A liberdade democrática não enseja a completa ausência de exigências legais, e às vezes formais, para prática de certos atos individuais ou coletivos. Ao contrário, a liberdade circunscrita no regime democrático, com que se preocupou salutarmente a Constituição da República de 1988, implica na disciplina do seu próprio exercício. Mesmo que, da mesma forma salutar, impeça o Estado de interferir em suas manifestações mais extrínsecas. A Ufologia, evidentemente, desenvolve-se no Brasil às custas desta imprescindível liberdade de pensamento e de atuação. Por isso, comporta amplamente as mais completas manifestações da vontade daqueles que nela militam. Haja vista a amplitude que o próprio fenômeno oferece no tocante a diversificados pontos de vista adotados pelas várias linhas de pesquisadores e estudiosos em geral. Assim, a organização de sua atuação dá-se precisamente pela livre escolha de seus membros, ainda que sempre seja aconselhável o uso da metodologia aplicável a qualquer área de estudo, bem como o bom emprego das normas dialéticas – tudo sujeito a princípios éticos.
A criação de associações e sociedades de estudos ufológicos encontra-se regida pelo princípio constitucional de ampla liberdade, daí ser possível a criação de institutos particulares e de pessoas jurídicas, em geral destinadas a pesquisar e divulgar esse fenômeno extraordinário e fascinante. São os inúmeros centros de pesquisa e estudos ufológicos e de áreas afins que vicejam pelo Brasil afora. Porém, a disciplina imposta pela Lei – e antes pelo próprio ordenamento jurídico – obriga a examinar os limites pelos quais possam trilhar eventuais sociedades representativas. Deve-se, antes de tudo, notar que a representatividade tem o sentido amplo de significar a atuação de pessoas ou grupos cuja atividade de fato mostre competência e atenção para com o fenômeno e suas implicações, sendo estas também as mais diversas.
Regulamentação — Por outro lado, sua representação e mesmo representatividade comportam significados amparados pela Lei, em se tratando da criação ou fundação de entidade cujas pretensões chegam às raias de regulamentar a atuação de pesquisadores e militantes em geral. De fato, tal tipo de representação é aquele disposto em legislação própria, que permite com toda a existência de um verdadeiro órgão disciplinador e credenciador daqueles que exercem a atividade – no caso, a de ufólogo. Certamente, um sindicato não tem esta última conformação nem tampouco finalidade. Mas compete aos sindicatos o zelo pelos interesses de uma classe ou categoria, não possuindo no entanto qualquer poder coercitivo para o exercício da atividade, por quem quer que seja. Os sindicatos, entidades criadas por em pregadores, empregados, trabalhadores autônomos ou avulsos, ou ainda profissionais liberais, têm por finalidade o estudo, a defesa e a coordenação dos interesses econômicos ou profissionais destes. Surge logo de imediato, com essa análise, a dúvida de se poder ou ser viável criar um sindicato de ufólogos.
Sobre esse assunto, no entanto, não se pode opinar facilmente. Pelo menos sem antes serem dissecados e analisados os méritos dessa inédita e curiosa proposta. A idéia, por si só, não tem futuro. Primeiramente, porque a Ufologia não é, a priori nem de fato, aquilo que se pode entender como um campo para empregados e empregadores, ou mesmo para trabalhadores no sentido literal. Sendo uma área de estudos que obriga o trato do assunto sob a ótica de diversas ciências, ela inexiste isoladamente, ainda não se conhecendo na prática qualquer espécie de atividade empresarial que justifique ser ela vista como um campo de trabalho potencial, no sentido técnico e jurídico. Ao contrário, o que se tem são associações e sociedades particulares, bem como atividades individuais de ordem estritamente privada, no máximo estendendo-se como campo de interesse de atividades como revistas, programas de rádios e tevês, e outros veículos de comunicação.
Temos outras prioridades na Ufologia do que a criação de um sindicato. Em especial, temos a prioridade de organizar seu funcionamento de forma adequada
– Claudeir Covo
Categorias Profissionais — Assim, aqueles que trabalham nesses veículos ou institutos encontram-se regidos pelas leis das representações de classes ou categorias de profissões regulamentadas reconhecidas, normais ou diferenciadas. Ou seja, aquele que trabalha em uma revista cujo tema e enfoque são a Ufologia e similares, sujeita-se à legislação e normas coletivas da categoria dos jornalistas ou, conforme o caso, das secretárias, dos artistas gráficos, dos profissionais de informática etc. O mesmo se sucede a publicações sobre vários outros assuntos. Resta saber com um pouco mais de detalhes, então, o que significa verdadeiramente um sindicato, separado da simples idéia de se chamar assim uma mera associação de particulares ou grupos (assim como título de fantasia ou apenas apelido). Ora, a Lei imprime aos empregadores em geral o que denomina de categoria econômica. Bem como caracteriza os prestadores de serviços como aqueles que exercem profissão ou trabalho em situação de emprego, compondo o que se chama categoria profissional. Conforme as associações dos primeiros e dos segundos venham a preencher os requisitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo a jurista Isis de Almeida, em seu livro Curso Prático de Legislação do Trabalho, “…transformam-se em sindicatos, sendo estes, então, os autênticos representantes da classe, gozando, em toda a amplitude, das prerrogativas que a Lei outorga a tal representação consubstanciadas nos artigos 513 e 514 da CLT”.
Essa situação não ficou diferente após a instituição da Constituição Federal de 1988. A mencionada liberdade sindical, incluindo a fusão sindicatos, segundo o também jurista Sérgio Pinto Martins, em sua obra Direito do Trabalho, é direito de trabalhadores e empregadores. Mas é bom observar que liberdade sindical é uma coisa e obrigação de afiliação é outra. Ao passo que trabalhadores e empregadores podem livremente organizar-se em sindicatos, isto é faculdade da Lei e não obrigação. Nem ao menos essa obrigação existe para que alguém deva aderir a um sindicato ou permanecer a ele afiliado.
Com esse raciocínio é possível observar que a liberdade proclamada não torna lógica nem permite a existência de um sindicato, sem que juridicamente uma entidade assim verdadeiramente o seja. Primeiro, Ufologia não é profissão, e muito menos regulamentada. Depois, os que nela militam não exercem atividade de trabalho no sentido correto da área específica do Direito, nem c
onstituem o que se pode chamar tecnicamente de categoria. Pinto Martins destaca em sua obra que “o tipo de organização a ser empreendida pelos interessados na criação do sindicato envolve várias hipóteses. O sindicato pode ser organizado por grupo de empresas, por empresas, por categoria, por profissão. Pode ser de âmbito municipal, distrital, intermunicipal, estadual ou nacional”. O jurista informa que o sistema brasileiro adota uma forma de organização que desprestigia a autonomia sindical, ao estabelecê-la por categoria. “Além de o sindicato não poder ter base territorial inferior à área de um município”, enfatiza, remetendo-nos ao artigo 8º da Constituição Federal.
Novamente frisamos que a atividade de ufólogo não constitui qualquer categoria de trabalhador. E pela atual Constituição, mantém-se o sistema sindical organizado por categorias, o que se observa com a simples leitura de alguns termos utilizados em incisos do referido artigo da Carta Magna. O inciso II, por exemplo, menciona categoria profissional ou econômica, representativa da organização sindical. Do inciso III consta que o sindicato defende os interesses da categoria. E o inciso IV trata da cobrança da contribuição confederativa (ainda não regulamentada por lei complementar), a ser efetivada pela categoria profissional. “Logo, o sistema sindical estatuído na CLT por categorias, profissional e econômica, permanece em vigor”, insiste Pinto Martins. Além disto, o que se admite é a existência de sindicato de profissionais liberais e de categoria diferenciada, simples desdobramentos do sindicato por categoria. Mas Ufologia não é nada disto.
Liberdade Sindical — É oportuno esclarecer que a mencionada liberdade sindical individual, que trata da faculdade – e não da obrigação – de a pessoa física ou jurídica filiar-se ou desligar-se do sindicato, vem expressa no mesmo artigo 8º da Constituição Federal, em perfeita harmonia com a convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ora, assim, em sentido jurídico, a finalidade de se criar um sindicato de ufólogos torna-se inócua. E novamente não se confunda sindicato com ordens profissionais, que são pessoas jurídicas de direito público, do tipo autarquias, cujo objetivo é a fiscalização da profissão. Elas disciplinam as classes enquanto os verdadeiros sindicatos as defendem. Nas primeiras, a filiação é obrigatória, sem o quê o militante não pode exercer sua profissão legalmente.
Parece-nos assim que a idéia de se fundar um sindicato de ufólogos, como querem alguns no Brasil, permanece ainda no campo do sonho inatingível. O sonho de se ver criada e regulamentada uma profissão, de fins e reflexos no primordial interesse social. Este passo é o que antes deve ser dado. Algum leitor se habilita? E ainda examinando a obra aqui evocada, categoria é o conjunto de pessoas que têm interesses profissionais ou econômicos em comum, decorrentes de identidade de condições ligadas ao trabalho. Categoria profissional acontece quando há semelhança de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas. É também denominada de categoria dos empregados ou dos trabalhadores. É o conjunto de trabalhadores que têm, permanentemente, identidade de interesses em relação a sua atividade laboral. Mesmo porque, para a fundação e atividades de sindicato, ainda prevalece a previsão do que se chama enquadramento sindical, conforme os artigos 570 a 577 da referida CLT.
Mesmo assim, antes que os pretendentes a ufólogos sindicalizados insistam sem resultado pelo conceito de categoria não condizente, o referido artigo 577 faz enquadramento por grupos das categorias econômicas e profissionais conhecidas – e Ufologia não figura como categoria econômica ou profissional, nos termos legalmente aceitos. Para os que sonharem com o contrário, destaca-se que essa relação de categorias e profissões, reconhecidas pela Constituição de 1988, só pode ser modificada por lei.
Mas a questão não se esgota aqui. Ainda que fosse possível a criação de um sindicato de ufólogos, na exata concepção jurídica, a liberdade nesse sentido se extinguiria na exigência de registro da entidade perante o órgão competente, que é o Ministério do Trabalho. Na verdade, distingue-se a criação de um sindicato e a regularidade de suas atividades em termos legais. Esta última depende do preenchimento dos requisitos dispostos na Portaria 343, de 04 de maio de 2000, com redação da Portaria 376, de 23 de maio de 2000, do ministro de Estado do Trabalho e Emprego. Fundamentada nas atribuições do Artigo 87 da Constituição Federal, tal documento exige que o pedido de registro sindical deva ser feito com especificação no estatuto social, da representação que se pretende que seja exercida pelo sindicato, em especial “a categoria ou categorias representadas, nos termos do Artigo 511 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”.
O Ministério do Trabalho analisará o pedido e examinará se o requerente atende, quanto à representatividade, o que dispõe o referido artigo da CLT, bem como outros dispositivos, sob pena de indeferimento e arquivamento. Não basta a mera criação da entidade, com seu registro em Cartório do Registro de Pessoas Jurídicas, o que apenas lhe confere personalidade jurídica. Para que ela possa ser admitida oficialmente no mundo jurídico como sindicato, o registro competente é importante, mas não é tudo. Uma seqüência de ações deve ser implementada para garantir o reconhecimento da função sindical.
Agrupamento Estável — É importante, neste ponto da discussão, citar ainda o doutor Valentin Carrión, respeitado autor na área do Direito do Trabalho, cujos ensinamentos eternizaram-se com seu recente falecimento. Em sua obra Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Carrión dirime a dúvida que ainda resta sobre o tema. “Sindicato de empregados é o agrupamento estável de membros de uma profissão, destinado a assegurar a defesa e representação da respectiva profissão para melhorar as condições de trabalho”, enfatiza. Citando ainda o autor espanhol Alonso Olea, Carrión assegura que “é tão importante a função reguladora das condições de trabalho do sindicato que, sem essa atividade, pode ser outra coisa, sociedade de socorros mútuos, um órgão político, uma instituição recreativa, não um sindicato”.
O jurista deixa claro que conceituamos como categoria profissional o conjunto de trabalhadores que têm, permanentemente, identidade de inter
esses em razão de sua atividade laborativa. “O enquadramento individual filia os trabalhadores, de acordo com suas profissões (…) O critério da Lei leva em consideração as profissões homogêneas, similares ou conexas, prevalecendo o critério da atividade econômica preponderante da empresa, salvo tratando-se de categoria profissional diferenciada ou de profissão liberal, quando se leva em conta a profissão, ou melhor, as condições profissionais de trabalho do empregado”. É o caso dos aeronautas, publicitários ou de outra profissão que tenha regulamento próprio.
A conclusão que oferecemos ao leitor, a respeito desse polêmico assunto, fica cristalina diante dos fatos apresentados. E ela é de que só é possível existir um sindicato, no conceito jurídico e legal, que funcione como tal em se tratando de categoria profissional ou de trabalhadores, de cuja relação participem, na maioria, empregados e empregadores. A Ufologia nem de longe preenche tais requisitos de ordem conceitual, mormente jurídica, ficando assim no campo dos sonhos e pretensões.
Recentemente, a curiosa proposta da fundação de um sindicato de ufólogos, no Brasil, gerou surpresas e estimulou uma série de discussões. A idéia dividiu estudiosos das mais variadas correntes de pensamento de nossa Ufologia, algumas achando a proposta interessante e, outras, taxando-a como totalmente descabida. Em nossa edição 80 apresentamos detalhes de como a proposta foi lançada, em São Paulo, através de um movimento no mínimo obscuro. Na matéria, nosso consultor Vanderlei D’Agostino mostrou que interesses pouco nobres se escondem por trás da idéia. Mas mesmo com o então esclarecimento dos fatos perante a comunidade ufológica, a proposta ainda suscita interesse. Agora, nosso co-editor apresenta os aspectos constituicionais e jurídicos relativos à criação de uma entidade desse tipo, mostrando sua completa inviabilidade no campo ufológico.