celebração das festas religiosas culmina sempre com a ‘descida’ dos deuses africanos. Depois de dançar sob o ritmo incessante dos tambores, a ‘filha de santo’, tomada pela divindade, desmaia e cai no chão, marcando desta forma a morte de sua personalidade profana”. Aqui se substituiu o culto aos espíritos pelo culto aos extraterrestres, que não deixam de ser entidades sobrenaturais ou deuses para muitos — foram eles que “desceram” em um Aguiar extasiado com a visão do disco. A doutrina concebida por Allan Kardec — responsável por equacionar as diferenças do universo sagrado hierarquizando-o em uma ordem tríplice — enquadra os seres que contataram o baiano na categoria de espíritos puros: anjos, arcanjos e serafins. O umbandismo apenas estabeleceu um corte no segundo plano, simplificando a hierarquia mística e acentuando o dualismo: de um lado os missionários do bem, e de outro, os do mal.
Os símbolos na mensagem nada têm de espaciais, embora a reportagem de João Martins sobre o Caso Hélio Aguiar se esforçasse para que assim transparecessem, mas são praticamente idênticos aos pontos riscados dos rituais umbandistas. Tais pontos riscados, tal como os pontos cantados, são símbolos milenares utilizados desde os tempos remotos pelas mais diferentes culturas e religiões. O ponto cantado tem o sentido de prece, oração e invocação a um santo, guia, uma entidade etc. Na Umbanda, o ponto cantado serve para chamar e aproximar os orixás — engiras de desenvolvimento em trabalhos de qualquer linha —, que irão incorporar e atuar, cada qual na sua linha ou falange. Cada palavra representa uma mensagem ou um pedido. O ponto riscado, que em geral corresponde ao cantado, varia segundo o trabalho a ser executado. Na Umbanda ou na Quimbanda é uma bandeira, um escudo ou emblema.
Tudo tem sua simbologia
Os cavaleiros cristãos das cruzadas medievais traziam um emblema que os identificavam perante os inimigos muçulmanos. Os antigos romanos, por exemplo, tinham bandeiras e insígnias gravadas em seus escudos. O rei Davi e seu poderoso exército tinham uma marca que os identificavam nas terras por onde passavam. E os vikings, os primeiros navegadores conhecidos, possuíam marcas e insígnias que se traduziam em pânico e medo por onde passavam. Exemplos notórios são as estrelas de cinco, seis e sete pontas, além das cruzes: a suástica, a de Jesus Cristo, a de Caravaca e a de São Bartolomeu. Tudo tem sua simbologia. Na Umbanda, cada guia tem o seu ponto riscado, que se modifica conforme o trabalho a ser executado. A propósito, Newton Molina, em sua referencial obra 3.777 Pontos Cantados e Riscados na Umbanda e na Quimbanda [Edição particular, 1995], alertou que “é por este motivo que não aconselhamos a desenhá-los por brincadeira, pois estarão mexendo com forças que poderão trazer sérios prejuízos, já que os pontos cantados e riscados só devem ser usados pelos guias e orixás, devendo ter total respeito por eles”. Está anotado.
O ponto riscado é traçado pelo guia com o uso da pemba, que em geral é branca. Em trabalhos de alta magia, porém, pode ser usada a pemba preta, vermelha ou ambas. Nos demais casos são usados a pemba amarela, azul, cor-de-rosa ou verde, dependendo do orix&a
acute; envolvido. Os pontos riscados de Hélio Aguiar correspondem ao chamado Ponto de Segal, referente ao povo do Oriente, aos ditos “pontos da linha das almas” dos pretos velhos e ao “ponto de chamada do Pai Joaquim da Costa”. Saravá!