Tudo parece indicar que Yosip Ibrahim, autor de Yo Visité Ganímedes [Eu Visitei Ganímedes, Editora Sírio, 1974], foi mais uma vítima da doença fatal da certeza, que acomete muitas pessoas – cientistas ou não. Ninguém está livre desse mal, que é fácil adquirir, demorado de reconhecer e difícil de ser tratado e eliminado. O fato é que, ainda sobre Ashtar, muitas pessoas públicas, famosas e do meio artístico – inclusive de nacionalidade brasileira – estão envolvidas em cultos aos UFOs e outros movimentos de estilo messiânico e escapista. Existem basicamente duas vertentes de informações sobre a situação do planeta, do ser humano e do provável futuro que nos aguarda, sendo que ambas são atribuídas à entidade intergaláctica. Esse é o ponto que considero crucial para se separar o prestável do imprestável. As informações vindas e que descrevem as duas faces do referido ser são tão antagônicas e contraditórias que fica difícil acreditar que se originem da mesma fonte.
Uma das faces de Ashtar se apresenta como comandante de uma frota de milhares de naves que distribui promessas de evacuação e resgate de pessoas aqui da Terra, quando a mesma estiver na iminência de uma destruição total. Um dos projetos criados por fanáticos seguidores dessa face de Ashtar seria o chamado Project World Evacuation [Projeto Evacuação Mundial], que retiraria do planeta alguns poucos “escolhidos”, para que escapassem da destruição e voltassem quando a situação estive normalizada. Foram divulgados também vários “mandamentos” do referido ser por comunidades e agrupamentos esotéricos, assim como inúmeras previsões feitas por porta-vozes do comandante – que, claro, nunca aconteceram.
Talvez, uma contribuição negativa que agravou ainda mais o problema envolvendo o nome de Ashtar Sheran tenha vindo de uma boa intenção do já falecido radialista e repórter brasileiro, da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão de São Paulo, Alexandre Kadunc. Sempre interessado por assuntos metafísicos, pelo Fenômeno UFO e preocupado com a situação ecológica da Terra, Kadunc utilizou a imagem de Ashtar, que já estava conhecido como uma espécie de protetor do planeta, para divulgar a famosa Mensagem de Ashtar Sheran como forma de chamar a atenção das pessoas para os problemas sociais e políticos do mundo. Foi assim que muitas pessoas passaram a captar e gravar tal mensagem em seus aparelhos.
Com o tempo, a situação começou a ficar conhecida e cada vez mais pessoas apareciam com recados gravados obtidos nas mais diversas situações. Algumas diziam estar copiando uma música de um disco para uma fita cassete e a mensagem aparecia quando se ouvia a gravação, inexplicavelmente. Outras relatavam que a mensagem surgia gravada, mesmo com o aparelho desligado da tomada. Havia pessoas que afirmavam ter recebido instruções do próprio Ashtar para fazer tal gravação. Além disso, muitas revelavam que um amigo ou parente havia gravado algo inexplicável – sempre a tal mensagem de Kadunc, tida por muitos como genuína de Ashtar Sheran.
Representantes oficiais de Ashtar
Cheguei a analisar várias dessas gravações e notei que a quantidade de versões, acréscimos e cortes, em comparação com a mensagem original, eram gritantes. Muitas versões mostravam até os nomes das pessoas que haviam feito a gravação, como sendo “representantes oficiais” de Ashtar. Outras ainda atribuíam poderes de super-herói à suposta entidade ou colocavam que a salvação estava em ouvir suas idéias pessoais. Ocorre também que muitas pessoas munidas de estações de rádio amadoras – rádios piratas, faixa do cidadão etc – conseguiam gerar interferências e ter potência suficiente para sobrepujar o sinal das rádios oficiais e, assim, conseguir transmitir várias versões da tal mensagem. E quanto mais perto dessas estações irregulares estavam, mais nítido e forte era o sinal captado. Qual o número total de pessoas que conseguiram fazer essas transmissões? Existem quantas versões dessa mensagem? Quantas pessoas se sentiram especiais? Isso, nunca saberemos… Enfim, estava claro e evidente que aquele fora um longo período no qual mensagens com teor apocalíptico alternavam-se com outras messiânicas estimulando gradualmente, e de maneira perigosa, a fantasia e os egos de cada indivíduo. A situação do mundo estava fragilizada politicamente pelo fantasma da chamada Guerra Fria e a cada dia que passava muitos ficavam esperando o “apertar de botões” por parte das duas maiores potências da época, iniciando assim um confronto nuclear, aguardado por uns e temido por muitos. Não faltavam pessoas que já se consideravam diferentes ou escolhidas por Ashtar, sentindo-se seres especiais, numa missão mais especial ainda. Hoje sabemos que esse se trata de um fenômeno conhecido por dissonância cognitiva.
Teoria da Enganação
Considero importante ter em mente que todo esse período de contatismo poderia ter sido propositadamente elaborado e utilizado por inteligências terrestres, ou quem sabe extraterrestres, para nos testar, procurando medir ou conhecer nossas fraquezas. De qualquer forma, as extensões e desdobramentos de alguns grupos que se dizem ligados a Ashtar Sheran e outras supostas entidades são realmente preocupantes. Essas manifestações servem para corroborar uma hipótese conhecida desde os anos 70 por quem estuda a Ufologia pelo ponto de vista psicossocial. Segundo essa suposição, no caso dos contatados – pessoas que não só alegam avistamentos de UFOs e seus tripulantes, mas que passaram a manter contatos posteriores com os mesmos –, existe a possibilidade de que extraterrestres estejam manipulando seus contatos com seres humanos, com o objetivo de manter o assunto UFO desacreditado na sociedade humana, favorecendo com isso o modus operandi deles próprios entre nós. Nesse caso, a clandestinidade alienígena parece ter sido a única forma de fazê-lo e mantê-lo. Outro fato agravante é o descaso, a desinformação e o desinteresse que certos governos pregam em torno do Fenômeno UFO, além do crescente número de seitas baseadas em motivos ufológicos que é gritante.
Como partilho das mesmas idéias e conceitos presentes na formulação da Teoria da Enganação [Do termo em inglês d
eception], esboçada por Jacques Vallée, John Keel, Jacques Bergier e outros estudiosos, considero que existe muita gente interessada em difundir uma antipatia incontrolada quanto ao Fenômeno UFO e suas manifestações. Em contrapartida, temos um crescente número de abordagens extraterrestres disfarçadas em cultos e seitas. O que resta saber é realmente o porquê e até onde se consegue vislumbrar as diferenças entre ambos, pois estamos vivendo as conseqüências de tantas mentiras, desinformações e até objetivos escusos de agências de inteligência. À medida que um fenômeno “que não existe”, segundo nossas autoridades, interage e atinge cada vez mais a população leiga, esse mesmo público não possui nenhuma informação fidedigna e sua experiência objetiva é simplesmente interpretada como subjetiva e descartada pela comunidade científica – já que a ciência é levada a se intimidar com o assunto.
Nesse aspecto, vemos que a ciência acadêmica passa a se encaixar no chamado Mito da Neutralidade Científica, de Hilton Japiassu, quando é observado que muitas vezes o cientista neutro é vítima de simpatias ou antipatias incontroladas, o que o leva acreditar no que é simplesmente aceito como verdade ou falso consenso do momento científico em que vive. Se algo viola tal mito, então só pode ser mentira ou indigno de interesse científico. Essa é mais uma das armadilhas de nossa sociedade dita civilizada.
E em virtude dessas incoerências da racionalidade, o enorme e crescente público, cada vez mais leigo de conhecimento – pois informação existe até demais! –, passa a duvidar da ciência, da Ufologia e dos ufólogos, e acaba aderindo à chamada pseudociência. Assim, assistimos ao nascimento de seitas, cultos, movimentos e agremiações que passam a interpretar o Fenômeno UFO como bem entendem, gerando um caos e uma distância cada vez maior de um entendimento real sobre tal acontecimento, indo assim ao encontro daquilo que os que estão no comando parecem querer. Hoje temos provas suficientes de como a agência de inteligência dos EUA, CIA, e outras agências se aproveitaram – e ainda se aproveitam – dos acontecimentos ufológicos para testar suas técnicas de guerra psicológica e controle de massas.
A regra do “dividir para vencer”
É como se alguém, humano ou não, estivesse habilmente conduzindo um jogo em que o que vale é dividir para vencer, e assim criando um chamariz aterrorizante para as abduções, enquanto que uma legião de colaboradores – contatados – é sutilmente arregimentada e idéias absurdas são implantadas em suas mentes, como as que vemos por aí. Essas pessoas perdem muitas vezes seu poder de questionamento, passando até a não se sentir mais terrestres, encarando cada um de seus semelhantes como um inimigo em potencial dos “irmãos cósmicos”. Claro que existem as exceções. Acredito, por exemplo, que um contato inteligente e consciente entre civilizações diferentes não somente é possível, como também pode já estar ocorrendo há tempos.
Muitas pessoas com quem já conversei sobre o assunto Ashtar Sheran dizem que os extraterrestres estão jogando conosco, o que considero plausível. É fato que, nesse caso, quem detêm as cartas na manga são eles. Mas sem nós, os outros jogadores, eles não conseguem jogar. É bom que fique claro, entretanto, que esses entretenimentos não são acontecimentos transparentes e estão viciados, isto é, são jogos de cartas marcadas. Quem ler o trabalho do psicólogo Eric Berne, que descobriu a Análise Transacional, talvez entenda o que se pretende aqui. Uma de suas obras trata do assunto Games People Play [Jogos que as Pessoas Jogam], que está ligado ao trabalho do pesquisador John A. Keel, autor do excelente livro UFOs – Operation Trojan Horse [UFOs – Operação Cavalo de Tróia, Putnam, 1970]. Um dos capítulos da publicação é intitulado Games Non-People Play, sendo que a expressão non-people seria uma referência a extraterrestres. Em palavras mais simples, significa que nós, seres humanos, fomos lançados no tabuleiro de um grande jogo de roleta, onde quem dá as cartas não é necessariamente um humano e esta roleta pode estar viciada.
Ocorre na sub-cultura dos contatados uma espécie de conceito sociológico do termo massificação, que não tem nada a ver com produção ou transmissão de algo em massa e, sim, seria a perda de proteção dos meios sociais intermediários, tornando o indivíduo vulnerável a comandos vindos de fontes desconhecidas. Isso é algo muito sutil e de difícil detecção, porém é comum que tais movimentos sejam comandados por entidades extraterrestres. Devido a isso, pesquisadores se assustam com o comportamento apresentado por alguns contatados e abduzidos, principalmente sobre o que falam em palestras e congressos. São táticas típicas de propagação de “pensamentos alienígenas”, que podem ser altamente perigosas. Não existe nenhuma contestação ou questionamento sobre a origem da mensagem, que sempre é de natureza telepática.
Episódios sustentados em mentiras
Para se ter uma idéia de até onde o absurdo pode chegar, recentemente assisti a uma palestra de Sixto Paz Wells, na qual o mesmo mostrou uma série de fotografias dizendo ser uma das colônias de extraterrestres. O problema é que Wells alegava que as fotos eram de Ganímedes [Uma das luas de Júpiter], mas, na verdade, eram de outro satélite do referido planeta – Europa. Por várias vezes ele olhou para as imagens, repetiu sua história e nenhum dos presentes sequer contestou. Fiquei calado, propositadamente, para observar. É a isso que me refiro quando digo que grande parte dos contatos com extraterrestres são realizados com pessoas pouco instruídas ou despreparadas. A provável razão para isso é que, assim, não há possibilidade de se criticar ou questionar qualquer tipo de informação passada por supostos alienígenas.
Para exemplificar tal afirmação temos contatados de sobra, como Howard Menger, Hermínio e Bianca, George Adamski, Rael, Barney e Betty Hill, o Comando Ashtar etc. Como escreveu Keel, “se um aparelho desconhecido, do qual saísse uma pessoa também absolutamente estranha, pousasse no quintal de uma dona de casa de classe mé
dia e dissesse que é de Vênus, quem seria ela para contestar isso?” Iria acreditar, sim, que os extraterrestres vieram de Vênus, ou ainda de algum planeta em torno de estrelas inadequadas para tê-lo, como as Plêiades. Talvez até de uma estrela que não é uma, mas sim duas, binárias e fraquíssimas, como por exemplo o sistema Wolf 424, apontado como a origem dos ufonautas do Caso Ummo, ocorrido na Espanha na década de 70. Esse fato é muito interessante, pois nem pesquisadores gabaritados e experientes da época se deram ao trabalho de ver que a base do suposto episódio estava sustentada numa mentira, dita pelos alegados extraterrestres ou por quem inventou o caso. Bastaria ter verificado o que se sabia sobre as estrelas do Sistema Wolf 424 e descoberto a engenhosa armação. Quem desvendou isso foi o físico e ufólogo brasileiro Alberto Francisco do Carmo.
Enfim, poucas são as pessoas que se dizem contatadas, que estão transmitindo idéias realmente positivas e com certa coerência. Certos pesquisadores de renome afirmam que contatados e abduzidos são a linha de frente na propagação de iniciativas e totemismos de procedência incerta. Se são extraterrestres, militares terrestres, jogos e táticas de guerra psicológica, entidades dimensionais ou outra manifestação qualquer, ainda não se sabe. O que se conhece, e muito bem, é que muitas das pessoas que se dizem contatadas e que alegam manter encontros com Ashtar Sheran não adquirem nenhum ganho ou benefício direto com isso. Muito pelo contrário, tais pessoas são expostas ao ridículo, a crises nas relações interpessoais – inclusive com ruína de casamentos e situação econômica e até a fenômenos do tipo poltergeist. Teriam ainda o estímulo de criar comunidades alternativas ou epistêmicas que funcionam por algum tempo, instruções para construir aparelhos estranhos, previsões de guerras e catástrofes e – com exceção de alguns poucos espertos – não ficam ricos com tudo isso. Sabe-se, também, que quem manipula as situações de contato – como no caso da polêmica Ashtar Sheran – conhece muito bem as técnicas de programação neurolingüística (PNL).
Dissonância cognitiva
O termo dissonância cognitiva foi estudado pela equipe do sociólogo Leon Festinger, ao pesquisar as seitas e movimentos ligados ao Fenômeno UFO, especificamente ao analisar uma comunidade na Califórnia, Estados Unidos, dirigida por uma senhora conhecida por Keech. A equipe de Festinger conseguiu se infiltrar na comunidade e documentou como Keech psicografava. Ela recebia informações de que uma grande catástrofe sísmica atingiria a Califórnia e que os “escolhidos” seriam retirados por discos voadores, que viriam salvá-los. A retórica é muito semelhante a de outros casos de suposta contatação alienígena, como se vê pelo estudo da literatura ufológica especializada.
Até então, Keech acreditava estar recebendo mensagens de espíritos de pessoas mortas, até que essas entidades, que se intitulavam “guardiões e guias”, se revelaram como sendo tripulantes de UFOs e alegaram monitorar o planeta Terra. Além disso, afirmaram ser capazes de se comunicar com os humanos e entre si por telepatia. A equipe de “infiltrados” percebeu claramente, o tempo todo, que os moradores da referida comunidade, inclusive a líder, eram pessoas sinceras, cheias de ideais positivos e que realmente acreditavam estar sendo vetores de algo fascinante e importante.
Uma incrível viagem mental
Como era de se esperar, nada do previsto pelos tripulantes dos UFOs ocorreu, e é nesse ponto que a surpresa acontece. Em vez da comunidade admitir que havia ocorrido algo errado ou que a fonte?– ou a fonte da fonte – das informações era suspeita, ou ainda que tudo não passava de uma viagem mental, preferiu acreditar que na verdade tudo tinha sido um teste. E crer que, como tinham sido obedientes, o planeta fora salvo da catástrofe. Esse é o mecanismo chamado de dissonância cognitiva, cuja explicação é a de que quando o sistema de crenças de um grupo é contrariado, ele reage sobre o fato que desmente sua crença e expectativa, de modo a manter o mito vivo.
Um dos inúmeros exemplos seria a seita evangélica dos adventistas do sétimo dia, fundada na expectativa de um fim de mundo, vindo de mensagens canalizadas de seu idealizador. Para eles, o fim deveria ter ocorrido no século XIX. Como não aconteceu, e na época muitos membros da seita caíram no ridículo, o grupo retrabalhou seu sistema de crenças e continua a crer na iminência do fim do mundo até os dias de hoje, ou seja, sempre existe uma reformulação para adequar o “previsto” e “canalizado”, originado de entidades espirituais ou extraterrestres. Porém, nunca é pensado na possibilidade de não estar acontecendo nenhuma mensagem espiritual, divina ou extraterrestre e que tudo isso não passa de processos mentais, egos e mentalismos, frutos da fragilidade da mente humana. Por fim, a líder da comunidade, Keech, teria recebido a visita de um grupo intimidador, no melhor estilo men-in-black (MIB), que tentou pressioná-la para desmentir suas histórias…