A descoberta, derivada dos dados preliminares do quarto lançamento de dados do Gaia, lança uma nova luz sobre a formação e distribuição de buracos negros no cosmos
O buraco negro, denominado Gaia BH3, faz parte de um sistema binário localizado a aproximadamente 590 parsecs da Terra. A descoberta é significativa não só devido à massa do buraco negro, mas também porque desafia os modelos existentes de evolução estelar e formação de buracos negros. “Ninguém esperava encontrar um buraco negro de grande massa à espreita nas proximidades, não detectado até agora”, afirmou Pasquale Panuzzo, membro da colaboração Gaia, em um comunicado. “Este é o tipo de descoberta que você faz uma vez na vida de pesquisa.”
Buracos negros, regiões do espaço onde a atração gravitacional é tão forte que nem mesmo a luz consegue escapar, são normalmente detectados pela radiação de alta energia emitida quando interagem com outras estrelas ou nuvens de gás. No entanto, Gaia BH3 não interage significativamente com a sua estrela companheira, tornando-o um buraco negro “adormecido”, detectável apenas através da influência gravitacional que exerce sobre a sua companheira.
O satélite Gaia, operado pela Agência Espacial Europeia (ESA), foi concebido para mapear as posições de milhares de milhões de estrelas com uma precisão sem precedentes. A detecção de Gaia BH3 foi possível através da análise das pequenas oscilações no movimento da estrela, causadas pela força gravitacional do buraco negro invisível.
A massa de Gaia BH3 é extraordinária porque excede a massa típica dos buracos negros estelares da nossa galáxia, que geralmente não ultrapassam 15 massas solares. Com 33 massas solares, esta besta representa um desafio às atuais teorias da evolução estelar, que lutam para explicar como um buraco negro desta massa se formaria a partir de uma única estrela.
De acordo com um estudo recente que detalha a descoberta, a formação do buraco negro está provavelmente ligada ao seu ambiente pobre em metais. Os metais (na astronomia, qualquer elemento mais pesado que o hélio) contribuem para os ventos estelares, que podem soprar porções significativas da massa de uma estrela à medida que ela evolui. Em estrelas pobres em metais, os ventos estelares mais fracos permitiriam que uma parte maior da massa original da estrela colapsasse num buraco negro quando esta morresse.
“O que me impressiona é que a composição química da companheira é semelhante à que encontramos nas velhas estrelas pobres em metais da galáxia”, disse Elisabetta Caffau, membro da colaboração Gaia, num comunicado. “Não há evidências de que esta estrela tenha sido contaminada pelo material expelido pela explosão de supernova da estrela massiva que se tornou BH3.”
Esta descoberta também tem implicações para o estudo das ondas gravitacionais, ondulações no espaço-tempo causadas por alguns dos processos mais violentos e energéticos do Universo. A maioria dos buracos negros detectados até agora por sinais de ondas gravitacionais têm massas semelhantes ou maiores que a de Gaia BH3, sugerindo que tais buracos negros massivos podem ser mais comuns do que se pensava anteriormente.
O sistema Gaia BH3 oferece um laboratório único para testar teorias de evolução estelar e formação de buracos negros. A sua proximidade relativamente próxima da Terra e os dados detalhados recolhidos por Gaia proporcionam uma oportunidade sem precedentes para observações de acompanhamento. A equipa planeja usar outros telescópios para estudar o sistema em diferentes comprimentos de onda, o que poderá fornecer mais pistas sobre as propriedades do buraco negro e da sua estrela companheira.
Além disso, esta descoberta sublinha a importância de missões como a Gaia, que fornecem os dados de alta precisão necessários para descobrir os componentes ocultos da nossa galáxia. “É impressionante ver o impacto transformacional que Gaia está a ter na astronomia e na astrofísica,” explicou a Prof. Carole Mundell, Diretora de Ciência da ESA. “As suas descobertas vão muito além do propósito original da missão, que é criar um mapa multidimensional extraordinariamente preciso de mais de mil milhões de estrelas em toda a nossa Via Láctea.”