Rara coincidência entre reentrada de lixo espacial e casos ufológicos na virada do ano
O réveillon passado foi provavelmente um dos mais movimentados para a Ufologia nos últimos anos – pelo menos nos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além do vizinho Paraguai. É que entre 23h10 e 23h50, horário local do MS, inúmeras observações de objetos voadores não identificados foram registradas em dezenas de cidades, tendo como centro dos avistamentos, aparentemente, o município de Dourados, no sul do estado. A Revista UFO também recebeu uma espantosa quantidade de relatos provenientes de áreas muitos distantes, como localidades no Mato Grosso, a mais de 1.000 km de Dourados, além de cidades do oeste de São Paulo, situadas entre 600 e 750 km do centro dos fenômenos. Até mesmo de Florianópolis e Porto Alegre chegaram e-mails de testemunhas dos avistamentos.
A descrição feita pela maioria dos depoentes dava conta de um objeto maior ladeado por algo entre 2 e 5 menores, todos seguindo juntos numa trajetória aparente de oeste para leste, em vôo ligeiramente descendente e retilíneo. Não foi incomum observar uma longa cauda atrás dos corpos, dando a impressão de que eles se decompunham no ar para formá-la, a enorme velocidade. Entre o dia 01 e 12 de janeiro, a Revista UFO recebeu cerca de 200 e-mails e telefonemas com relatos descrevendo o fenômeno, mas logo na tarde do dia 02 já havia uma explicação para eles. Tratou-se da reentrada na atmosfera de partes de um satélite chinês da série Longa Marcha, lançado em 1994 e destinado a pesquisas científicas – e, claro, também com finalidades militares desconhecidas. O artefato em questão era o Shi Jian 4, ou SJ-4.
Lixo espacial — A reentrada de satélites é relativamente comum e acontece algumas dúzias de vezes por ano, havendo até sites especializados em informar as possíveis trajetórias e pontos de impacto, no caso de artefatos grandes, que chegam ao chão sem se esfacelarem totalmente em contato com as diversas camadas da atmosfera. É justamente desse atrito que resultam a longa cauda e a coloração dos objetos. Dependendo do tipo de material que os compõem, podem apresentar várias cores. A fragmentação também é muito comum nessas ocorrências, devido à fragilidade dos satélites, do calor gerado na reentrada e a alguns outros fatores. Em geral, esses destroços são chamados genericamente de “lixo espacial” e representam um risco médio à população, pois são poucos os que foram registrados caindo sobre áreas habitadas. Mas o risco é real, especialmente se levarmos em consideração que não sabemos exatamente quantos satélites estão em órbita da Terra e quais são suas características e finalidades, visto que a maioria é secreta e tem função militar.
No caso do SJ-4, segundo o astrônomo amador Douglas Bortolanza, do Grupo Próxima Centauri de Observações Astronômicas, de Dourados, foi possível determinar que um pedaço do satélite iniciou sua ruptura dividindo-se em cinco partes. “A maior delas não deve ter perdido muita massa ao reentrar na atmosfera”, disse. Ele informou que o artefato tinha formato cilíndrico, com 8 m de comprimento e 3 m de diâmetro, e pode não ter sido completamente desintegrado no atrito com a atmosfera. Fragmentos teriam se chocado contra o chão entre as cidades de Taquarussu (MS), Nova Londrina (PR) e Euclides da Cunha Paulista (SP). Outros estudiosos informaram praticamente o mesmo, dando imediatamente por encerrado o caso e incentivando a manifestação de céticos de plantão, que condenaram os ufólogos que buscavam outras justificativas para os relatos.
Explicações convencionais — Ocorre que as coisas não foram tão simples assim naquele réveillon, como se perceberia nos dias seguintes. Apesar da maioria dos relatos indicar que os avistamentos eram mesmo relacionados à reentrada do SJ-4, restava uma parcela de casos a serem esclarecidos com mais cuidado, pois suas características eram bem diversas das que podem ser explicadas como lixo espacial. Quando um satélite reentra na atmosfera, geralmente é visto acima das nuvens, a elevadas altitudes. Assim, obrigatoriamente, sua observação só é possível se o tempo estiver aberto. Ocorre, entretanto, que esta foi uma das mais chuvosas passagens de ano de que se tem notícia, com tempo variando entre totalmente encoberto e chuvoso – em alguns casos com tempestade – em cerca de 75% do Mato Grosso do Sul, onde está concentrada mais da metade das observações. E mesmo com céu carregado de nuvens, muitas pessoas observaram um fenômeno, evidentemente abaixo delas. Como isso é possível?
Entre as pessoas que escreveram à Revista UFO descrevendo a reentrada do lixo espacial, em trajetória retilínea e nos poucos lugares onde o céu estava limpo, há inúmeros depoimentos de testemunhas que observaram um fenômeno bem distinto. Eram objetos esféricos ou elípticos voando a baixa altitude – em geral abaixo das nuvens – e em trajetórias oscilantes, muitas vezes com mudança de curso, de altitude e de velocidade. Certamente, essas não são características que possam ser atribuídas à reentrada de lixo espacial. E se esses casos não podem ser causados pelos restos do SJ-4, o que seriam, então? Para os astrônomos envolvidos na tentativa de identificar o fenômeno em termos puramente convencionais, a reentrada de lixo espacial foi suficiente. Mas para os ufólogos, com o acúmulo gradativo de outros tipos de relatos, que podem perfeitamente ser atribuídos a UFOs, estava apenas iniciando uma investigação mais profunda.
Precipitação? — O curioso, no entanto, é que os ufólogos envolvidos na apuração dos fatos – a maioria ligada ao Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores (CBPDV) – foram taxados de “precipitados” ao tentarem explicar alguns dos fenômenos como UFOs, em detrimento da tese já dada como certa para todo o episódio, a de que se tratava de partes do satélite chinês. Porém, ao encerrarem suas pesquisas, considerando todos os acontecimentos como tendo sido causados pelo artefato, foram na verdade os astrônomos os precipitados. A Revista UFO mandou cópia de mais de 60 dos depoimentos que recebeu a vários estudiosos, de vários centros e sites de astronomia do Brasil e exterior, mas não recebeu qualquer resposta. Entre esses depoimentos estavam, por exemplo, o de Ruy Leal, funcionário do Poder Judiciário de sua cidade, Jandaia do Sul, no norte do Paraná. Precisamente na hora da reentrada do satélite, Leal e alguns amigos viram outro fenômeno. Pára-quedista, Leal afirma que o objeto que testemunhou estava abaixo das nuvens, a não mais que 1.000 m de altura. Assim, certamente, não se tratava de lixo espacial. Mas o que seria?
Marinalva Lange, de Toledo (PR), também viu outro fenômeno sobre sua cidade. “Eram vários objetos que mudavam de direção.?Em alguns momentos subiam e depois desciam. Eles desapareciam no ar para depois reaparecer novamente. Movimentavam-se para os lados”, descreveu. Mais uma vez, não se tratou de reentrada de satélite. O que era então? “Houve momentos em que, enquanto aparecia um objeto na nossa frente, outros surgiam atrás da gente. Foi uma experiência espetacular”, concluiu Marinalva. Mas o mais incrível de todos os depoimentos foi o de um morador de Campo Grande, que passava o réveillon com a família em um morro da área rural do município de Jaraguari (MS), a pelo menos 300 km do centro das observações daquela noite, Dourados.
“Objeto grande e cilíndrico” — Sem se identificar, ele descreveu que um enorme objeto, em forma de cilindro, cruzou a frente do morro, praticamente na altura onde estava, podendo ser visto bem de perto. “Era muito grande, silencioso e voava a baixa velocidade. Era metálico, sem luzes, e logo após o primeiro ter passado, um outro apareceu na mesma trajetória”, descreveu a testemunha, que ficou a não mais de 100 m do objeto, observando-o passar assustador ao lado do morro. “Quando veio o outro, pensei que fosse o primeiro que tivesse dado a volta, mas olhei bem e vi aquele já bem distante, se perdendo no espaço”, concluiu. Como ele, vários outros moradores de localidades do norte de Mato Grosso do Sul e sul de Mato Grosso tiveram avistamentos que não podem, em hipótese alguma, ser atribuídos a restos do SJ-4. Seriam UFOs?
O que espanta naqueles últimos minutos de 2006 foi a simultaneidade das observações, tanto da reentrada do lixo espacial, quanto dos objetos que não se enquadram na descrição e que devem ser melhor estudados. Em Ufologia, é uma raridade que fenômenos tão distintos se dêem no mesmo momento – e ainda mais incomum que se espalhem por uma área tão grande. Enquanto os restos do SJ-4 poderiam ser vistos em localidades distantes entre si 200 e até 300 km, nos momentos em que cortou a atmosfera a grande altitudes, o mesmo não se pode dizer dos UFOs, que apareceram quase ao mesmo tempo sobre várias localidades, mas a baixa altitude e em vôo sinuoso.
Se esta foi uma grande oportunidade para os ufólogos acompanharem a mais recente “onda ufológica” de que se tem notícia, foi também uma excelente chance para astrônomos, amadores ou profissionais, penetrarem na casuística do Fenômeno UFO e conhecer suas características, apurar detalhes de sua manifestação etc. Os ufólogos estão aproveitando a oportunidade e analisando os casos, um a um. Mas os astrônomos parecem ter se dado por satisfeitos com a explicação mais fácil para a ciência – reentrada de lixo espacial – e mesmo instigados pela Revista UFO, preferiram ignorar a questão. Estranhamente, os céticos, que antes lançaram suas críticas aos ufólogos, por insistirem em conhecer melhor os fatos, calaram-se ao vê-los publicados no Portal UFO.