
Na segunda metade do século XX, o avanço tecnológico gerou um messianismo espacial ou profetismo galáctico que o psicanalista suíço Carl Jung considerava compreensivo diante da “perda de fé e do abandono da dimensão sobrenatural”, como disse. Aparelhos, luzes e brilhos que riscavam os céus, em aparições isoladas e misteriosas, foram desde logo tomadas pelos meios de comunicação de massa como algo externo a nossa realidade, como “sinais” ou “avisos” de uma supercivilização tecnológica extraterrena, cuja existência, na ausência de qualquer prova material definitiva, só podia ser apreendida por um juízo de fé: acreditava-se ou não. Logo se definiu a prevalência de determinados sistemas de crenças, articulados às categorias históricas, culturais e sociais atinentes.
A maioria das pessoas manifestou a tendência de preferir a certeza à dúvida, identificando os UFOs como naves espaciais de capacidades insuperáveis. Se era impossível à lógica e à razão convencionais explicar o seu funcionamento, era desde logo tentador assimilá-los a um engenho espacial fatalmente mágico, pertencente ao universo sobrenatural. O consenso em torno desses conceitos, aliado à propensão de implicar a fatos extraordinários noções preconcebidas, gerou o componente mítico do Fenômeno UFO — porém, ao invés dos mitos clássicos, distantes e encobertos pela névoa do tempo, temos a oportunidade de lidar com um dos poucos mitos vivos, atual, contemporâneo, em pleno curso de sua elaboração narrativa.
O arcabouço da civilização ocidental, urbana e industrializada, fortemente motivada pelasPerspectivas de exploração e conquista do espaço, contribuiu sobremaneira para projetar os cenários inconscientes de uma suposta “invasão alienígena”. O fascínio que o céu sempre exerceu sobre a mente humana foi um dos fatores preponderantes da ampliação do conhecimento e desenvolvimento científicos. O impulso em decifrar as razões de nossa própria existência galgou-nos ao Sistema Solar, às estrelas e às regiões distantes do cosmos. Em consequência, a figura do ser extraterrestre tornou-se uma das imagens mais poderosas da sociedade contemporânea, de modo a alimentar expectativas de que ele estivesse presente, assumindo a forma de um tipo ariano, loiro, alto, ou de um humanoide atarracado com olhos grandes e escuros. O fato é que o extraterrestre nunca deixou de apresentar algum aspecto que o ligasse a nós mesmos.
Ajuda ou ameaça à humanidade
Cruzando as descrições, chegaremos a uma tipologia que pouco difere dos apanágios que comumente atribuímos ao “outro”, a quem se transferem as incumbências que poucos gostariam de suportar. Os crentes apregoam que inteligências vindas de algum lugar “lá fora” já visitaram e continuam visitando nosso orbe — como atestariam as provas recolhidas pelos ufólogos — e, com a conivência dos governos, estão ajudando ou ameaçando a espécie humana. Por sua vez, os céticos pensam que continuamos na Terra, separados e não afetados, e que a única saída é procurar de modo passivo sinais distantes, enviados através da vastidão intransponível do espaço.
Em tempos recentes temos entrevistado centenas de pessoas — desde simples testemunhas a contatados e abduzidos — checado locais de aparições in loco, visitado grupos ufológicos das mais diversas tendências, assistido a operações mediúnicas, canalizações e até tomamos parte de cultos místico-religiosos, sempre na condição de observadores ou de participantes. Constatamos que em todos esses lugares e situações, praticamente não há espaço para a dúvida. Ninguém está livre para manifestar-se, dizendo “isso não pode ser”, porque correrá o risco de ser convidado a retirar-se ou até mesmo agredido pelos sequazes. A nós coube a árdua tarefa de compreender e analisar essa nova crendice popular — árdua porque sabemos que a grande maioria acredita no sobrenatural. Acredita porque precisa acreditar.
Se antes da era industrial o imaginário era povoado por anjos e fadas, bruxas e demônios, os cidadãos da modernidade — que carregam as mesmas raízes constitutivas e filogenéticas — também precisam crer na sobrevivência da alma, ressurreição dos mortos, nos profetas, taumaturgos, milagreiros e em extraterrestres. Trata-se de vestir, com roupagens hodiernas, os fantasmas dos tempos passados: sereias que encantavam os navegantes, monstros marinhos que naufragavam embarcações, fantasmas de castelos medievais, górgonas, eríneas, lobisomens e vampiros.
De modo a atender aos anseios de uma era técnico-científica, da astronáutica e da bomba atômica, da velocidade supersônica e da televisão, só mesmo discos voadores e extraterrestres. Para a grande maioria, o mundo ainda é regido por agentes sobrenaturais, ou seja, por seres divinos que atuam motivados por razões idênticas ao dela própria, e que, como tal, são passíveis de serem acionados com apelos de piedade e bem-aventurança. Testifica-se, portanto, uma condenação declarada à ciência, não propriamente da ciência saber, mas da ciência certeza, instauradora, objetiva, parcial e incompleta.
O mais notável dos paradoxos
De qualquer forma, da ciência conjunto, sistematicamente organizada em torno de proposições tidas como evidentes ou exatas. Paradoxalmente, da mesma ciência que criam os fantasmas que alimentam as ilusões dos que se voltam contra ela — esse é o mais notável dos paradoxos: os UFOs alimentam uma verdadeira indústria da investigação acerca da comprovação de sua própria existência. Apesar do interesse massivo por visões de UFOs, poucas tentativas foram feitas para definir o Fenômeno UFO em si. Ocorre que, na opinião dos crentes, elas são desnecessárias, uma vez que se aferraram à certeza de que UFOs são discos voadores extraterrestres.
O ponto chave está encadeado à sua complexidade, à maneira como se corresponde com outras áreas, se associa, se imbrica de narrativa para narrativa, interligando cada parte ao conjunto e o conjunto ao menor dos fragmentos. É preciso lembrar que a matéria-prima para o estudo do Fenômeno UFO não são os próprios UFOs, mas os relatórios sobre os mesmos,
os quais incluem as circunstâncias que envolvem cada caso. As narrativas não devem ser lidas como reflexos literais do que se passou, e sim como versões subjetivas que remetem a uma estrutura referencial. O fenômeno atua como uma espécie de transformador da realidade, infundindo situações simbólicas que vão se tornando indistinguíveis dessa realidade — o início se dá geralmente por uma série hipnótica de luzes coloridas piscando ou de tremenda intensidade, induzindo as testemunhas a um estado de profunda confusão mental, deixando-os vulneráveis à inserção de novos pensamentos e concepções. Os eventos paranormais recobrem um cenário uniforme e instalam a diferença, algo que não está acessível a priori.
Porém, até que ponto nos é outorgado conhecer o real? O que é a realidade e como a percebemos? A maior parte do que julgamos ser real não passa, na verdade, de interpretações errôneas, de enganos da mente e dos sentidos. A assunção é condicionada por práticas culturais e disposições mentais prévias, que interfere diretamente no ponto de vista do espectador. O real existe somente para um olhar humano e com relação a ele. As diferentes formas de pensar — não apenas o que as pessoas pensam mas como pensam — confere-lhe valores e significados. Não raro, essa assertiva foi colocada no centro dos esforços empreendidos da compreensão do universo e principalmente da compreensão de nós mesmos dentro desse universo. Reunimos e comparamos entre si as situações histórias e sociais em que foram formuladas, bem como analisamos as respostas obtidas em diversas épocas, especialmente a nossa.
Pensamento científico e racional
Sejam quais forem as diretivas, elas continuam a encerrar, a todo o momento, um caráter inquietante — as melhores vias de acesso para decifrar os aspectos incompreensíveis de uma cultura, na acepção dos antropólogos, podem ser aquelas que parecem mais obscuras. Diante da dificuldade de entender algo particularmente importante para os nativos de uma sociedade, resta a possibilidade de captar, a partir de fatos inusitados, seu sistema de vida. O Fenômeno UFO, e mais particularmente os contatados, representam justamente uma das características mais significativas do século XX: a coexistência entre o pensamento científico e racional e o pensamento mágico. Razão e imaginação não são necessariamente antitéticas. A própria ciência foi levada a reconsiderar a dimensão sobrenatural, a buscar um novo sentido para a transcendência. Dessa abertura surgiram as forças que propiciaram o retorno do pensamento mágico — o imaginário, o fabuloso, o onírico e o inusitado deixaram de ser vistos como pura fantasia ou mentira para serem tratados como portas que se abrem para outras dimensões.
Promessas de salvação e redenção sempre acalentaram a alma humana, mormente nos momentos agudos de crise e desespero em que a aparente insolubilidade dos problemas de ordem material e espiritual soa como prenúncio precoce de um fim histórico que só seria evitado por força e evocação de uma intervenção divina e sobrenatural advinda de algum lugar impreciso do céu. O estado de predisposição das massas, profundamente angustiadas com os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial — a mais destrutiva da história e que culminou com a explosão de duas bombas atômicas, arma de feições e proporções apocalípticas — e com o advento da Guerra Fria — estimulando a espionagem e a corrida nuclear armamentista —, explica em parte porque os extraterrestres passaram a representar como que a última esperança em um mundo à beira de seus estertores.
Tudo começou no século passado
A Guerra Fria definiu seus contornos geopolíticos em 1949. A parte oriental da Alemanha reclama a sua autonomia e se proclama República Democrática Alemã em 07 de outubro. De posse do segredo da bomba atômica, a União Soviética explode o seu primeiro artefato em 14 de julho. Em resposta ao Plano Marshall, norte-americano, o governo soviético cria o Conselho de Assistência Econômica Mútua, que visa à prestação de assistência econômica aos aliados no Leste Europeu e eventualmente de outras partes do mundo — a então URSS vivia um clima de intenso ufanismo. Lançando-se na dianteira da corrida espacial, área estratégica da Guerra Fria, a população devia ser convencida da superioridade ante o inimigo capitalista. Demandava-se propaganda estatal, repleta de apologias ao regime.
Já o Ocidente agia preventivamente. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) surge de um acordo assinado em Washington em 04 de abril, tendo como signatários os Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, Islândia, Itália, Noruega e Portugal — a Grécia e a Turquia passaram a integrá-la em 1952, e a República Federal Alemã em 1955. A tensão entre o Ocidente e o Oriente conferiu à OTAN um caráter quase que exclusivamente militar. O comando geral de suas forças estava sediado em Paris. Esse foi o período em que o medo norte-americano de uma desintegração ou revolução social nas partes não soviéticas da Eurásia não se afigurava fantástico. Afinal, em 01 de outubro de 1949, os comunistas liderados por Mao Tsé-tung assumiram o poder na China, proclamando-a República Popular. E não apenas mergulharam na Guerra da Coreia como se dispunham — ao contrário dos demais países — a enfrentar um holocausto nuclear e sobreviver. O que tudo isso tem a ver com Ufologia? Veremos à frente.
A revista popular True, em sua edição de dezembro de 1949, saiu à frente das outras com a versão de que os UFOs se originavam do espaço exterior. O artigo Os Discos Voadores São Reais era assinado pelo major Donald E. Keyhoe, veterano da Segunda Guerra, piloto de aviões, oficial aposentado da Marinha, e agora repórter free-lance. Logo no parágrafo inicial, Keyhoe adiantava que, após oito meses de intensas pesquisas, concluíra que a Terra vinha sendo escrutinada por seres alienígenas. Detinha-se em dados recolhidos pela Força Aérea Norte-Americana (USAF), que, segundo ele, encobria a verdade temendo semear o pânico. Concomitantemente a isso, o histerismo anticomunista, remanescente da época entre guerras, adquiriu grandes proporções na última metade
da administração Truman — e persistiu durante a metade inicial do primeiro mandato de Eisenhower, o que iria ter grande impacto sobre a Ufologia.
Espionagem e cinema no jogo
Com a Guerra Fria no apogeu, qualquer esboço de crítica ao funcionamento da sociedade norte-americana era facilmente confundido com antipatriotismo. Em 1948, o senador Joseph Raymond McCarthy e sua Comissão de Atividades Antiamericanas, passaram a ver a ameaça comunista em toda parte, conduzindo uma série de investigações e interrogatórios em busca de espiões nos Estados Unidos. Poucos homens públicos ousaram desafiá-los. Em 1954, pesquisas de opinião mostravam que 50% da população aprovavam McCarthy — o termo “macartismo” virou sinônimo de caça às bruxas e perseguição de inocentes. Mas, com a divulgação em 11 de julho de 1995, pelo FBI, das decodificações de telegramas passados pelo serviço secreto soviético, a KGB, a seus agentes nos EUA, se constatou que não apenas os 57 acusados por McCarthy eram espiões soviéticos como havia outros 300 lá.
Hollywood definiu e demarcou o seu lado e se lançou à arte da propaganda, metaforizando o “perigo vermelho”. Dois fatores básicos contribuíram para que isso acontecesse: a tecnologia necessária à materialização das fantasias dos criadores e a argúcia desses para transformar as ameaças do dia em metáforas engenhosas, tais como eram captadas pelo inconsciente coletivo norte-americano. Em 1902, o francês George Méliès também marcaria o verdadeiro início do cinema como espetáculo com sua Viagem à Lua, baseado no livro de Júlio Verne. Mas não foi fácil convencer os irmãos — e os irmãos deles — a vender-lhes os direitos de utilização do cinematógrafo. Foi com Méliès que surgiram os primeiros seres do espaço em uma tela de cinema. Seu foguete — uma indisfarçável produção de fundo de quintal — desce em uma lua com cara humana, furando o seu olho. Em seguida, surgem os habitantes da Lua, um bando de selenitas.
Viagem à Lua já trazia cristalizadas duas constantes do cinema de ficção científica: sua proximidade com a literatura e a capacidade de prever e questionar conquistas ou situações futuras. Mas logo veio a xenofobia interestelar, que se manifesta já em 1920, quando Emil Jannings interpreta um perigoso conquistador espacial em Algol, do alemão Hans Werkemeister. Já em 1934, os discos eram um parafuso giroscópico espacial na aventura em quadrinhos de Flash Gordon, escrita e desenhada por Alex Raymond. Flash Gordon passou a segunda metade dos anos 30 derrotando o terrível imperador Ming. Em seguida veio o genial Orson Welles, que infundiu o pânico e a paranoia em 1938 ao radiofonizar a novela A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells. Chegando às vésperas da Segunda Guerra Mundial, os temíveis invasores do espaço não vinham de outro lugar senão das trincheiras das frentes de batalha do Velho Mundo, da Europa.
UFOs e a invasão comunista
Em 1946, os discos voadores ainda eram discos nos Estados Unidos, como atesta o título original do primeiro filme sobre o tema, Flying Disc Man from Mars, seriado exibido no Brasil com o título de O Mistério do Disco Voador. Um ano depois, os jornais começaram a falar em flying saucer e o novo termo foi incorporado. Os filmes de ficção da década de 50, em sua quase totalidade produções do tipo B, valeram-se dos relatos dos contatados e apontaram os seus próprios caminhos. O gênero vivia seu auge, com monstros espaciais e invasões interplanetárias — de Marte, principalmente, com sua sugestiva cor avermelhada — alertando subliminarmente para o perigo de uma invasão comunista. Ponto culminante foi O Planeta Vermelho, de 1952, fantástica contribuição de Harry Horner à Guerra Fria, derivante de O Dia em que a Terra Parou, parábola progressista e pacifista filmada um ano antes.
Em seguida, novamente em 1953, ficou patente que “eles” viriam de Marte, dessa vez para calcinar a Terra, em uma caprichada adaptação do clássico A Guerra dos Mundos, que Byron Haskin dirigiu para o produtor George Pal — as naves marcianas, imaginadas por Wells como insetos blindados com pés articulados, viraram máquinas voadoras. Os marcianos que só aparecem de relance no desfecho, com suas mãos de três dedos, representam o perigo vermelho que o senador Joseph McCarthy procurava exorcizar. Só um elemento foi capaz de destruí-los: as bactérias terrestres. Do maléfico planeta vieram, já em 1954, os indesejáveis visitantes de Invasão de Marte, de William Cameron Menzies. Pareciam conhecer o mapa da mina, pois preferiam sempre os EUA.
O Fenômeno UFO, e mais particularmente os contatados, representam uma das características mais significativas do século XX: a coexistência entre o pensamento científico e racional e o pensamento mágico. Razão e imaginação juntas
Já em Terra Contra os Discos Voadores, dirigido por Fred F. Sears, que se inspirou no livro Flying Saucers from Outer Space [Publicado no Brasil com o título A Verdade sobre os Discos Voadores, Global, 1977], do major Donald E. Keyhoe, alienígenas camaradas resolvem fazer uma visita aos terráqueos — enviam várias mensagens avisando de sua chegada, mas os cientistas não conseguem decodificar o aviso. Os discos pousam em Washington e são recepcionados com uma chuva de chumbo. É o início da guerra interplanetária.
Vampiros de almas
Os ETs de então, apesar de superiores em quase tudo, recorriam ocasionalmente aos nossos préstimos, como se viu em Veio do Espaço e Guerra entre Planetas, dirigido por Joseph Newman, em 1954. O destaque xenófobo do período fica para os vegetais de Vampiros de Almas, de Don Siegel, em 1956. No filme, uma coisa terrível, disfarçada de planta e vinda não se sabe de onde, se apossa das pessoas, assumindo sua forma física para mais facilmente dominar as demais. O objeto de sua expiação é o totalitarismo, e com a Guerra Fria a pleno vapor e as feridas abertas pelo macartismo, o thriller de Siegel foi interpretado por uns como uma parábola anticomunista. Mas, naquele que é considerado o pior filme de todos os tempos, Plano 9 do Espaço Sideral, dirigido em 1959 pelo produtor Edward Davis Wood Jr., alienígenas decidem conquistar a Terra, ressuscitando cadáveres para formar um exército.
Mas muito da Ufologia hoje se entende graças a Robert Wise, que rodou em 1951 — um ano antes de Adamski despontar como o primeiro contatado d
a Era Moderna dos Discos Voadores — o clássico que talvez mais influenciou a estrutura dos relatos ufológicos. Em seu O Dia em que a Terra Parou, um disco voador aterrissa em Washington trazendo a bordo Klaatu, um emissário de compleição física idêntica à humana e imbuído do objetivo de prevenir os líderes políticos e militares de que se continuassem insistindo no uso de armas nucleares — o que poderia futuramente afetar outros planetas — teria que necessariamente destruir a Terra. Auxiliado por Gort, um implacável robô programado para desintegrar toda fonte de violência, Klaatu tenta transmitir o seu aviso, mas é tratado com um misto de desdém e hostilidade. A única forma que ele encontra de impressionar a humanidade é por meio de um efeito de choque — durante meia hora neutraliza a eletricidade em todo o mundo.
Mensagens de alerta
O filme foi um marco, pois pela primeira vez um ser extraterrestre não era apresentado nas telas como uma ameaça à vida na Terra, e sim como conselheiro pacifista. Os pontos altos são os efeitos especiais, excelentes para a época, a fotografia em preto e branco de Leo Tover, que procura realçar os contrastes de luz e sombra, tal como nos filmes expressionistas alemães, e os diálogos, com frases brilhantes de Klaatu, a exemplo desta: “Minha missão não é resolver seus mesquinhos problemas de política internacional. Não falarei com nenhuma nação ou grupo de nações. Não pretendo trazer minha contribuição aos seus ciúmes e suspeitas infantis”.
Está absolutamente claro que a ficção se confunde com a realidade. As imagens primordiais criadas — ou recriadas — pela literatura e pelo cinema definiram muitos dos pensamentos, sentimentos e ações dos futuros contatados, abduzidos e testemunhas. Senão vejamos. No caso de O Dia em que a Terra Parou, uma nave com o típico formato discoide aterrissa em uma praça, uma porta se abre e uma rampa desliza até o chão, e então um alienígena envergando um macacão prateado desce por ela — todos esses e muitos outros elementos passariam, a partir de então, a fazer parte das narrativas ufológicas. Quase todos os chamados contatados, não por acaso, alegam serem intermediários e portadores de mensagens de alerta para que a humanidade se emende sob pena de sucumbir. Outro ponto de conexão entre as mensagens recebidas são as “revelações” relacionadas a “religiões cósmicas”, cada qual com seus dogmas, liturgias e éticas.
A história continua e no início dos anos 50 surgiram nos Estados Unidos as primeiras narrativas dando conta de que de Vênus vinham homens e mulheres altas, de pele translúcida, iluminados por uma luz interior, vestindo roupas prateadas e colantes, e de Marte vinham homens morenos com roupas de borracha — dando crédito a tais narrativas, quase todos os orbes do nosso sistema seriam povoados por incríveis construtores de naves espaciais. A missão dos irmãos do espaço era salvar o nosso mundo da ganância, da corrupção e da bomba atômica. O público, em geral bastante ingênuo, não exigia provas e ficava satisfeito com a aparente sinceridade dos contatados. Assim, não é coincidência que os contatados tenham surgido exatamente naquela época, quando aparecem os temores de um holocausto nuclear — que se estendem até hoje e persistem alimentando a saga dos contatados e daqueles que vieram em seu bojo, isso é, os abduzidos. Nesta ocasião, o Fenômeno UFO se afigurou como uma necessidade social, um canal para aliviar os tormentos, as tensões, frustrações e angústias da humanidade.
Surgem os primeiros contatados
Diferenças e pontos de contato entre contatados e abduzidos nos impele a traçar os perfis psicológicos dos mesmos. Cabe ressalvar, no entanto, que não raro nos deparamos com personalidades multifacetadas e experiências polissêmicas que inviabilizam qualquer tentativa de classificação ou estereotipação. Nesse caso, vale mensurar o quanto tendem a um ou outro perfil — ou, em última instância, a um limiar, uma vez que não permitem ser encerrados em uma categoria estanque. Desse modo, indicaremos os comportamentos mais típicos que os distinguem, mas sempre lembrando o quanto se ramificam e se confundem. E tem-se que levar em conta que o fator surpresa é o elemento típico inicial apontado pelos abduzidos e testemunhas em geral — sua experiência advém do acaso e do desconhecimento, enquanto os contatados geralmente alegam que já vinham sentindo uma espécie de “chamado” ou “ordem” de uma entidade que se identifica e define a sua origem.
Promessas de salvação e redenção sempre acalentaram a alma humana, mormente nos momentos agudos de crise e desespero, em que se faz presente a aparente insolubilidade dos problemas de ordem material e espiritual
As diferenças entre abduzidos e contatados se veem claras desde o início. Abduzidos se dizem vítimas do ataque súbito de luzes e do tratamento frio e distante por parte dos ETs, enquanto os contatados se acham especiais, como que “escolhidos” para transmitir à humanidade uma mensagem de advertência ou salvação, invariavelmente um apelo pueril e ingênuo ao pacifismo e à fraternidade universal. Idem, enquanto os abduzidos divulgam suas experiências com reservas, evitando exposições públicas e temendo o ridículo e eventuais sanções sociais ou profissionais e violações à sua privacidade, os contatados agem desenfreadamente, cultivando o vedetismo, fazendo apologia da superioridade dos seres cósmicos, reunindo adeptos em torno de si, fundando seitas messiânicas e grupos de cunho místico ou religioso. Demonstra habilidade empírica para atrair e gerar publicidade sobre sua experiência e pessoa.
O historiador norte-americano David Jacobs, em sua tese de doutorado The Controversy over Unidentified Flying Objects in América [A Controvérsia sobre Objetos Voadores Não Identificados na América, 1896-1973], afirmou que “os contatados não temiam o ridículo e procuravam avidamente a publicidade. Baseados em suas experiências pessoais, geralmente organizavam clubes especiais de discos voadores. Alguns deles afirmavam ter viajado a bordo desses aparelhos e descreviam com requinte de detalhes o trajeto e os planetas que teriam visitado. Além disso, a maioria dos contatados informava que os homens do espaço os haviam incumbido de uma missão e, por isso, diziam eles, era necessário que se expusessem ao máximo nos meios de comunicação”.
A nação onde tudo se inicia
Porém, dos inúmeros pontos em comum entre contatados e abduzidos, um é particularmente notório, sua origem são os Estados Unidos. Centro político, econômico, financeiro, cultural, tecnológico e militar do planeta, somente essa nação protestante poderia ser também a sua sede espiritual — tanto mais se considerarmos que a religião se capitalizou. Também não é por acaso que a Ufologia também tenha surgido nos EUA, assim como as primeiras seitas que apregoavam a chegada de extraterrestres salvadores.
Voltando aos abduzidos e contatados, vemos que, para os primeiros, os seres extraterrestres são, na maioria das vezes, os típicos alfa-cinzentos ou grays, de aspecto aterrador — embora nem sempre se apresentem assim, já que há uma imensa gama de tipos já descrita. Seja como for, eles têm baixa estatura, cabeça desproporcional ao corpo, grandes olhos negros e desenvolveriam atitudes violentas. Já para os contatados eles são seres carismáticos, quase angelicais, com vestes longas, cabelos longos, beleza física incomum, atitudes amistosas e mensagens benfazejas. Nota-se que abduzidos e testemunhas se colocam como vítimas ou meros coadjuvantes do fenômeno — eles se sentem usados por questões circunstanciais. Entendem que os ETs não estão preocupados diretamente conosco, mas interessados, sobretudo, em colher dados físico-químicos do planeta, amostras da fauna e flora, material genético etc — encaram a Terra e os humanos como fonte de recursos e cobaias.
Não é coincidência que os contatados tenham surgido exatamente naquela época, quando aparecem os temores de um holocausto nuclear, que se estendem até hoje e persistem alimentando sua saga e também a de abduzidos
As pessoas que se dizem contatadas se comprazem em apontar a si mesmas e o restante da humanidade como os alvos preferenciais da bondade dos ETs. Como bem definiu o jornalista e ufólogo argentino Alejandro Agostinelli, os contatados ou contatistas são, em sua acepção mais ampla, “escolhidos, graças aos seus dons, para serem mediadores entre a Terra e o céu”. São considerados acima dos demais homens em termos mentais ou espirituais e, portanto, aptos a servirem de receptores de mensagens transmitidas diretamente pelos próprios seres ou por meio de canalizações ou telepatia. Essas crenças e atitudes confirmam a sobrevivência do pensamento mítico até os nossos dias, em plena sociedade tecnológica globalizada — a extrema cientificação não levou à dessacralização, mas, paradoxalmente, à ressacralização.
Disseminação da mística ufológica
A contraposição entre os dois tipos básicos de seres extraterrestres — os altos e loiros do tipo nórdico e os pequenos e repulsivos cinzentos — remete à hierarquia pagã dos demônios e à cristã dos anjos. Por mais bizarras que as afirmações dos contatados possam parecer, principalmente aos que estão acostumados às religiões tradicionais, elas refletem as dimensões sociais da crença em UFOs divinos. O misticismo ufológico, disseminado indiscriminadamente, prega que uma frota de discos voadores descerá para salvar uma parte da espécie humana do Juízo Final ou que intervirá no caso de uma guerra nuclear. Essas crenças se coadunam tão somente com os próprios desejos humanos — inclinados a adotar deuses como salvadores de um mundo em desencanto, crise e ausência de valores morais e espirituais. É lamentável que muitos abdiquem de sua inteligência e prefiram confiar tantos poderes aos que oferecem saídas e remédios fáceis para todos os males, alguns deles arvorando-se como sendo capazes de salvar a humanidade ou aquilo que dela restar após o processo salvador.
A demanda por crenças pré-fabricadas e certezas confortadoras não deixa de ser inevitável em um mundo com tantos problemas. O que soa acintoso é que místicos, esotéricos, profetas, videntes e charlatães apropriem-se indevidamente de conceitos científicos, deles revestindo-se para enganar deliberadamente as pessoas — e isso tudo aumenta a nossa responsabilidade de manter independência crítica e retomar a luta em prol da racionalidade e dos valores humanos. Hoje, depois de tantas investidas utópicas, a humanidade está mais cônscia de suas condições e do que pode acarretar certos regimes e comportamentos totalitários. Não podendo desfazer o presente, tem de construir o futuro, arduamente, dentro das condições e da situação histórica existentes.
A evolução do contatismo
Tendo em vista a avalanche de evidências científicas em contrário, como as transmitidas pelas sondas espaciais atestando serem inabitáveis os planetas do Sistema Solar, o entusiasmo do público pelos contatados começou a arrefecer décadas atrás. Os contatados, porém, teimavam em suas proposições esdrúxulas e, quando muito, relegavam a origem de seus visitantes do Sistema Solar para estrelas mais ou menos distantes daqui. Mas não era somente a procedência que ia sendo devidamente atualizada — o design e os instrumentos a bordo dos discos voadores também sofreram modificações substanciais e significativas. Se durante os anos 50 os UFOs tinham formatos bojudos, tais como os carros e eletrodomésticos da época, e vinham equipados com toscos painéis de controle com botões, interruptores, alavancas, monitores, iguais aos dos aparelhos de TV preto e branco, nas décadas seguintes, acompanhando a evolução estético-tecnológica, assumiriam formatos mais aerodinâmicos e viriam equipados com sensores de toque, telas holográficas, laboratórios genéticos, microcomputadores etc.
Apesar disso, antigos casos de contatados, aparentemente esquecidos, ressurgiram no início dos anos 90 em congressos ufológicos, na imprensa e em revistas especializadas. A febre pelos venusianos ou marcianos retornava no bojo da onda nostálgica e saudosista que varria o planeta revivescendo o estilo de vida dos anos 50, em especial suas músicas, roupas, carros, filmes, seriados etc. Por outro lado, enquanto se falava em abduções por horripilantes alienígenas, a questão se afigurava relativamente consolidada e mesmo os ufólogos mais ortodoxos aceitavam as narrativas sem maiores ressalvas ou objeções — o que lhes afigurava complemente inadmissível é que alguém ainda tivesse a coragem de vir a público alega
ndo ter entrado em contato amistoso ou amigável com benevolentes pilotos de discos voadores e a convite desses, feito viagens a outros planetas.
A crença dos protagonistas
Enfim, todos os problemas que há séculos atormentam a humanidade são resolvidos por pessoas simplórias que atribuem a si qualidades especiais, de repente e com tanta facilidade? “Doidas” é a mais leve expressão que terão de ouvir continuamente, a cada relato que fizerem. Seus próprios familiares passarão a encará-las como exóticas ou perturbadas, isolando-as do convívio social e considerando seriamente a possibilidade de internação. Inicialmente convictas de que vivenciaram algo real, essas pessoas assim agirão — ainda que lhe digam que tudo não passou de alucinação. Depois de algum tempo, no entanto, é bastante provável que os próprios contatados ponham seu estado psicológico em cheque, ante a tamanha reação em contrário. A confiança vai desaparecendo e a experiência sendo recalcada, confundindo-se com a lembrança de sonhos.
Hoje, depois de tantas investidas utópicas, a humanidade está mais cônscia de suas condições e do que pode acarretar certos regimes e comportamentos totalitários. Não podendo desfazer o presente, tem de construir o futuro
Mas o que muitos parecem esquecer é que as abduções surgiram no bojo dos primeiros contatados, que, com suas histórias fantásticas, abriram o caminho para o transcurso de narrativas — não menos fantásticas — adaptadas às realidades insurgentes. Os abduzidos estão para o início do século XXI tal como os contatados para os anos 50 e início dos 60. Arriscamo-nos a prognosticar que os abduzidos de hoje serão considerados os contatados de amanhã. Os ufólogos do futuro, diante de renovados desafios e paradigmas, provavelmente encararão os abduzidos de hoje tal como nós encaramos os contatados do passado, com extremo ceticismo. A ansiedade em pretender enxergar a resolução final para certos problemas antigos em eventos recentes faz com que alimentemos a ilusão de que os valores de nossa época serão válidos amanhã, esquecendo que grande parte das concepções de ontem não encontram mais respaldo nos dias de hoje.
Até o momento, centenas de indivíduos garantiram ter entrado em contato amigável com entidades extraterrestres benevolentes. Fazer uma seleção desses “mensageiros” ou “emissários” do cosmos, inicialmente acarretou grandes dificuldades — razão pela qual a Ufologia deve se decidir por optar pelos critérios de relevância histórica e originalidade de cada caso, considerando a verdade como sendo nada mais do que a convicção de seus protagonistas. Entrar nesse estudo é adentrar um território completamente desconhecido, sem qualquer etnocentrismo, com a firme intenção de não aceitar nenhuma aproximação, nenhuma certeza que não esteja formalmente estabelecida. Mas temos que fazê-lo, e o caminho é a persistência da investigação de campo e a inteligência que empregamos para analisar seus resultados.