Em um lugar afastado no Deserto de Nevada, a muitos quilômetros de distância dos olhares curiosos, está uma instalação secreta da Força Aérea Norte-Americana (USAF) que tem sido conhecida por diversos nomes ao longo dos anos. Já foi chamada de Paradise Ranch, Watertown Strip, Área 51, Dreamland e Groom Lake. Área 51 é o nome mais usado, e provavelmente a identifica a um dos locais mais comentados do mundo e, ao mesmo tempo, menos visitado. De acordo com integrantes de movimentos conspiracionistas, é o lugar onde o “governo secreto” dos Estados Unidos esconde corpos de extraterrestres mortos, fabrica clones a partir do DNA deles e pratica a engenharia reversa em suas espaçonaves.
É também, para os mais incrédulos, o local onde a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA) filmou os falsos pousos lunares. Por outro lado, para os seres humanos que têm seus pés bem apoiados no chão, a base do Lago Groom, onde está a polêmica Área 51, é simplesmente o lugar onde são desenvolvidas aeronaves altamente secretas. É o berço do avião espião U-2 e da sua versão posterior, o Blackbird SR-71, que é capaz de alcançar a incrível velocidade de Mach 3 [Três vezes mais rápido do que som], isso sem falar do sofisticado caça F-117, que possui recursos para incursão furtiva em território inimigo – as chamadas tecnologias Stealth. Lá também são feitos vôos e simulações de combate com aviões russos capturados, roubados ou clandestinamente adquiridos. Por causa disso, o Governo norte-americano não têm medido esforços para preservar o segredo da área e afugentar os olhares curiosos.
Entretanto, todo esse segredo foi ameaçado no começo de 1974, quando os astronautas do laboratório orbital norte-americano Skylab, ainda em operação, puseram sua câmera na janela e tiraram fotos de uma instalação militar tão secreta que oficialmente não existia – e nem constava dos mapas. O Skylab, como se sabe hoje, ficou apenas seis anos em órbita e foi a primeira tentativa dos Estados Unidos de manter um laboratório orbital, que também funcionou como uma espécie de satélite espião tripulado. Ele caiu sobre o planeta em 1979, causando grandes dados a localidades na Índia e Austrália, e encerrou sua carreira contabilizando a descoberta de muitos segredos ocultos em várias partes do mundo.
Problemas no lançamento — Quanto aos astronautas que o operavam naquele começo de 1974, ao retornarem à Terra, perceberam que as fotos que fizeram da tal base lhes proporcionariam uma enorme dor de cabeça – igualmente à NASA, à Agência Central de Inteligência (CIA) e o Departamento de Defesa. Eis uma história que nunca havia sido contada antes!
O Governo norte-americano sempre considerou o conhecimento público mais importante do que a segurança nacional, porém costuma estabelecer limites todas as vezes que surgem situações questionáveis
Em 19 de abril de 1974, alguém na CIA enviou ao então diretor William Colby um memorando se referindo a uma fotografia da base do Lago Groom tirada inadvertidamente pelos astronautas da missão Skylab. “Havia instruções específicas para que eles não fizessem isso durante suas missões”, dizia o memorando, e a referida base era o único lugar apontado nessas exigências. Nenhuma outra localidade da Terra estava proibida de ser fotografada ou espionada pelos astronautas. Em outras palavras, a CIA considerava a base do Lago Groom como o ponto mais sensível da Terra, e os tripulantes da Skylab resolveram tirar uma foto justamente desse lugar. A terceira e última tripulação do laboratório orbital foi lançada ao espaço em 16 de novembro de 1973. A bordo estavam três astronautas novatos Gerald Carr, Edward Gibson e William Pogue. Carr era um comandante da Marinha Norte-Americana, Pogue serviu na Força Aérea Norte-Americana (USAF) e voou com a equipe de elite Thunderbirds, e Gibson era um astronauta-cientista com doutorado em física aplicada. O cronograma da missão sofreu alguns atrasos logo no início por diversos motivos, mas a tripulação conseguiu rapidamente recuperar o tempo perdido no espaço. Eles repararam uma antena da nave, resolveram os problemas no suporte do telescópio Apollo, com o qual o Skylab era equipado, consertaram um giroscópio com defeito e reabasteceram a estação com suprimentos. Entre suas atividades, conseguiram acumular uma grande quantidade de horas em atividades extraveiculares – a saída da espaçonave e movimentação livre no espaço, utilizando trajes adequados – e passaram cerca de 338 horas estudando o Sol. Além disso, tiraram várias fotografias da Terra, incluindo as fotos da supersecreta instalação do Lago Groom, em Nevada, a chamada Área 51. Em 04 de fevereiro de 1974, depois de um recorde de 84 dias no espaço, mergulharam de volta no oceano, a cerca de 280 km de San Diego, sul da Califórnia. Os astronautas foram recolhidos a bordo do navio USS New Orleans e se encontravam em excelente forma.
Reconhecimento a distância — A NASA tinha um acordo com a Comunidade de Inteligência dos Estados Unidos – CIA, NSA e FBI – desde o começo do programa Gemini, muito antes do programa Apollo, que levou ao pouso na Lua, em 1969, e certamente anterior também às missões da Skylab. O acordo previa que todas as fotos da Terra tiradas por astronautas deveriam primeiro ser analisadas pelo Centro Nacional de Interpretação Fotográfica National Photographic Interpretation Center ou NPIC], em Washington, D. C., o prédio 213 do arsenal da Marinha, antes de serem liberadas para a imprensa ou para a comunidade científica. O NPIC era uma instituição controlada pela CIA que analisava as fotografias aéreas ou realizadas do espaço. Os técnicos da instituição queriam saber em que os astronautas poderiam contribuir para as técnicas de reconhecimento fotográfico da época. E foi durante o programa Gemini que eles começaram a descobrir a resposta.
As fotos enviadas pelos astronautas daquela missão específica da Skylab tinham muitos “problemas”, incluindo a falta de informações sobre o local para onde a câmera estava apontando. Não havia ainda, naquela época, uma maneira eficiente para se determinar com precisão a hora e o ângulo da câmera no momento em que a foto era batida do espaço, de maneira que os técnicos freqüentemente tinham muito trabalho tentando descobrir qual era exatamente o local.
Esse foi um dos fatores que contribuíram para a fim do programa que previa a construção de um laboratório orbital tripulado sob o controle da USAF. Havia ainda uma outra razão para a CIA querer analisar as fotografias tiradas pelos astronautas: seus agentes queriam saber se elas mostravam alguma coisa interessante, ou então, alguma coisa que elas não deveriam mostrar, como a base do Lago Groom. Havia uma certa ironia no fato dos analistas do NPIC terem visto as fotos da Área 51, já que até mesmo dentro dessa institu
ição da CIA a base era considerada um assunto secreto, ao qual apenas os mais graduados funcionários tinham acesso parcial.
Todas as imagens que mostravam o Deserto do Nevada eram previamente removidas dos rolos de filmes dos satélites espiões e armazenadas em um cofre com ingresso restrito. Explica um ex-oficial do NPIC: “Havia muitas outras coisas além dos aviões U-2 acontecendo ao redor do Lago Groom, e nem todos os analistas de fotos do NPIC possuíam credenciais de segurança elevados para saber sobre esses assuntos que incluíam aviões de reconhecimento teleguiados e caças soviéticos capturados”. Nenhuma palavra sobre UFOs, ainda. Um analista de fotos com carreira mediana no NPIC saberia que existiam U-2s e aviões do tipo Blackbirds na base do Lago Groom, mas se surpreenderia ao ver um B-52 carregando aviões teleguiados ou um Mig-21 pousado em pleno Deserto de Nevada…
Proibidos de sobrevoar a Área 51 — De fato, em abril de 1962, um agente da CIA chegou a sugerir ao seu superior que eles tirassem fotos da Área 51 usando os seus próprios meios. John McMahon, diretor da divisão que era identificada pelo nome muito pouco específico de Planos de Desenvolvimento, escreveu estas linhas ao seu chefe: “John Parangoski e eu discutimos se não seria interessante tirar umas fotos aéreas da Área 51 utilizando o U-2 e, sem nenhum aviso prévio, enviá-las aos analistas de fotos para que eles digam do que se trata. Pedir a eles que determinem que tipo de atividade estava sendo realizada no lugar fotografado”. Ele continua: “Junto com as imagens que serão obtidas pelo Corona [O primeiro satélite espião lançado pelos Estados Unidos], seria aconselhável tirar umas fotos durante as passagens sobre o Deserto do Nevada para ver o que nós mesmos podemos descobrir por meio do reconhecimento via satélite da Área 51”. Para McMahon, seria um meio de saber se seus funcionários do NPIC estariam aptos, a partir da análise das fotos, saber o que a base do Lago Groom escondia. “E nos daria uma boa idéia de quais deduções ou conclusões poderiam ser obtidas pelos soviéticos se o Sputnik 13 também possuísse capacidade de reconhecimento”.
Se a CIA chegou a realizar esse tipo de experiência não se sabe. Mas uma coisa é certa: o satélite Corona fotografou a Área 51 várias vezes. Milhares de rolos de filmes desse satélite estão armazenados no prédio dos Arquivos Nacionais [National Archives], mas com seus negativos recortados. Não se sabe por que os astronautas do Skylab desobedeceram suas ordens, como não se sabe exatamente o que foi fotografado. De qualquer maneira, como eles tinham somente câmeras de mão para observação da Terra, a resolução de imagem teria sido bem pequena. Além disso, a existência da base não era nenhum segredo, principalmente para um piloto da USAF como Bill Pogue, a bordo do laboratório orbital. Os pilotos que sobrevoam o enorme Complexo de Testes de Nellis, no Estado do Nevada, costumam se referir à Área 51 como a “Caixa”, porque têm instruções bem claras de não entrar naquele espaço aéreo. Não obstante, seja lá por qual motivo, tiraram as fotos, e isso criou um rebuliço enorme dentro da comunidade de inteligência.
“As fotografias passaram por um processo de análise em várias agências de espionagem norte-americanas, na tentativa de se definir o que fazer com elas”, escreveu um oficial da CIA não identificado. Não houve um consenso. Elementos do Departamento de Defesa (DoD) chegaram a examinar a possibilidade delas serem liberadas. Já a NASA e o Departamento de Estado acharam que elas deveriam ser levadas para o Depósito Nacional de Registros Fotográficos de Sioux, em Iowa, e lá deixadas para que o tempo e a natureza façam seu trabalho. O memorando de McMahon ainda deixava subentendido que havia uma grande diferença entre a maneira com que as agências civis e militares do Governo dos Estados Unidos acreditavam estar cumprindo os seus papéis. A NASA tem laços com as atividades militares, mas é claramente uma agência civil. “Por isso, ao mesmo tempo em que são desconhecidos os motivos pelos quais seus funcionários achavam que as fotos deveriam ser liberadas, a razão mais provável é que eles acreditavam que uma agência civil não devia ocultar as suas atividades”. Grande parte das relações da NASA com outras organizações e governos estrangeiros parte do princípio de que a agência governamental não se envolve com espionagem, tampouco esconde suas atividades.
O autor do memorando acrescenta que há alguns casos complicados, “nos quais, para podermos agir de maneira correta, precisamos analisar detalhadamente o problema antes de uma decisão final. E isso incluiu a questão sobre se alguma coisa fotografada nos Estados Unidos pode ser secreta ou não, além de assuntos complexos abordados na Organização das Nações Unidas (ONU) referindo-se à política dos Estados Unidos para imagens do espaço, e também a questão sobre se era possível uma fotografia ser retida indefinidamente sem que acabasse vazando para o público”.
Laços com atividades militares — A resposta para a última questão é óbvia. As fotos foram retidas e o seu conteúdo nunca vazou para o público. Esse fato só veio à luz anos depois porque a CIA liberou o documento que se refere ao episódio, por força da Lei de Liberdade de Informações [Freedom of Information Act ou FOIA], mas não a fotografia. Além disso, a resposta para a primeira pergunta também é sim, uma vez que as agências envolvidas tornaram secretas fotografias tiradas por uma espaçonave não-secreta, como o Skylab, cuja utilização deveria ser pacífica e não militarizada. E no que se refere aos complexos assuntos abordados na ONU, eles sequer chegaram a ser levantados porque a entidade nunca tomou conhecimento da existência dessas fotografias!
Uma nota de capa desse memorando, aparentemente escrita pelo diretor de Inteligência Central, William Colby, manifesta dúvidas sobre a necessidade de sigilo quanto ao assunto porque se supunha que a extinta União Soviética já possuía tais informações, obtidas a partir dos seus próprios satélites. “Ademais, se as fotos fossem liberadas, não seria suficiente se a CIA alegasse que um trabalho secreto da Força Aérea Norte-Americana (USAF) era realizado no Deserto do Nevada?”, questionava Colby. Mas suas dúvidas parecem quase ingênuas quando comparadas às discussões que têm atormentado a Comunidade de Inteligência dos Estados Unidos por déc
adas, quando o assunto é a necessidade de um alto grau de sigilo – aqueles que se perguntam qual é o problema em se reconhecer o óbvio, quase sempre perdem a discussão.
Funcionários do Governo dos EUA freqüentemente se questionam quanto às vantagens de continuarem se recusando a confirmar ou liberar informações básicas sobre assuntos que vêm sendo abertamente divulgados e debatidos na imprensa há décadas. Por exemplo, a existência do Escritório Nacional de Reconhecimento (NRO), que controla o programa de satélites espiões norte-americanos, tornou-se publicamente conhecida em um artigo de 1971 do jornal New York Times. Entrementes, as discussões dentro dos círculos da inteligência continuaram pelos 20 anos seguintes, sem que se chegasse a uma conclusão sobre se deveria ou não ser confirmada sua existência. Finalmente, em setembro 1992, a existência do NRO foi revelada em uma lacônica declaração à imprensa que, vale a pena ressaltar, não chegou nem a utilizar a palavra satélite. E mesmo depois de tomada essa decisão, por diversos anos o NRO se recusou a confirmar que administrava lançamento de foguetes, outro fato completamente óbvio.
Curiosamente, essa recusa em admitir o que parece evidente foi deixada de lado somente no caso da própria Área 51. A existência de uma pista de pouso na base do Lago Groom foi inicialmente revelada quando ela ainda estava sendo construída. Mas foi somente em 1999 que a Força Aérea Norte-Americana (USAF) emitiu um breve comunicado reconhecendo que a instalação existia, apesar de diversas fotos feitas em terra e por satélite já estarem disponíveis há décadas. Além disso, pelo menos duas fotografias aéreas do Lago Groom, destinadas à pesquisa geológica e feitas entre 1959 e 1968, estavam disponíveis em arquivos públicos. Elas só foram descobertas muitos anos depois.
“Política da cebola” — Mas é preciso reconhecer que há uma lógica nessa política de segredo e de se recusar a confirmar um fato, ou até mesmo a existência de uma base aérea no Deserto de Nevada. Os funcionários de inteligência se referem a esta forma de sigilo como a “política da cebola”: cada camada retirada revela um pouco mais do que existe por dentro. E mesmo que a camada seguinte esteja visível de forma vaga, os defensores do sigilo incondicional querem ter certeza de que todas as camadas estejam nos seus devidos lugares. Essa política é definida em discussões sobre aspectos legais que ocorrem dentro das agências de governo. Lá, a preocupação não é tanto com as agências de inteligência estrangeiras, mas com os próprios cidadãos norte-americanos e a imprensa, com a sua habilidade em pedir a liberação de documentos por meio da FOIA. Recusando-se a reconhecer a existência de algo, as agências colocam uma barreira legal contra pedidos de informação de seus próprios cidadãos.
Por outro lado, os críticos do excesso de segredo argumentam que essa política é desnecessária, já que nenhuma lei obriga o Governo dos EUA a revelar qualquer coisa sobre suas instalações militares. A analogia da cebola pode ter lá a sua utilidade, mas também pode ter ido longe demais. A União Soviética era uma sociedade que levava o sigilo ao extremo, e chegava até a classificar como secretas coisas triviais, como um mapa rodoviário. Tal política exagerada teve alguma eficiência ao limitar a capacidade do Ocidente em saber o que eles estavam fazendo, mas um preço bem alto foi pago no que se refere à liberdade da população. O Governo norte-americano sempre considerou o conhecimento público mais importante do que a segurança nacional, porém costuma estabelecer limites todas as vezes que surgem situações questionáveis.
Minar a credibilidade — Os críticos do excesso de segredo também argumentam que alguma coisa está errada quando os inimigos dos Estados Unidos têm mais informações sobre as atividades do governo do que os seus próprios cidadãos. A base do Lago Groom já foi fotografada inúmeras vezes e em alta resolução pelos satélites espiões russos, de modo que a recusa em liberar até mesmo uma fotografia em baixa resolução tirada pelo Skylab significa levar um conceito abstrato – a política da cebola – às suas últimas conseqüências. Uma outra argumentação válida é a de que, quando o governo deixa de confirmar até mesmo o óbvio, essa atitude serve tanto para minar sua credibilidade e legitimidade quanto para incentivar especulações fantasiosas, como a de que existem hangares subterrâneos cheios de discos voadores e extraterrestres na Área 51. E mesmo com todos esses esforços, a informação ainda irá acabar vazando aos poucos, como em um conta-gotas. Enquanto várias agências governamentais estavam nervosamente discutindo se deveriam ou não colocar fotos de baixa resolução em um arquivo público, ninguém se deu conta de que várias fotos de alta resolução desse mesmo local já estavam disponíveis nesses mesmos arquivos. Nada mais se sabe acerca desse episódio envolvendo as fotos da Área 51 tiradas pelos astronautas do Skylab, além do fato de que não foram liberadas para o público. A NASA e o Departamento de Estado perderam claramente a disputa sobre o que fazer com as imagens para o Departamento da Defesa e a comunidade de inteligência, ao passo que os oponentes da liberação conseguiram, apesar de tudo, preservar a segurança nacional – pelo menos da maneira como eles a entendem.