Já se suspeitava que partículas frias, carregadas eletricamente, existiam a dezenas de milhares de quilômetros da superfície terrestre. Agora, cientistas detectaram esses íons pela primeira vez. E eles são ainda mais abundantes do que se imaginava.
Frio, claro, é um termo relativo. Apesar desses íons de baixa energia serem 1.000 vezes mais gelados do que o plasma quente, essas partículas têm uma energia que corresponde a mais de 500 ºC, mas como a densidade delas no espaço é muito pequena, satélites e naves podem orbitar ao seu redor sem serem destruídos.
Os cientistas já haviam detectado os íons a cerca de 80 km da superfície, mas por décadas eles quiseram pesquisar em alturas maiores, entre 18 e 90 mil quilômetros. Saber quantos íons estão presentes pode ajudar a entender como nosso planeta interage com as tempestades de partículas carregadas do Sol, que criam auroras, danificam satélites e sistemas elétricos. Entretanto, detectar o plasma gelado a essas altitudes tem sido difícil. Espaçonaves que chegam lá acumulam carga elétrica, que repelem os íons gelados.
A solução para esse problema chegou com a espaçonave Cluster, da Agência Espacial Europeia (ESA). Ela é equipada com um detector formado por finos fios, que medem o campo elétrico entre eles. “É incrível que conseguimos descobrir os íons gelados com nosso equipamento”, afirma o pesquisador Mats André. “Ele não foi criado para isso. Era para observar campos elétricos”.
Campos elétricos “estranhos”
Dois padrões misteriosos apareceram quando os cientistas analisaram os dados dos detectores – campos elétricos muito fortes apareciam em regiões inesperadas do espaço, e conforme a nave rodava, os campos não se modificavam da maneira como os pesquisadores esperavam. “Para um cientista, foi bem estranho”, afirma André. “Nós tentamos entender o que estava errado com o instrumento. Então nos demos conta de que não havia nada errado”.
Os achados sugerem que o plasma gelado estava influenciando os campos elétricos ao redor do satélite. Uma vez que isso foi compreendido, eles conseguirem medir quantos dos íons escondidos estavam lá. “Quanto mais você procura por íons de baixa energia, mais você acha”, afirma André. “Nós não sabíamos quanto havia lá. E é mais do que imaginávamos”.
Apesar dessa concentração variar, em cerca de 50 a 70% do tempo, os pesquisadores descobriram que eles formam a maior parte da massa nas zonas de grande altitude. Os íons chegam a estar até 85 mil quilômetros de altitude, cerca de um terço da distância até a Lua. Encontrá-los nessas altitudes é surpreendente, porque os ventos solares são muito fortes nessa região.
Físicos espaciais têm debatido para determinar quantos íons energéticos estão deixando o planeta. As descobertas sugerem que cerca de um quilo de plasma gelado escapa da atmosfera terrestre por segundo. Entender esse procedimento ajuda os cientistas a explicar o que aconteceu com a atmosfera de Marte, que parece ter sido densa antigamente, e mais similar a da Terra. Os resultados também podem ajudar a explicar traços atmosféricos de outros planetas e luas, incluindo os exoplanetas.
“Se alguém está vivendo em um exoplaneta, provavelmente precisa de uma atmosfera que não esteja sendo levada embora”, afirma André. Com o tempo, a partir do mapeamento do plasma gelado da Terra, os pesquisadores podem descobrir mais sobre as reações frente às tempestades solares e outros eventos.