A astronomia é uma das raras ciências que o amador pode fazer contribuições científicas de valor para o seu desenvolvimento. A expressão “amador” aqui é utilizada no sentido de “aquele que faz por amor” e não significa inexperiência ou recursos deficientes. Ao contrário do astrônomo profissional, que faz suas pesquisas e recebe um salário por seu trabalho, o amador observa os astros, pois essa é uma atividade que lhe dá prazer, e não recebe um único centavo por isso. Tais pessoas contribuem muito nessa área. Inúmeras descobertas de cometas, por exemplo, são feitas por eles. O mesmo ocorre com estrelas novas e supernovas. Em 1999, Renato Levai e Márcio Mendes, astrônomos amadores brasileiros, foram um dos descobridores da Nova Velorum, sendo Mendes o primeiro a conseguir uma imagem. Existem pessoas que se dedicam continuamente a observar estrelas variáveis, planetas e se engajam em buscas sistemáticas por cometas ou supernovas. A importância desse trabalho é tão grande que os amadores são procurados e assessorados por diversos profissionais.
O SETI é também uma ciência que tais indivíduos podem contribuir. Apesar do equipamento ser caro e dispendioso montar uma estação SETI amadora, mais até que um observatório, essa é uma atividade que está ao alcance de muitos. Com o corte de verbas destinado ao projeto HRMS [High Resolution Microwave Survey – Pesquisa de Microondas de Alta Resolução] da NASA em 1993, surgiram muitos esforços no sentido de dar continuidade à pesquisa. O projeto Fênix do Instituto SETI é um deles. Existem duas formas nas quais o amador ou entusiasta da pesquisa pode colaborar. Uma delas é através do SETI@Home, abordado em matéria nesta edição, que consiste em um programa salva-telas que usa o tempo ocioso do computador para vasculhar os dados recebidos pelo telescópio de Arecibo, em busca de sinais emitidos por civilizações extraterrestres.
Uma outra forma, com certeza gratificante, porém mais dispendiosa, é a construção de uma estação SETI amadora. A SETI League, que surgiu em 1995 com a meta de preencher a lacuna deixada pela extinção do projeto HRMS, é uma associação de amadores, sem fins lucrativos, que visa coordenar a montagem de estações caseiras em todo o mundo. Seu objetivo é ter 5 mil antenas parabólicas rastreando os céus pelo método all-sky survey [Veja o artigo: Glossário], na qual a mesma fica fixa e o movimento natural da abóbada celeste faz com que diferentes regiões do céu passem na direção de seu foco. Embora a Liga não financie os custos de montagem das estações, fornece todo suporte com informações de hardware e software envolvidos no projeto.
A montagem da estação — Para tornar o custo mais acessível, a estação é construída com equipamentos domésticos ou com preços mais baixos. A antena utilizada é uma parabólica comum para recepção de satélites, com diâmetro mínimo de 3 m, já que as pequenas, de 60 cm, não servem para essa finalidade. Com a popularização das mini antenas, as maiores tiveram seu preço reduzido e muitas vezes podem ser encontradas até mesmo abandonadas ou desativadas por seus antigos proprietários. Apesar de podermos usar uma parabólica comum na montagem da estação, o feedhorn deve ser trocado por um adequado à freqüência utilizada no SETI. Feedhorn, que em português poderia ser chamado de “corneta de alimentação”, é aquele dispositivo que fica no foco da antena e tem a finalidade de capturar o sinal refletido pela parabólica e transmiti-lo para o sistema de recepção e processamento de sinal. Tal equipamento deve ser importado, pois não existe no Brasil e custa cerca de US$ 60,00 (R$ 140,00).
Devido à baixa intensidade, o sinal proveniente do feedhorn deve ser amplificado antes de passar para o receptor de rádio. Quem faz essa tarefa é o LNA [Low Noise Amplifier], ou seja, um amplificador de baixo ruído. O componente que possivelmente será o mais caro é o receptor de rádio, o coração de qualquer estação SETI. É através dele que vamos escolher a freqüência que será analisada. Um receptor comercial como os feitos pela ICOM, um dos maiores fabricantes de rádio do mundo, custa cerca de US$ 2.000,00 (R$ 4.500,00), um valor inacessível para muitos. O preço é alto devido à freqüência que o aparelho é capaz de alcançar, que é de 2 GHz, além de todo acabamento de luxo que um equipamento comercial deve ter como display de led [Pequeno componente, no qual podem ser representados diferentes signos ou símbolos], botões e circuitos específicos. É importante lembrar que existem alternativas mais baratas.
A SETI League desenvolveu um receptor de linha de hidrogênio, batizado dessa forma porque é construído especificamente para a freqüência que trabalhamos na pesquisa: 1,42 GHz. Como usa essa única freqüência e dispensa display e botões, seu custo é muito mais baixo, cerca de US$ 400,00 (R$ 900,00). Uma alternativa intermediária é o WinRadio que, como o nome diz, é um rádio que trabalha no ambiente Windows. A idéia é excelente, uma vez que todos os apetrechos do painel é que encarecem o rádio. Esses itens são visualizados na tela do computador, através de um software que contém todas as funções do aparelho, incluindo as memórias de estações e demais ajustes. O WinRadio é uma caixa preta que tem somente a entrada para a antena e a saída para o computador, que deve ser plugado na porta de comunicação.
Processamento de sinais — A busca do SETI por sinais não é feita através de um rádio e fone de ouvido, como romanticamente representado no filme Contato [1977], estrelado pela bela Jodie Foster. Após passar pelo receptor, o sinal deve ir para um sistema DSP [Digital Sign Processing], que em português significa Processamento Digital de Sinais. Existem diversos softwares na internet criados com a finalidade de serem utilizados nesse trabalho. Sua tarefa é exibir na tela do computador uma representação gráfica do sinal que está sendo recebido pela antena, ao mesmo tempo que armazena os dados captados. A maioria desses softwares é distribuída pelo sistema shareware, no qual é possível testar o programa antes de pagar por ele. Para a Estação Giordano Bruno, a ser construída no interior do Est
ado de São Paulo, foi testado e adquirido o FFTDSP, cuja autoria é de Mike Cook. É um pequeno programa que roda em ambiente DOS, funcionando mesmo em máquinas antigas como um computador 486. Sua tela mostra um gráfico de freqüência versus tempo, muito parecido com os programas utilizados nas grandes buscas, como do Instituto SETI.
Nesse tipo de gráfico, uma interferência terrestre aparece como uma linha vertical na tela enquanto que um possível sinal extraterrestre apresentará uma inclinação ou ligeira curva. Seu preço é bastante acessível, apenas US$ 32,00 (R$ 75,00). Existem softwares com mais recursos, como o Spectra Plus, que funciona em ambiente windows e pode exibir vários gráficos na tela ao mesmo tempo. Também é distribuído pelo sistema shareware e custa US$ 300,00 (R$ 680,00). Para que o sistema de coleta, processamento e armazenamento dos dados provenientes da antena funcionem o computador deve possuir uma boa placa de som, que utilizada em conjunto com o software DSP faz o papel do analisador multicanal, equipamento caríssimo utilizado nas estações profissionais, que pode chegar até US$ 20.000 (R$ 45.300,00).
O computador a ser utilizado na estação, como vimos, não precisa ser de última geração já que até micros antigos rodam softwares leves como o FFTDSP. Mas é aconselhável ter um ótimo monitor, para a adequada visualização dos gráficos dos sinais, uma boa placa de som, indispensável para o funcionamento do software DSP e um disco rígido de alta capacidade para armazenamento dos dados. É interessante ter ainda algum dispositivo de gravação de CD ou DVD para que os dados possam ser guardados em segurança. O computador deverá estar preparado para funcionar continuamente, uma vez que essa é a melhor forma de otimizar o funcionamento da estação evitando que determinadas regiões do céu não sejam observadas.
Entrando em operação — Uma vez montada a estação, é necessário testá-la e verificar se tudo está funcionando corretamente. Todo o processo desenvolvido pela SETI League para a montagem da mesma segue padrões testados por engenheiros, para que tudo funcione corretamente, garantindo ao sistema a sensibilidade necessária para captar os fracos sinais provenientes do firmamento. O primeiro teste utilizará um aparelho que produzirá um padrão que será analisado pelo sistema. Trata-se do hidrogen line weak signal source, um pequeno dispositivo eletrônico que gera um sinal de baixa intensidade com a freqüência do hidrogênio (1.420 MHz). Este deve ser introduzido no sistema e devidamente acusado pelo software de processamento de sinais da estação. Se isso não ocorrer é porque algum componente não está funcionando adequadamente. O aparelho deve ser importado, mas seu custo é baixo, da ordem de US$ 60,00 (R$ 140,00), fornecido em forma de kit para montagem.
Uma outra experiência, complementar e definitiva, é bem mais prática: capturar os sinais de alguma sonda distante em nosso Sistema Solar. Um bom teste é buscar por freqüências das sondas Voyagers, lançadas na década de 70. Elas ainda estão em operação, apesar de não mais estarem no Sistema Solar, e podem ser usadas na verificação dos equipamentos da estação, que só será reconhecida pela Liga após a realização desses testes de sensibilidade e detecção de sinais fracos. Com tal instalação homologada, o seu responsável passa a acessar uma lista de e-mail fechada da SETI League que somente participam os membros que já têm sua estação operacional. Ela tem a finalidade de servir de meio de comunicação e distribuição de alertas de eventuais sinais candidatos, recebidos em qualquer uma das estações. A princípio, cada participante pode direcionar sua antena para onde quiser. Posteriormente, a SETI League irá definir as posições que as antenas deverão assumir. Uma excelente posição de busca a ser adotada por uma estação que trabalhe no sistema all-sky survey é apontar diretamente para o zênite [Veja o artigo: Glossário]. Além da facilidade de direcionamento, essa posição minimiza as interferências terrestres captadas pela antena.
A construção de uma estação SETI caseira é, com certeza, a forma mais gratificante de se participar da pesquisa. No entanto, também é o meio mais dispendioso uma vez que exige a compra de diversos equipamentos e somente a antena parabólica e o computador são encontrados no mercado brasileiro. É necessário lembrar também que irá exigir uma parcela de dedicação. Se a estação trabalhar 24 horas diariamente serão geradas centenas de megabytes de informações, que precisam ser analisadas. O ideal é que no mínimo uma vez por dia os dados coletados sejam verificados em busca de sinais candidatos. Cada potencial sinal extraterrestre exigirá uma delicada análise do operador para determinar de que posição celeste o mesmo foi proveniente, se havia alguma radiofonte nessa região ou se coincidiu com a passagem de um satélite. A estação exigirá do pesquisador uma atenção muito grande para seu efetivo funcionamento. O entusiasta do SETI, aquele que se dedica a esta ciência por amor, vai encontrar a melhor forma que lhe convém para participar da maior aventura do homem, a busca por sinais de inteligências extraterrestres.
Custo de uma estação SETI feita em casa
por Cláudio Brasil
Uma das formas mais gratificantes de se participar da pesquisa SETI é a construção de uma estação caseira. Ao contrário do que se imagina, ela pode ser criada com equipamentos relativamente comuns ou que são facilmente encontrados. A SETI League, entidade que congrega amadores interessados na busca por vida extraterrestre inteligente, fornece todo o suporte técnico para a elaboração de uma estação, entretanto, não custeia ou patrocina de nenhuma forma a construção. Cada associado deve custear e montar seu próprio radiotelescópio. Os técnicos da SETI estão trabalhando constantemente no aperfeiçoamento de novos equipamentos.
A Liga tem o papel de orientar e coordenar a montagem das estações e seu posterior funcionamento. Para instalar uma estação SETI, seguindo os procedimentos da instituição, são necessários um computador para coleta de dados (R$ 2.000,00); uma antena parabólica com no mínimo 3 m de diâmetro (R$ 400,00); uma corneta de alimentação, conhecida como feedhorn (R$ 140,00); um amplificador de baixo ruído LNA (R$ 230,00); um receptor de rádio (R$ 900,00 a R$ 4.500,00 dependendo da marca e modelo) e um gerador de sinais (R$ 140,00). Os últimos quatro itens geralmente são importados. O custo final para o desenvolvimento de uma estação é entre R$ 4.000,00 a R$ 8.000,00, sem levar em conta impostos de importação. Nos Est
ados Unidos existem empresas especializadas em radioastronomia como a Radio Astronomy Supplies e a Down East Microwave que vendem até radiotelescópios completos por cerca de R$ 3.400,00.