A maior parte dos cientistas trabalhando no acelerador de partículas LHC acredita que o experimento vai cumprir seu objetivo primário: reafirmar o Modelo Padrão, teoria que evoca partículas e forças para explicar o mundo microscópico. A principal previsão ainda não testada da teoria é o porquê de a matéria possuir massa. Uma resposta final deve surgir nos dois primeiros anos de funcionamento do acelerador. Para o bem ou para o mal.
Para fazer o teste, físicos tiveram de esperar 40 anos até que surgisse uma tecnologia para criar colisões violentas o suficiente para os experimentos. O LHC – sigla em inglês de Grande Colisor de Hádrons –, finalmente, tem a força necessária. Dentro dela ocorrerão choques de prótons (partículas da classe dos hádrons, encontradas no núcleo de átomos) beirando a velocidade da luz. Essas violentas colisões são capazes de “quebrar” os prótons, liberando uma quantidade colossal de energia, que se transforma então em novas partículas – algumas delas capazes de escapar com tanta facilidade que é preciso construir detectores monumentais para encontrá-las.
O Modelo Padrão mostra que as partículas fundamentais são menos de duas dezenas e se dividem em dois tipos: férmions e bósons. Férmions são partículas que constituem a matéria – como os quarks (que formam os prótons) e os elétrons. Bósons são partículas que carregam forças – como o fóton, a partícula da luz, responsável pela força eletromagnética. A omissão da física com a questão da massa, porém, ainda persiste. Ninguém mostra por que um próton tem 1.800 vezes o peso de um elétron e o fóton tem massa zero. A teoria a ser testada agora LHC, porém, pode ser a resposta.
Elaborada pelo físico inglês Peter Higgs, 78, em 1964, uma derivação do Modelo Padrão indica que o espaço deve permeado por um “campo” que pode influenciar as partículas existentes nele. As partículas mais influenciadas são as mais maciças, e aquelas que não interagem com o campo de Higgs não possuem massa. Esse campo, previu Higgs deve ser mediado por uma partícula – um bóson, mais precisamente – não previsto nas versões iniciais do Modelo Padrão. O bóson de Higgs, pois, é justamente o que os físicos mais esperam encontrar nos experimentos do LHC, mas sua existência ainda não pode ser tomada como uma certeza. “Se não o encontrarem, existem outros mecanismos que não têm a mesma popularidade que o mecanismo de Higgs para fazer a unificação das interações [das partículas com massa], mas que podem vir a ter uma importância maior”, disse à Folha, Alberto Santoro, físico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que comanda um grupo de brasileiros no CMS, um dos detectores do LHC. “Vamos passar por uma fase mais excitante, do ponto de vista científico, se o bóson de Higgs não for descoberto”.
Um problema a ser analisado em outro detector, o LHCb, diz respeito à natureza da matéria e da antimatéria. Uma é praticamente a mesma coisa que a outra, mas com carga elétrica invertida (prótons negativos, elétrons positivos etc.). Por alguma razão, porém, a matéria sobrepujou a antimatéria na evolução do Universo, e os cientistas querem entender por quê. Para isso, será analisada a assimetria no surgimento de matéria e antimatéria após à colisão de prótons no LHC. “A assimetria nós já sabemos que existe; o importante agora é dar números a ela e torná-la uma medida precisa”, explica Arthur Maciel, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que trabalha no LHCb. “É possível estudar o infinitamente pequeno, as menores porções de matéria – é o que se faz num acelerador de partículas –, para resolver problemas da estrutura e da evolução temporal do Universo”.
Há brasileiros em todos os grandes experimentos do LHC. Uma equipe da USP e da Unicamp participa do Alice, detector que vai simular o estado da matéria nos primeiros instantes após o Big Bang, a explosão que gerou o Universo. O Atlas, o maior detector detector do LHC – que será um experimento de propósito geral –, também terá participação do Brasil, representado por físicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tanto no Atlas quanto no CMS será possível investigar questões que não estão diretamente relacionadas ao Modelo Padrão. Há alguma expectativa, por exemplo, de que o LHC possa dar alguma pista sobre a natureza da chamada matéria escura, que compõe 80% da massa do universo, mas que não emite luz nem nenhum tipo de radiação, por isso é invisível.