Estamos na Bélgica no verão de 1990. A publicidade que envolveu a onda ufológica daquela década no país já havia quase esvaecido quando um repórter da estação de televisão RTL, uma das mais famosas, alertou a Société Belge d’Étude des Phénomènes Spatiaux (SOBEPS) sobre uma nova e extraordinária evidência: ao que parece, alguém da localidade de Petit Rechain, perto da cidade de Liège, conseguiu capturar um close de uma das misteriosas naves triangulares que tantos haviam visto nos céus belgas desde o final de novembro 1989, naquela que foi uma das mais intensas e duradouras ondas de avistamentos ufológicos da história.
O fotógrafo seria Patrick Maréchal, então operário de 20 anos. Maréchal informou que fez a foto a partir de sua pequena varanda no fundo da casa que ele dividia com sua noiva, Sabine. Como relatou, em uma noite de abril — presumidamente o dia 04 —, Sabine estava levando o cachorro para o jardim quando viu uma série de luzes estacionadas no céu. Ela imediatamente chamou Maréchal, que estava dentro da casa. O rapaz pegou uma câmera, que estava carregada com filme fotográfico colorido, correu para a varanda, posicionou-se contra a parede e fez duas fotos. “Imediatamente depois as luzes começaram a se mover e desapareceram atrás da casa de um vizinho”, disse Maréchal. Alguns dias mais tarde, os negativos revelados voltaram da loja de fotos local — naquela época não havia fotos digitais.
Para sua surpresa, o casal encontrou uma das fotos perfeitamente nítida, enquanto a segunda não mostrava nada além de escuridão. A foto ruim foi jogada no lixo e a boa foi mantida em uma gaveta até que o jornalista Guy Mossay, que trabalhava para uma grande agência noticiosa belga, mostrou interesse pela história. Mas é neste ponto que a história fica turva.
De acordo com Mossay, foi Maréchal quem o contatou em seu escritório tentando vender a foto e o negativo originais para juntar dinheiro para seu casamento. Rumores colocam o valor cobrado entre 250 e 500 Euros, que foram pagos ao fotógrafo. Ele, no entanto, disse que foi um de seus colegas de trabalho que contatou Mossay e insiste que nunca recebeu dinheiro algum pelo material e que somente o havia emprestado para o jornalista. Enfim, seja qual for a verdade, Mossay conseguiu a foto e o negativo e garantiu que os direitos autorais sobre o material fossem registrados na School of Fine Arts & Music (SOFAM), uma agência belga de autores de artes visuais que coleciona e redistribui royalties. Pensando que seria uma boa ideia aproveitar esta rara evidência na mídia, Mossay enviou cópias da foto para vários jornais, revistas e estações de TV, incluindo a RTL. O primeiro a publicá-la foi o jornal francês Science et Nature. Um por um, diversos veículos seguiram o jornal e não demorou para que a foto de Petit Rechain começasse a circular pelo mundo, assim como a versão de Maréchal sobre como a obteve.
FONTE: SOBEPS
Patrick Maréchal em entrevista que concedeu a ufólogos belgas apresenta o slide da foto que forjou junto de sua namorada Sabine
Fotos e vídeos mostrando vários dos UFOs triangulares da onda ufológica belga foram apresentados à imprensa do país anteriormente, mas todas essas imagens eram pouco convincentes ou facilmente identificáveis como luzes comuns de aviões, imagens de corpos celestes fora de foco e ainda luzes de rua. Desta vez, no entanto, havia a impressão de que alguém finalmente havia capturado algo real em foto. Além disso, exames da foto de Petit Rechain feitas com superexposição revelaram haver uma estrutura triangular escura atrás das três luzes fotografadas, as quais não haviam sido notadas primeiramente.
Em seguida, análises conduzidas pelo professor Auguste Meessen, ufólogo, físico e professor da Université Catholique de Louvain La Neuve (UCL), concluiu que as luzes na foto provavelmente eram “jatos de plasma de alguma nave alienígena de alta tecnologia” e que possivelmente a luz ultravioleta do veículo havia influenciado a imagem durante a emulsão do filme. Lembremo-nos de que as testemunhas haviam mencionado ter visto somente pequenas luzes, não os vastos efeitos de luz que podem ser observados nas inúmeras publicações da foto — provavelmente tratada de forma digital para aumento de sua clareza e detalhes. Meessen é correspondente internacional da Revista UFO na Bélgica.
Análises posteriores da foto e do negativo foram feitas pelo doutor Richard F. Haines, ex-cientista da Agência Espacial Norte-Americana (NASA) e atualmente diretor da National Aviation Reporting Center on Anomalous Phenomena (NARCAP), assim como pelo professor François Louange, especialista francês em imagens de satélites que trabalha para os militares, a Agência Espacial Europeia (ESA) e o Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES). Igualmente por André Marion, doutor em física nuclear, professor na Universidade Paris e ex-pesquisador CNRS, e Benoit Mussche, especialista em imagens médicas e analista-chefe do Seer Light Image Analysis. Todos endossaram as propriedades extraordinárias do material como “legítimo”.
As declarações de que a foto era genuína não param por aí. No documentário do canal History Special Access: UFOs on the Record, que foi ao ar em agosto 2011, a jornalista e investigadora Leslie Kean se referiu à foto Petit Rechain como “uma das mais convincentes evidências da existência de UFOs”. O programa se baseou em seu livro UFOs: Militares, Pilotos e o Governo Abrem o Jogo [Idea Editora, 2010]. Leslie, consultora da Revista UFO, é a pessoa por trás da mais recente descoberta de que o Pentágono pesquisou casos ufológicos nos últimos anos [Veja edição UFO 255].
Então, em uma transmissão da RTL feita em julho de 2011, ou seja, um mês antes do documentário do History ir ao ar, Patrick Maréchal confessou que a foto tirada 21 anos antes era somente parte de um truque que ele planejou com um colega de trabalho. Em entrevistas subsequentes, Maréchal revelou que foi um amigo quem cortou um triângulo de isopor de 60 a 80 cm e depois inseriu quatro lanternas no modelo, pintou a do meio de vermelho e suspendeu o objeto com a ajuda de dois fios e um banquinho de cozinha.
Patrick Maréchal, nada arrependido, se diz disponível e pronto a ajudar a responder perguntas de qualquer um que queira saber mais sobre sua fraude. ‘Afinal, falsificar uma foto de UFO pode não ser uma boa ideia, mas também não é crime’, disse
“A ideia para o truque havia entrado em minha mente após eu haver discutido a onda ufológica belga com alguns de meus colegas na fábrica, que compartilhavam meu interesse por fotografia”, declarou Maréchal. Vários deles participaram do truque, mas no final foi Maréchal quem tirou as fotos. Ele fez a tomada em seu quintal dos fundos enquanto Sabine se manteve dentro da casa, um tanto entediada com as atividades ao ar livre de seu noivo. Não duas, mas uma dúzia de fotos foi tirada — as outras ainda não foram localizadas. Maréchal não vive mais em Petit Rechain e é possível que Sabine as tenha no momento. Quando perguntado sobre a possibilidade de recuperar as outras imagens, o rapaz respondeu que iria procurar, mas que não tinha intenção de incomodar sua ex com essa história novamente.
Em retrospectiva, a foto parece ter sido fabricada de um modo similar à técnica sugerida em uma monografia publicada dois anos depois que surgiu, na Bélgica. Naquela época, ambas a original e a foto simulada foram examinadas pelo professor Marc Acheroy, da Royal Military School. A conclusão foi a de que Patrick Maréchal nunca poderia ter falsificado a imagem daquela maneira. Propuseram-se, então, várias mudanças na técnica e o assunto foi ignorado dali em diante, até que, 13 anos depois, à luz de uma série de novas análises que foram conduzidas no material original, estudiosos voltaram a t
rabalhar e produziram um conjunto de novas fotos — dessa vez as luzes no modelo foram substituídas por pequenas lanternas que não estavam mais colocadas atrás de um objeto cortado, mas parafusados a um pedaço de cartolina. O modelo foi suspenso por um fio fino na frente de uma porta azul que serviu como céu.
A despeito do fato de que todas as particularidades do negativo de Petit Rechain possam ser copiadas com sucesso de alguma forma em novas tentativas de fraude — feitas para desmascarar a anterior —, professor Acheroy repetiu sua conclusão que “a técnica jamais explicaria as características extraordinárias do original”. A recente confissão de Patrick Maréchal mostrou que sua conclusão estava errada: o UFO triangular era apenas um modelo suspenso com pequenas lanternas presas a ele, apesar de ter sido feito de isopor e não de cartolina, como na cópia da fraude. Um duro golpe à Ufologia Mundial.
Mas demostrar que a foto de um UFO pode ser duplicada, e assim provada como falsificação, não é o mesmo que provar que o original é falso. O contexto em que se disse que a fotografia foi obtida deve ser examinado da mesma forma. Se discrepâncias são encontradas entre as narrativas das testemunhas e a informação contida na foto, então isto inviabilizaria seriamente a evidência. No caso do incidente de Petit Rechain, as discrepâncias eram múltiplas, tanto que já em 1992 especialistas haviam apontado que a foto de Maréchal mostrava a parte debaixo do objeto — é impossível predizer o voo característico de uma nave alienígena, é claro, mas um design triangular parece aerodinamicamente absurdo.
Igualmente, a imagem parecia muito nítida para um objeto distante sendo fotografado com uma lente de aproximação e sem o uso de tripé. A imagem também não tem nenhuma informação de fundo, nenhuma referência do cenário, resultando impossível julgar o tamanho original do artefato fotografado. Outro fato que denunciava a fraude era o de que as histórias contadas separadamente pelas duas testemunhas, o rapaz e a namorada, não batiam.
Há quem veja no debate sobre a foto de Petit Rechain uma oportunidade para atacar a Ufologia. Daniel Schmitt e Pierre Magain, do Institute d’Astrophysique de Liège, expressaram dúvidas severas sobre a autenticidade das imagens e de todo o contexto da pesquisa ufológica. Especialmente Magain, que já tinha tentado duplicar o truque ao fazer uma foto com tripla exposição de uma caixa de cartolina furada e mudando a posição da luz em cada foto. Ele apontou alguns dos problemas citados acima. Seu ponto de vista foi compartilhado pelos céticos Marc Hallet e Roger Paquay, balançando duramente a credibilidade da Ufologia Belga e dos pesquisadores de vários países que apoiaram a autenticidade da imagem.
E sobre a opinião atual de Guy Mossay sobre tudo isto? Em uma entrevista ao jornal De Standaard, o jornalista, agora aposentado, disse estar frustrado e irritado, não só porque foi enganado por um jovem brincalhão, mas também por causa do que seus colegas podem pensar dele, agora que ficou claro que explorou um documento falso. Mossay, hoje residindo na França, insiste que sempre acreditou que a foto fosse real. “Não uma nave alienígena, mas provavelmente alguma aeronave secreta de algum tipo”. Na época da onda ufológica belga, uma das teorias era de que os triângulos voadores seriam armas secretas norte-americanas — embora tivessem sido radarizados a milhares de quilômetros por hora.
Somente três meses depois da notícia do embuste chegar à mídia o especialista da Société Belge d’Étude des Phénomènes Spatiaux (SOBEPS) Patrick Ferryn informou que em 1990, junto com Guy Bleser, conduziu uma investigação no local da foto. “Sabíamos que Sabine e Patrick Maréchal haviam terminado seu relacionamento dois anos atrás e pensamos ser uma boa ideia contatar Sabine novamente — talvez ela falasse mais abertamente sobre o que aconteceu”. Mas parece que se esqueceram de pesquisar mais a fundo…
Patrick Maréchal se diz disponível e pronto a ajudar a responder perguntas de qualquer um que queira saber mais sobre sua fraude. “Afinal, falsificar uma foto de UFO pode não ser uma boa ideia, mas também não é crime”. Desde outubro de 2011 ele gerencia um blog com uma coleção de artigos sobre coisas estranhas e incomuns. Em uma entrevista a Michel Vanbockestal, do Belgian Research Centre for Unexplained Phenomena (CERPI), ele explicou que foram as descrições das testemunhas da onda ufológica belga que o inspiraram a construir um modelo parecido. Ele também afirmou que sempre acreditou em UFOs e que a revoada de avistamentos nos anos 80 em seu país foi real — tanto que o Governo e a Força Aérea Belga (FAB) investiram centenas de homens, milhares de dólares e muitos caças a jato em sua investigação. Sim, a foto é falsa, mas a onda foi real.