Basta ficar atento: em uma volta pela cidade, difícil não esbarrar em uma faixa anunciando consultas que podem revelar a sorte alheia. Cartazes, anúncios em classificados de jornal ou na internet, todos sinalizam um universo que convoca simultaneamente à crença e ao ceticismo – e movimenta um grande mercado.
A virada do ano, quando as previsões e seus autores ganham a atenção do grande público, é só uma das tantas vitrinas das consultas esotéricas: esses prestadores de serviços avançam além das ruas em bairros distantes ou das pequenas salas escondidas no centro das cidades, espalhando-se pelos bairros nobres, inclusive em prédios comerciais de luxo. Se antes havia preconceito ou reticência, agora a academia está aberta a pesquisas sobre o chamado neoesoterismo e, ao mesmo tempo, insinua-se uma moderna caça às bruxas – do extinto quadro Bola de Cristal, do Fantástico, a investigações policiais, há uma busca por desmascarar supostos charlatões. Mas, para cada denúncia, não faltam depoimentos de gente impressionada com um vidente ou uma cartomante que falou detalhes de sua vida dos quais não poderia saber de jeito algum. O tema é polêmico.
Desde sempre, as pessoas querem conhecer aquele outro lado, do qual a ciência não dá conta, destaca a doutora em Psicologia Social Maria Lúcia Andreoli de Moraes, que estuda a crença em mitos: acrescentem-se a isso a curiosidade, um desejo mágico de que as coisas se resolvam sem que se precise fazer nada para isso e até a tendência de colocar a decisão nas mãos do outro – mesmo que seja um oráculo.
Então, a pergunta se impõe: quem são e o que move esses que dizem poder revelar os segredos alheios?
Tempos atrás, fazer predições era principalmente uma tradição familiar, passada de geração a geração – nem sempre bem vista. Hoje, ao lado daqueles que dizem ter nascido com um dom, há os que estudam práticas místicas por conta própria ou freqüentam cursos para desenvolver habilidades. Foi em aulas de cartomancia que a historiadora Susana Araújo deu início a sua pesquisa de doutorado em Antropologia Social com o objetivo de compreender aqueles que chama de “bruxos modernos”. A maioria que ela encontrou na Capital tinha curso superior e outra profissão – jogava tarô ocasionalmente. Mas havia tanto quem queria apenas um meio de ganhar dinheiro, quanto aqueles que encaravam as predições como uma missão – não acreditavam em dom, mas na preparação por meio da educação informal. Em seu doutorado em Sociologia na USP, o mineiro Alexandre Cardoso fez um caminho parecido na Região Metropolitana de Belo Horizonte: entrevistou profissionais que ele denomina de “mágicos modernos”, que, conforme ele explica, estariam à margem do sistema religioso dominante. Se o sacerdote tem o respaldo da instituição a que pertence, eles falam em nome de seu próprio poder e da reputação passada no boca-a-boca (Você nunca ouviu de alguém que precisava conhecer o vidente ou a cartomante tal que acerta tudo?). Todos que Alexandre encontrou diziam ter um dom. –
Não tenho como aferir isso, mas o que me impressionou é que eles agem como psicólogos e sociólogos intuitivos. Eu me sentia mais observado do que observador. Muitos se ofereceram para falar de mim e deram detalhes da minha condição pessoal que eram muito difíceis de eles descobrirem – diz Alexandre. – Sabem ler certos sinais que passam despercebidos na vida cotidiana, o que não quer dizer que saibam o destino alheio.
O psicólogo e parapsicólogo Jayme Roitman pode ser descrito como um cético que quer acreditar. Foi ele que treinou o ator Osvaldo Mil para bancar o vidente no quadro Bola de Cristal e expor as técnicas de que alguns lançariam mão para dar a impressão de que têm um poder especial. Roitman diz já ter feito testes em laboratórios de parapsicologia com resultados favoráveis para clarividência e precognição, mas afirma que esses fenômenos são espontâneos e desconfia de quem marca consulta e garante que, naquele horário, poderá predizer o futuro do cliente:
-Essas pessoas deveriam ser testadas antes de oferecer seus serviços. Se algum se apresentar e passar por testes científicos que mostrem que tem esses poderes e pode controlá-los, vou ser o primeiro a anunciar seus serviços.
No meio da entrevista por telefone, desde São Paulo, Roitman interrompe a repórter e diz que, pela voz dela ele consegue perceber algo de seu passado recente. Faz uma revelação, que se mostra verdadeira. Então, ri:
– Olhei isso no Google. Viu? É como muitos fazem.
Para ele, há três tipos de técnicas comumente utilizadas: leitura quente é “adivinhar” algo que descobriu previamente, por outros meios. Leitura fria é quando o profissional impressiona com revelações que o próprio cliente faz sem perceber, como a roupa que indica o quanto ele é cuidadoso ou não com a aparência. Na validação subjetiva, anuncia-se algo que serviria a qualquer um (“Alguém não foi leal com você).
– Quem procura esses serviços geralmente tem um de três tipos de problema: saúde, questão profissional ou financeira e relacionamentos. Basta o pseudo vidente observar para dizer qual é – diz Roitman. – Uma parte (desses profissionais) realmente acredita que tem poder, a outra parte é de charlatões.
A psicóloga Maria Lúcia contrapõe:
– São pessoas sensíveis, comprometidas e estão no seu direito de oferecer um serviço, as pessoas vão lá sabendo como funciona. Não se pode dar um qualificativo generalizado para todos: tem gente com ou sem ética em qualquer profissão. Já consultei pessoas que colocam cartas, uma disse coisas da minha infância, com detalhes muito específicos e fiquei bastante impressionada. Quando me ofereceu um trabalho, eu disse que não acreditava, e ela me respeitou.
Para Márcia, buscar predições de alguém com uma habilidade especial – sem perder a capacidade crítica – pode ser a chance de identificar os próprios pontos fracos. A doutora em Antropologia Susana Araújo concorda que aí está uma chance de autoconhecimento:
– É um fenômeno que tenta entender o que está acontecendo na tua vida: te dá insights. O tarô remonta ao século 14, não se pode desprezar um conhecimento tão antigo.
– O fato de uma técnica ser milenar não aumenta a probabilidade de ser verdadeira ou falsa. Essas tecnologias e tradições se mantêm porque as perguntas permanecem as mesmas, não porque são mais eficazes, mas porque afirmam que têm as respostas – rebate Roitman.
Nesse tema, para cada ponto, parece haver um contraponto. O pesquisador Alexandre Cardoso, por exemplo, acredita que as pessoas buscam esses serviços como uma aventura, uma transgressão, lá se comovem e tomam decisões que tendem a deixar de lado ao sair à rua e voltar para suas vidas. Assim como não deve faltar quem diga que uma predição mudou seu destino. Acreditar ou não, é decisã
o de cada um. Mas, como os próprios pesquisadores observaram em seus estudos, há ainda a coluna do meio: quem duvida, mas, por garantia…