Albert Einstein estava exausto. Pela terceira noite seguida, seu filho Hans, ainda neném e chorando muito, mantinha toda a casa acordada até o amanhecer. E quando Albert finalmente conseguiu cochilar um pouco já era hora de se levantar e ir trabalhar. Ele não podia se dar o luxo de faltar ao trabalho. Além do mais, tinha uma família para sustentar. Enquanto caminhava rapidamente para o escritório de patentes aonde ele era especialista técnico de terceira classe, mantinha os seus pensamentos nos seus próprios pais. Eles estavam ficando velhos e fracos, e a sua relação com eles estava cada vez mais tensa: não aprovavam o seu casamento com Mileva. No relance, ao olhar a janela de uma loja pela qual estava passando, ele notou os seus cabelos. Estavam em pé: tinha novamente esquecido de penteá-los.
Trabalho, família, responsabilidades. Albert viva toda a pressão e os problemas de um jovem marido e pai. Em 1905, aos 26 anos de idade e antes de conseguir um trabalho como professor de física, Einstein publicou cinco dos mais importantes artigos da história da ciência. Todos escritos durante o seu “tempo livre”. Inicialmente, ele provava que os átomos e moléculas existiam. Antes de 1905 os cientistas não tinham muita certeza disso. Ele argumentava que a luz incidia em pequenos blocos de energia, mais tarde chamados de fótons e, desta maneira, abriu o caminho para a física quântica.
É também deste período a teoria da relatividade especial: tempo e espaço eram descritos como fios de um mesmo tecido que, ele propunha, poderia ser dobrado, esticado e retorcido. E por falar nisso: energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado (e=mc²). Antes de Einstein, o último cientista a ter uma explosão de criatividade desta magnitude foi Sir Issac Newton. E isso aconteceu em 1666, quando Newton estava morando na fazenda de sua mãe para fugir de uma peste que açoitava Cambridge. Sem nada melhor para fazer, ele desenvolveu a sua teoria universal da gravitação.
Nesta mesma época Newton desenvolveu também o cálculo numérico, a base matemática sobre a qual se apóia tudo o que se faz hoje em dia em física e engenharia. Por séculos os historiadores chamaram 1666 de annus mirabilis ou “o ano do milagre”. Agora essas palavras tem um sentido diferente: Einstein e 1905. As nações unidas declararam 2005 como o ano internacional da física para celebrar os 100 anos do annus miriabillis de Einstein. A cultura pop moderna descreve Einstein como um pensador cabeludo. As suas idéias, nos ensinaram, estavam bem à frente dos outros cientistas. Ele deve ter vindo de outro planeta. Talvez do mesmo aonde cresceu Issac Newton.
“Einstein não era um alienígena”, diz, em meio a boas gargalhadas, Peter Galison, físico e historiador da ciência da universidade de Havard. “Ele era um homem do seu tempo”. Todos os artigos publicados em 1905 abordam os problemas nos quais, com diversos graus de sucesso, vários outros cientistas da época também estavam trabalhando. “Se Einstein não tivesse nascido, estes artigos teriam sido escritos, talvez de maneira um pouco diferente, por outros cientistas”, acredita Galison. O que é mais notável em 1905 é que uma mesma pessoa publicou todos os cinco trabalhos, e isso sem levar em conta a maneira original e irreverente com a qual Einstein chegou às suas conclusões.
Por exemplo: O efeito fotoelétrico. Ele era um verdadeiro quebra cabeças nos início do século XX. Quando a luz atinge um metal como o zinco, elétrons são arremessados para fora do material. Isso só poderia acontecer se a luz fosse emitida em pequenos pacotes de energia, concentrada o suficiente para “chutar” um elétron para fora. Uma onda, se espalhando de maneira constante sobre o material, não seria capaz de gerar o efeito fotoelétrico. A solução parece simples: a luz é composta de partículas. De fato, essa é a solução que Einstein propôs em 1905 e, por causa dela, ganhou o prêmio Nobel em 1921. Outros físicos como Max Planck, que estava trabalhando num problema semelhante: radiação de corpos negros, com mais idade e experiência que Einstein estavam chegando à mesma conclusão. Entretanto, Einstein chegou primeiro. Porquê?
Questão de autoridade
“Nos tempos de Einstein, se você dissesse que a luz é composta de partículas você estaria entrando em confronto direto com físicos do porte de James Clerk Maxwell. E ninguém queria uma coisa dessas”, explica Galison. As equações de Maxwell, utilizadas até hoje, tiveram um enorme sucesso, unificando a física da eletricidade, magnetismo e da ótica. Maxwell tinha provado, acima de qualquer dúvida, que a luz era uma onda eletromagnética. Portanto, Maxwel era uma autoridade neste assunto.
Eisntein não dava bola para autoridades instituídas. Ele não se importava que lhe dissessem o que deveria fazer, não muito, mas odiava se lhe dissessem o que era verdade ou não. Mesmo quando criança, ele estava constantemente questionando as coisas. “A sua mera presença aqui prejudica o respeito que a classe tem por mim”, reclamava o seu professor na sétima série, doutor Joseph Degenhart. Degenhart também previu que Einstein nunca conseguiria nada na vida. Este defeito de caráter, o seu espírito inquiridor, seria um dos principais ingredientes nas suas descobertas.
Ao contrário do que diz a lenda em torno da sua personalidade, Albert foi bem na escola. “Em 1905, Einstein tinha acabado de receber o seu diploma de PhD. Ele não estava preso a nenhuma tese, corrente de pensamento ou personalidade daquele tempo”, diz Galison. A sua mente estava livre para vagar por onde quisesse. Em respeito às suas idéias, vale dizer que Maxwell estava certo: a luz é uma onda. Mas Einstein também estava certo: a luz é composta de partículas. Essa estranha dualidade continua a confundir os estudantes do primeiro ano de física até hoje, da mesma maneira que confundiu Einstein em 1905. Como pode a luz ser duas coisas totalmente distintas? Einstein não tinha a menor idéia.
Mas isso não o deteve. Desdenhando a precaução, Einstein adotou o salto intuitivo como uma ferramenta básica. “Eu acredito em intuição e inspiração”, ele escreveu em 1931. “Algumas vezes eu sinto que estou certo mesmo sem saber porque”. Apesar dos cinco trabalhos de Einstein terem sido publicados no mesmo ano, ele vinha pensando profundamente sobre física desde a infância. “Ciência era um assunto discutido à mesa na casa de Einstein”, explica Galison. O pai de Albert, Hermann e o seu tio, Jakob, eram donos de uma empresa alemã que fabricava dínamos, lâmpadas e telefones. E isso era alta tecnologia na virada do século XIX para o século XX, “da mesma maneira que uma empresa do vale do silício é hoje em dia”, diz Galison. “O interesse de Albert em ciência e tecnologia aconteceu naturalmente”.
Algumas vezes os pais de Albert o levavam a festas. Não precisava de nenhuma babá: Albert se sentava no sofá, quietinho, totalmente absorvido nos seus problem
as de matemática enquanto os outros dançavam em volta dele. Lápis e papel eram o vídeo game de Albert. Ele tinha um impressionante poder de concentração. A irmã de Einstein, Maja, lembra: “… mesmo quando havia muito barulho, ele conseguia se sentar no sofá, pegar lápis e papel e, equilibrando o tinteiro no canto da mobília, ficar tão absorvido num problema que o barulho de fundo o estimulava ao invés de atrapalhar”.
Einstein era claramente inteligente, mas não era nada que chamasse a atenção. “Eu não tenho nenhum talento especial”, dizia. “Sou apenas apaixonadamente curioso”. E, novamente: “O contraste entre a avaliação popular dos meus poderes … e a realidade é simplesmente grotesca”. Einstein creditava as suas descobertas à imaginação e à perseverança de questionamento, muito mais do que ao conceito tradicional de inteligência. Mais tarde na sua vida, isso deve ser lembrado, ele se esforçou enormemente para criar uma teoria do campo unificado, combinando a gravidade com as outras forças da natureza. Ele não conseguiu. O poder mental de Einstein não era ilimitado.
Nem mesmo o cérebro de Einstein. Ele foi removido sem autorização pelo doutor Thomas Harvey em 1955 após a sua morte. Harvey provavelmente esperava encontrar algo extraordinário: Era famosa a preocupação da mãe de Einstein com o fato de que a cabeça do seu bebê era um pouco torta – a avó de Einstein tinha uma preocupação diferente: “Muito gorda”! Mas o cérebro de Einstein não tinha nada de especial e se parecia com qualquer outro, cinza, enrugado e, se isto for digno de nota, um pouquinho menor do que a média.
Estudos detalhados do cérebro de Einstein são recentes. Em 1985, por exemplo, a professora Marian Diamond da universidade de Berkeley observou uma quantidade acima da média nas células responsáveis pela alimentação das áreas do hemisfério esquerdo. As mesmas áreas que, acredita-se, controlam as habilidades matemáticas. Em 1999, a neurocientista Sandra Witelson notou que o lobo parietal inferior de Einstein, uma área relacionada com o raciocínio matemático, era 15% maior de que o normal. Mais ainda, ele descobriu que a fissura Sliviana, um canal que normalmente se estende da frente até a parte de trás do cérebro, não tem toda esta extensão no caso de Einstein. Poderia esta diferença permitir uma maior conectividade entre as diferentes partes do cérebro de Einstein?
Ninguém sabe. Não saber. Isso é uma coisa que faz com que os pesquisadores se sintam desconfortáveis. Mas para Einstein, era um estimulante: “A coisa mais justa que nós podemos experimentar é o mistério”, ele dizia. “É uma emoção fundamental localizada no berço da verdadeira arte e da verdadeira ciência”. É a emoção fundamental que Einstein sentiu, ao ir para o trabalho, ao acordar no meio da noite para cuidar do bebê e ao sentar à mesa para o jantar. Ela o perseguiu a exaustão, todo o dia.