O dia 31 de outubro é conhecido entre as datas festivas como Halloween, ou dia das bruxas. Nos países anglo-saxônicos, as crianças comemoram fantasiadas de máscaras e roupas com motivos de terror. Neste ano, o dia caiu numa sexta-feira e parece ter sido escolhido a dedo pelo Ministério da Defesa brasileiro para indignar os membros da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) e, de quebra, no Arquivo Nacional, órgão subordinado à Casa Civil da Presidência da República. Foi este o dia que o Comando da Aeronáutica (Comaer) daquele ministério escolheu para enviar à Coordenação Regional do Arquivo Nacional (AN), em Brasília, o que se chamou de “documentos relativos a objetos voadores não identificados”. Tendo recebido a notícia da remessa dos documentos ao AN em 11 de novembro, através do doutor Marivaldo Pereira, servidor que acompanha as diligências do Dossiê UFO Brasil na Sub-Chefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil (SAJ), iniciamos nossas ações para ver qual era o tamanho da abertura ufológica brasileira. É da SAJ que partem as determinações quando o assunto é arquivos públicos.
Um detalhe que chamou a atenção, e que sugeria mais uma manobra do Governo para manter as coisas como estão, sem abertura ufológica alguma, era que, até 11 de novembro, assim como nós, o servidor da SAJ também não sabia qual seria o conteúdo das pastas enviadas ao AN, uma vez que não recebera nenhum relatório sobre quais documentos versando sobre discos voadores no Brasil o Ministério da Defesa efetivamente possuía. Tampouco o doutor Pereira sabia quais eram os documentos que tiveram seu tempo de sigilo expirado, segundo a Lei 11.111/2005 – amplamente discutida em edições passadas da Revista UFO [Veja edições 140, 144 e 147], e que poderiam então ser legalmente liberados para consulta pública. O servidor recebeu apenas a informação do último ato do referido ministério, originado pelo Comaer. Assim, o doutor Pereira pediu-me para fazer uma visita ao AN, a fim de conferir os papéis que para lá foram enviados, checar se estavam de acordo com o que pedimos e retornar uma resposta em outro telefonema, assim que possível.
Antes da liberação dos documentos, havia no ar uma grande desconfiança, por parte dos membros da CBU, de que só os documentos da Aeronáutica seriam disponibilizados nesta primeira ação concreta do Ministério da Defesa. Estimávamos que faltariam, ainda, os arquivos da Marinha e do Exército, que seriam então cobrados com mais veemência numa segunda investida. Contudo, outra surpresa desagradável nos esperava.
Uma grande decepção
Na manhã seguinte ao aviso de que ocorrera a tão aguardada abertura ufológica em nosso país, este autor e o ufólogo Roberto Affonso Beck, consultor da Revista UFO e também membro da CBU foram conferir a papelada. Para nossa grande decepção, percebemos que tudo parece não ter passado de uma brincadeira de mau gosto por parte do Ministério da Defesa, pois o que encontramos no Arquivo Nacional foram somente poucos documentos, já conhecidos, e mais alguns recortes de jornal distribuídos em nove pastas – meras cópias quase ilegíveis de documentos originais, que não foram apresentados. E pior: todo este material não representa sequer 1% do que sabemos ser o conteúdo ufológico das Forças Armadas – e nem mesmo inclui os principais casos conhecidos da Aeronáutica. Ficamos estarrecidos com a falta de respeito de quem autorizou o envio daquelas cópias ao Arquivo Nacional, que, em alguns casos, estão tão borradas ou apagadas que nem pudemos saber do que se tratam.
Sete das pastas disponibilizadas continham cópias de relatos do que os militares brasileiros chamam de “tráfego hotel”, um jargão utilizando especialmente entre os controladores de vôo para dar nome aos UFOs que adentram nosso espaço aéreo. Além da qualidade deplorável das reproduções, o que mais causou espanto foi o conteúdo das outras duas pastas restantes, uma com antigos recortes de jornais – sim, recortes de jornais – contendo reportagens sobre UFOs, e outra com cópias de dois boletins do Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados (SIOANI), de 1969, documentos que já conhecemos há décadas e que pelo menos há cinco anos podem ser consultados por qualquer pessoa no Portal UFO. Parece até que os responsáveis pela abertura ufológica tupiniquim baixaram os documentos do site e os enviaram ao Arquivo Nacional, já que são idênticos aos que temos na internet. Mas, antes de falarmos da fantasia de Halloween que o Ministério da Defesa nos quis impor com esta atitude, vamos abordar novamente a saga do Dossiê UFO Brasil num pequeno histórico.
Ao protocolarmos o Dossiê, em 26 de dezembro de 2007, na Casa Civil da Presidência da República, teve início uma longa luta que, após vistoriarmos o que foi liberado agora, tem tudo para acabar no Supremo Tribunal Federal (STF). A Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) aguardou pacientemente durante mais de 10 meses, sempre acompanhando com resignação os passos burocráticos de nossas autoridades. Segundo normas de tramitação de documentos públicos, o prazo de respostas para o Governo se manifestar oficialmente sobre o que pede o Dossiê é de 120 dias, quatro meses. Bem, o documento, como todos sabem, não pergunta se as Forças Armadas possuem documentos ufológicos. Ele afirma categoricamente a existência destes documentos, diz exatamente onde estão, lista muitos militares envolvidos em casos ufológicos e pede a liberação dos que estão com prazo de sigilo vencido. Para isso, também cita todas as leis que fazem dele um instrumento totalmente legítimo.
Paciência esgotada
Uma vez confirmada a existência dos documentos pelo Ministério da Defesa – o que já havia ocorrido dentro dos primeiros dois meses após protocolado o Dossiê, em fevereiro de 2008 –, toda a papelada autêntica e com prazo de sigilo vencido já deveria ir automática e imediatamente para o AN. Tal diligência deveria ocorrer dentro deste prazo legal de quatro meses, ou seja, no máximo até maio de 2008. Ainda há no Dossiê o pedido de convocação da Comissão de Análise e Averiguação de Informações Sigilosas (CAAIS) para tratar dos casos classificados como ultra-secretos, segundo a Lei 11.111/2005, e cujo sigilo ainda esteja vigente. Contudo, para conclusão desta fase, não há prazos para a CAAIS se reunir, julgar e concluir seus trabalhos. No final de outubro, nada disso havia ocorrido, a não ser informações confirmadas de que o Comaer realmente possuía os documentos citados no Dossiê, e que providenciaria sua liberação. Ou seja, esperamos mais que o dobro do que a lei determina,
e sempre com paciência e ordeiramente, sem desqualificar qualquer autoridade responsável pela morosidade, apenas o Governo como um todo.
Medidas cabíveis tomadas
Por meio da Revista UFO e dos fóruns de debate da publicação na internet, passamos a todos leitores e à Comunidade Ufológica Brasileira as informações que nos eram disponibilizadas pela Sub-Chefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil (SAJ), através do doutor Marivaldo Pereira. Assim como transmitimos a todos as novidades que nos chegavam do Ministério da Defesa e dos demais órgãos onde o Dossiê foi protocolado, apesar de serem poucas. Ante certa indignação por parte dos ufólogos brasileiros, que queriam um posicionamento mais rápido e objetivo de nossas autoridades, pedimos constantemente paciência e prudência, especialmente aos mais afoitos, uma vez que, como funcionário público há mais de 18 anos, sei que estas tramitações são complicadas e muito demoradas – isso sem contar o fato de que a Lei 11.111/2005 nunca fora usada antes, e a CBU a estava inaugurando.
Neste ínterim, a Comunidade Ufológica Brasileira recebeu contribuições significativas para seu pleito, partindo do alto oficialato da Aeronáutica, através do brigadeiro José Carlos Pereira e do coronel Antônio Celente, ambos na Reserva. O primeiro presenteou os ufólogos com uma entrevista bombástica sobre documentação do Comdabra, publicada integralmente nas edições 141 e 142 da Revista UFO, de abril e maio de 2008, o que deu uma grande esperança aos ufólogos brasileiros. “Todos os segredos devem ser liberados”, declarou o militar sem titubear, nas capas das edições. E o segundo ofereceu uma análise perfeita da situação ufológica atual, apontando para a iminência do inevitável dia em que faremos contato com inteligências alienígenas. O coronel Celente, na sua memorável matéria A Hora da Verdade, publicada em UFO 144 [Julho 2008], mostrou que uma boa parte do meio militar brasileiro está mais do que atenta à presença alienígena na Terra.
Confirmações inequívocas
As duas autoridades confirmaram, em seus relatos, que a Operação Prato e a Noite Oficial dos UFOs no Brasil, respectivamente ocorridas entre setembro e dezembro de 1977 e em maio de 1986, foram documentadas por nossas Forças Armadas – e os dois fatos, além do Caso Varginha, são os pilares principais da campanha UFOs: Liberdade de Informação Já. Os documentos produzidos nestas situações, confirmados pelo brigadeiro Pereira e pelo coronel Celente, entre outros, serviriam como provas incontestáveis não apenas da existência de UFOs e de sua origem extraterrestre, mas também que o Governo detém tal informação. Pereira foi ainda mais longe e confirmou que existem muitos outros documentos sobre a Operação Prato do que nos foi mostrado no Comdabra, na histórica visita da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), em maio de 2005, e que a maior parte desta documentação estaria no Ministério da Defesa, além de algo mais na Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) – o antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) –, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República. O brigadeiro fez questão de prestar sua colaboração à campanha, conversando pessoalmente com o atual comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, para que este agilizasse o processo de abertura ufológica no país – e recebeu dele a promessa de que iria fazê-lo.
O Dossiê UFO Brasil também afirma o mesmo em suas quase 70 páginas e vai além, mostrando outras ocorrências envolvendo UFOs pesquisadas pela Aeronáutica. Cita a existência de provas e de testemunhas da operação feita pela Escola de Sargentos das Armas, de Três Corações (MG), em 20 de janeiro 1996, para capturar criaturas não terrestres ainda vivas e transportá-las para a Universidade de Campinas (Unicamp), fato que acabou virando o principal episódio ufológico brasileiro e talvez mundial, o famoso Caso Varginha. O Dossiê também afirma que a documentação referente a este fato está em grande parte no Comando do Exército, com possibilidade de existirem papéis sobre ele também no Ministério das Relações Exteriores. Da mesma forma, a Marinha também é citada no documento, onde se afirma que possui farta quantidade de registros ufológicos de casos notórios, como o da Ilha da Trindade, de 1958, e do Rio Paraguai, de 1962, ambos narrados detalhadamente na obra UFOs: Arquivo Confidencial, do co-editor Marco Petit [Código LIV-019 da coleção Biblioteca UFO. Veja Shopping UFO desta edição]. Mas, incrivelmente, nada disso foi disponibilizado pelo Ministério da Defesa.
O Brasil na contra-mão
Para completar, o mundo inteiro soube em outubro que a Inglaterra liberou seus arquivos sobre UFOs para consulta pública, o que a França já havia feito no ano passado, publicando na internet mais de 100 mil páginas de documentos ufológicos antes secretos [Veja nas edições UFO 133 e 148]. Até o Equador e o Peru, países do mesmo continente que o nosso e substancialmente menores que o Brasil, já fizeram isso. E agora, em novembro passado, como se vê nesta edição, os agroglífos – antes chamados de círculos ingleses – finalmente deram o ar da graça em terras brasileiras, em cidades do interior de Santa Catarina. Isto tudo sem citar outros casos de pousos de naves e avistamentos que tivemos apenas em 2008, como em Riolândia, Buritama e Peruíbe, no estado de São Paulo, denotando ser este um dos anos de maior atividade extraterrestre no país. Nada disso foi levado em consideração pelo Ministério da Defesa, que promoveu uma abertura ufológica semelhante às CPIs brasileiras. Em resposta aos apelos legais da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), através do Dossiê UFO Brasil, em 31 de outubro passado, o órgão enviou ao AN uma quantidade ridícula de documentos – na verdade, cópias dos originais mantidas em nove pastas, cujo conteúdo se pode conhecer na tabela do texto.
Após o impacto inicial da decepção causada pelo conteúdo das pastas enviadas ao AN, nossa primeira reação foi questionar à doutora Vivien Ishaq, coordenadora regional do órgão, qua
l o motivo de só aquelas pastas com cópias serem apresentadas à sociedade, como resposta à solicitação do Dossiê UFO Brasil. Ela nos disse que, simplesmente, o Ministério da Defesa e o Comando da Aeronáutica enviaram apenas os tais documentos, mais nada. E complementou ainda informando que não havia mais explicações para isso. Doutora em história e chefe de uma equipe composta por arquivologistas, bibliotecários e vários técnicos em catalogação e recuperação de documentos, a doutora Vivien nos contou que o repasse ao AN, seja de originais ou de cópias, é um de seus maiores problemas. Na parede em frente à sua mesa está um complexo organograma colorido, no qual estão registrados documentos que têm importante significado na história do país, mas que os órgãos onde foram gerados não sabem onde estão, ou simplesmente não os fornecem ao AN. Isso dá uma dimensão do descaso das autoridades com nosso passado.
Igualmente, a doutora Vivien nos falou sobre ações cíveis que estão batendo nos tribunais justamente por causa desta censura ou morosidade, especialmente sobre documentos gerados na época da Ditadura Militar. “As pessoas têm o direito de saber sobre suas vidas ou de seus parentes mortos. Se quiserem divulgar ou não, é problema delas”, sentenciou. No nosso caso, a necessidade do saber científico já é motivo suficiente para termos os documentos, é o que diz a Lei 11.111/2005.
Agora, a ação será jurídica
Ora, todas as sete autoridades que compõem a CAAIS receberam o Dossiê, inclusive o ministro da Defesa, doutor Nelson Jobim. Se não o leram para saber como proceder quanto aos documentos ufológicos, pelo menos seus assessores o fizeram. Caso contrário, o AN ficaria sem as pastas enviadas. Estas autoridades foram constituídas para deliberarem em situações como esta, e a Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) as acionou com base no estado de direito praticado na República, obedecendo a ordem instituída. Ou seja, primeiro pedimos a documentação para quem a possui, mas se nossa solicitação não é atendida – ou se é atendida em parte, como foi o caso –, é nosso direito partir para a Justiça. O que o Ministério da Defesa fez – com a anuência da Casa Civil ou não – foi negar nosso direito de acesso aos documentos, como determina a referida lei, enviando cópias de itens sem importância ao AN. Além disso, não disponibilizou tudo o que está com prazo de sigilo vencido, principalmente os documentos da Operação Prato e da Noite Oficial dos UFOs no Brasil. Para acabar de vez com nossa paciência, o Ministério não mandou nada, absolutamente nada, do Exército e da Marinha.
Diante do lamentável fato constatado, a única coisa que a Casa Civil da Presidência da República pode fazer agora, depois de tanto tempo de espera e do cumprimento inapropriado da Lei 11.111/2005, é nos dar uma explicação sobre o ato falho de uma de suas casas subordinadas, o Ministério da Defesa. O servidor responsável por nosso processo na Sub-Chefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil (SAJ), doutor Marivaldo Pereira, informou que providenciaria a citação oficial da liberação parcial dos documentos pedidos, a ser enviada aos endereços dos membros da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU). Ao mesmo tempo, prometeu que buscaria, em nova diligência, explicações para a falta da maioria dos outros documentos citados no Dossiê. Contudo, no entendimento unânime dos membros da CBU, tal explicação, mesmo que venha rápido, não impede que continuemos o nosso trabalho. E ele agora não tem outro rumo senão a invocação da Justiça, por meio de um mandado de segurança coletivo.
Neste novo momento da campanha UFOs: Liberdade de Informação Já, seremos mais ordeiros, prudentes e cautelosos do que já fomos, se é que isso é possível. Mas não dá para a Comunidade Ufológica Brasileira ficar ainda mais impassível diante dos fatos e da falta de interesse do Governo com a questão. Depois destes episódios, o mandado de segurança coletivo seguirá ao Supremo Tribunal Federal (STF), abastecido de mais provas do descumprimento da lei por parte da Casa Civil. Isso deverá desagradar a ministra titular do órgão, Dilma Rousseff, visto que o documento só pode ser contra ela, ainda que aqueles que tenham provocado tal situação foram os subordinados do ministro Jobim, que, por sua vez, está subordinado a ela. Pelo jeito, a campanha da candidata do Governo à Presidência vai começar com o pé esquerdo, sendo acusada de descumprimento da lei.