Nesses tempos de aquecimento global, é comum vermos disputas ferrenhas entre os ambientalistas (que concentram seus esforços na preservação da Terra) e os entusiastas da exploração espacial (que focam sua atenção na ocupação de outros mundos). Não poderia haver pior postura, argumenta o cientista britânico Charles Cockell. O pesquisador lança até um alerta: caso esse modo de agir não mude radicalmente, e depressa, mais catástrofes naturais como o furacão Katrina, que devastou Nova Orleans em 2005, trarão mortes e sofrimento que, de outra maneira, poderiam ser evitados.
“Não é apenas uma questão de mais tragédias advindas da falta de comunicação entre ambientalistas e exploradores espaciais, mas simplesmente das oportunidades perdidas para reunir recursos práticos e intelectuais de uma forma mais efetiva”, disse Cockell ao G1. “O furacão Katrina era um exemplo de desastre, mas também era uma oportunidade maravilhosa para a humanidade enfrentar um grande problema ambiental com sucesso por dois grupos de pessoas que deveriam conversar mais eficientemente um com o outro”.
Professor de microbiologia da Universidade Open, no Reino Unido, Cockell trabalha ativamente no desenvolvimento de uma consciência ambiental que se aplique não só à Terra mas também ao relativamente inexplorado ambiente espacial. Para ele, por mais que ambientalistas e exploradores não percebam, suas atividades são basicamente as mesmas, e deveriam ser encaradas dessa maneira. Suas idéias estão expostas no livro “Space on Earth” (“Espaço na Terra”), recém-lançado pela editora britânica Macmillan. Nele, Cockell detalha sua visão e aprofunda a visão de que o futuro da humanidade envolve necessariamente a Terra e outros mundos, e que os seres humanos terão de fazer escolhas conscientes para atingir seu potencial como civilização interplanetária.
A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu ao G1.
Você destaca bastante em seu livro o conceito de exploração, não só como forma de fazer pesquisa científica, mas como algo que seres humanos simplesmente são compelidos a conduzir. À luz disso, como você vê as atuais disputas pelo orçamento da Nasa, que em anos recentes está sendo mais concentrado em sistemas tripulados – o ônibus espacial, a Estação Espacial Internacional e as futuras naves que levarão astronautas de volta à Lua até 2020 – do que em missões robóticas? Faz sentido ter essa briga entre essas duas classes de exploradores? Eu realmente vejo os cientistas como uma espécie de explorador. Cientistas são apenas pessoas que exploram usando laboratórios ou dados teóricos – e, em alguns casos, pesquisas de campo. Exploradores são pessoas que tendem a se concentrar mais em exploração de campo, mas isso em si mesmo é um tipo de curiosidade científica. Então, eu acho que não há necessidade de ver conflito algum entre exploradores e cientistas. Eles são apenas dois grupos de pessoas que tendem a fazer ciência de diferentes modos.
Ironicamente, o país mais avançado em exploração espacial – os Estados Unidos – parece ser o menos iluminado em políticas ambientais. No seu livro, você menciona o furacão Katrina como um resultado da falta de comunicação entre os dois lados da equação – ambientalismo e exploração espacial. Tem mais coisas assim vindo por aí? Eu acho que tem. Mais precisamente, não é apenas uma questão de mais tragédias advindas da falta de comunicação entre ambientalistas e exploradores espaciais, mas simplesmente das oportunidades perdidas para reunir recursos práticos e intelectuais de uma forma mais efetiva. O furacão Katrina era um exemplo de desastre, mas também era uma oportunidade maravilhosa para a humanidade enfrentar um grande problema ambiental com sucesso por dois grupos de pessoas que deveriam conversar mais eficientemente um com o outro. Muitos desastres naturais podem ser mitigados pela comunicação entre esses dois grupos – incêndios, tempestades, alagamentos etc.
Embora tenhamos feito muitos avanços no espaço, adquirindo mais conhecimento sobre a Terra e outros mundos, parece claro que o melhor ainda está por vir. Em alguns anos, poderíamos detectar os primeiros planetas como a Terra em torno de outras estrelas, e isso será empolgante, para dizer o mínimo. Você acha que também ajudará a aumentar a noção de que ambientalismo e exploração espacial são a mesma coisa? Sim, irá. Encontrar, ou mesmo não encontrar, um planeta como a Terra em algum outro lugar irá finalmente responder a uma questão milenar – a Terra é singular? A busca por planetas extra-solares pode ter profundas conseqüências sobre a nossa perspectiva de nosso ambiente e de nossa biosfera. Mas até mais que isso, a exploração do nosso próprio Sistema Solar poderia ser altamente significativa, já que também pode expandir nossa visão do modo como os ambientes podem ou não podem suportar vida.
Considerando o exemplo americano, parece mais fácil fazer o lado da “exploração” caminhar (o que faz agrada a indústria) do que o lado “ambiental” (que desagrada a indústria). Encontrar outros mundos habitáveis no Universo irá mudar isso de algum modo, para melhor ou para pior? A descoberta de outras Terras pode de algum modo baratear a nossa? Eu acho que é um bom argumento esse de baratear a nossa, mas eu suponho que depende de como você encara. De alguns modos, descobrir outras Terras baratearia a nossa, mas talvez de alguns modos isso seja bom, já que nos despertaria para o fato de que, se destruirmos a Terra, nossa falta não seria muito sentida no resto do universo. Eu acho que você pode ver isso como um argumento de que nós poderíamos melhorar nossa atenção com o ambiente ao descobrir tanto que somos singulares como que somos apenas um mundo de muitos. Essas descobertas têm o potencial de nos despertar, mas de formas diferentes. E seu argumento também levanta a importante questão de que tudo depende de como educamos nossas crianças para perceber essas descobertas. A educação é de fato a chave para usar essas descobertas.
Você advoga em favor de uma ética ambiental emergente que irá incluir não só a Terra mas também outros mundos. Quais seriam os principais pontos desse novo “conjunto de regras”? Já está claro? Ele permitiria, por exemplo, terraformação? Eu acho que os principais pontos seriam provavelmente os mesmos que tentamos desenvolver na Terra. Respeito pelos ambientes – e seus possíveis habitantes -, não destruir coisas só porque podemos, mas desenvolver a exploração do espaço com uma visão do uso sustentável dos ambientes. Eu acho que a terraformação é altamente controversa. Conforme aquecemos a Terra e destruímos a camada de ozônios já estamos envolvidos num grande experimento de desterraformação da Terra. Como esse experimento demonstrou, o desfec
ho nem sempre é previsível, e eu tenho algumas dúvidas de que você poderia terraformar de maneira consciente outros planetas.
Você aposta na descoberta de vida em outras partes do Sistema Solar para disparar essa nova consciência ambiental? Vida obviamente ajuda. Embora na Terra nós preservemos os ambientes por sua beleza natural – veja regiões da Antártida -, e portanto possamos ter uma ética ambiental que se prolongue para mundos “mortos” em outras partes, a vida adiciona uma dimensão que aprofunda nossa consciência ambiental – temos uma empatia por coisas vivas. Então, a descoberta de vida, embora não exigida para avançar uma ética extraterrestre, faria essa defesa da proteção de outros planetas mais fácil.
Quais são, para você, os principais candidatos a abrigar vida? Marte e Europa, a lua de Júpiter, são os candidatos mais prováveis para a vida em nosso próprio Sistema Solar.
Muitas pessoas pensam que o grosso da exploração espacial – especialmente no ramo tripulado – já foi concluído, e as grandes coisas que fizemos nas últimas décadas foram motivadas por política, não por ciência ou mesmo espírito de exploração. O que você diz a essas pessoas? O espaço foi motivado pela política porque é muito caro ir até a órbita terrestre – os governos são as únicas pessoas que podem pagar. Com a exploração privada do espaço, pode ser possível que muitas pessoas irão para lá por razões não-políticas. Eu posso apreciar a floresta tropical brasileira e poderia organizar uma expedição para estudá-la sem nenhuma ambição política. Por que então é difícil imaginar um futuro em que os exploradores vão a Marte ou à Lua para estudar geologia, busca por vida e se maravilhar com seus ambientes, livres de agendas políticas? Eu acho que é possível. Nesse sentido, a exploração do espaço mal começou.
Você defende uma visão equilibrada entre os dois lados – ambientalistas e exploradores -, sem comprar o discurso puro de um e de outro (ou seja, a Terra não é necessariamente mais importante do que o resto, e o resto não será necessariamente uma salvação para a Terra). Considerando os problemas que você aponta no livro, como o risco de consumo maciço de recursos espaciais, levando ao aumento da poluição na Terra, não seria melhor simplesmente ficar em casa e, no máximo, desenvolver algum modo de desviar asteróides que não foram convidados? Seria um erro ficar em casa. Embora o controle descontrolado de recursos espaciais possa ser um problema, não devemos rejeitar as oportunidades só porque elas vêm com desafios. Os benefícios científicos e de recursos do espaço para a civilização humana em geral são vastos e eu acho que devemos aproveitar essas oportunidades, mas não podemos estar cegos para fato de que, ao fazer isso, precisaremos responder a grandes desafios no caminho.
Qual será o papel do turismo espacial no futuro da exploração? É relevante que algumas pessoas, como Richard Branson, estejam desenvolvendo as chamadas “espaçolinhas”, ou ainda há uma distância muito grande entre esses vôos suborbitais e viagem interplanetária? Eu acho que o turismo espacial dará a muito mais pessoas a oportunidade de ver o espaço e experimentar a exploração e o estudo científico daquele ambiente, e isso pode ajudar a espalhar uma visão mais ampla de um futuro humano. Mas, de novo, nós também temos de perceber que, como a indústria privada na Terra, isso trará desafios – como regulamos a exploração comercial da Lua e de Marte, por exemplo? O turismo espacial também reduzirá o custo de acesso ao espaço, e isso irá essencialmente abrir as portas para a nossa habilidade de nos tornarmos uma civilização espacial.
Um outro lugar incômodo em que o ambiente e o espaço se encontram é no famoso paradoxo de Fermi. O que você acha da perspectiva de que talvez as civilizações simplesmente não sejam boas na aplicação da sua nova ética – exploração espacial e ambientalismo como a mesma coisa – e não consigam evitar a aniquilação? Você acredita que um planeta pode estar condenado no momento em que uma espécie decide que é hora de queimar algum petróleo? Eu acredito fortemente em escolhas para a sociedade. Eu não acredito num “destino”. As pessoas que acreditam em destino são geralmente perigosas porque elas ficam travadas numa única direção, sem percepção de outras escolhas. Então eu não acho que nosso destino seja nos destruirmos. Pode ser verdade que a resposta ao paradoxo de Fermi seja que muitas civilizações se destroem, mas temos uma escolha de não fazê-lo – somos seres inteligentes e pensantes que podem evitar que isso aconteça.