Calor irradiado da superfície aquecida pelo Sol gera um impulso suave que, ao longo dos séculos, pode acelerar o giro do asteróide e, até, despedaçá-lo
O solo e as pedras estão mais quentes no início da noite do que ao amanhecer. Essa constatação simples levou à hipótese de que a luz do Sol deveria ser capaz de forçar alguns asteróides a girar cada vez mais rápido – até deformá-los ou quebrá-los em pedaços. A idéia, agora, está confirmada por observações e cálculos astronômicos, descritos em três artigos científicos publicados na internet nesta semana.
Dois desses trabalhos estão no serviço online Science Express, da revista Science, e o terceiro, no website da revista Nature.
“Os asteróides reemitem a luz do Sol sob a forma de infravermelho, ou radiação térmica, de seu lado noturno, enquanto giram”, explica o pesquisador Mikko Kaasalainen, da Universidade de Helsinque, na Finlândia, e um dos autores do artigo da Nature. O trabalho descreve o aumento da rotação do asteróide 1862 Apollo, de 1,5 km de diâmetro. “Isso causa uma propulsão”, chamada pelos cientistas de “efeito Yorp” (de Yarkosky-O´Keefe-Radzievskii-Paddack, pesquisadores que desenvolveram a teoria correspondente).
Ao devolver o calor do Sol ao espaço, a superfície do asteróide emite fótons, ou partículas de luz infravermelha, e com isso o astro acaba sendo “gentilmente empurrado” na direção oposta, diz Sephen Lowry, da Queen´s University de Belfast, principal autor de um dos artigos publicados pelo Science Express. “Trata-se de um processo extremamente lento”. A equipe de Lowry detectou um aumento na taxa de rotação do asteróide 2000 PH5, com raio de 114 metros.
Asteróide com lua
Tanto PH5 quanto Apollo estão ganhando velocidade por causa da emissão de calor. A aceleração se dá a taxas mínimas, mas constantes: Lowry estima que seu asteróide deverá dobrar o ritmo de rotação dentro 550 mil anos. Já Apollo poderá sofrer alterações de forma ou, até, romper-se em algum ponto dos próximos 2,6 milhões de anos. 1862 Apollo já tem uma pequena lua, e o artigo na Nature especula que ela pode ter se formado por uma quebra induzida pela aceleração da luz, séculos ou milênios atrás.
O efeito não deve, porém, levar à desintegração final de todos os asteróides do Sistema Solar, diz Kaasalainen: “Ele só afeta corpos irregulares, e os asteróides maiores tendem a ser menos irregulares. Além disso, o Yorp pode funcionar ao contrário, desacelerando um asteróide. Tudo depende de detalhes e irregularidades bem pequenos”.
Lowry diz que a constatação do efeito Yorp levanta a questão de como os asteróides grandes chegaram a se formar, nos primórdios do Sistema Solar. “A taxa com que os asteróides crescem devem deve ser muito maior que a escala de tempo necessária para que o Yorp afete a taxa de rotação de forma significativa”, pondera.
Impacto
O efeito Yorp, no qual a emissão de calor pela superfície altera a taxa de rotação do asteróide, é uma variação do efeito Yarkovsky, no qual essa mesma emissão afeta a órbita do corpo, mudando seu rumo no espaço. “O Yorp pode afetar o efeito Yarkovsky”, diz Lowry, o que pode ter importantes implicações, não só para o estudo científico dos asteróides, como para a compreensão de suas trajetórias – e dos riscos de impacto com a Terra.
O americano Joseph N. Spitale, da Universidade do Arizona, já havia proposto em 2002, na própria Science, pintar asteróides, tornando suas superfícies mais claras ou escuras e, com a manipulação do efeito Yarkovsky, afastá-los de nosso planeta. O lado negativo é que esse processo precisaria de décadas, ou séculos, para funcionar em asteróides de grande porte.
A existência, a partir de agora, de confirmação prática e de medições precisas do efeito Yorp pode ter implicações no esforço de detecção de asteróides perigosos, afirma Kaasalainen. “Agora nós sabemos que outros efeitos, além da gravidade, têm de ser cuidadosamente levados em conta nos cálculos” dos riscos para a Terra.