Dos muitos eventos, relatos e notícias que temos dentro do universo ufológico talvez nenhum tenha causado tanta surpresa e comoção como as filmagens feitas na região de Yucatán, México, em março de 2004 [Veja edição 100]. Quando veio a público a notícia de que várias luzes não identificadas haviam sido filmadas pela Força Aérea Mexicana (FAM), em março do ano passado, comunidades céticas, ufológicas e científicas se agitaram. Cada uma delas querendo saber mais e entender melhor as diversas peculiaridades deste caso tão especial, que se tornou um marco dentro da casuística ufológica. O incidente foi o primeiro caso de avistamento de UFOs feito por militares daquele país em que dados, filmagens e depoimentos foram tornados públicos oficialmente – e no qual ufólogos e militares trabalharam em conjunto. Revelando muito mais do que UFOs brilhantes nos céus do México, o caso mostrou principalmente quanto a ufologia tem de crença e anseio pessoal, e qual a porção dela é de verdadeira pesquisa científica.
Na intenção de uma boa compreensão deste texto e também para posicionar o leitor quanto aos fatos, quero elucidar aqui dois pontos importantes. Primeiro, usarei o termo objetos voadores não identificados – OVNIs ou UFOs – em stricto sensu, ou seja, como objetos que voam e que não podemos identificar, não como um sinônimo para naves extraterrestres ou discos voadores. O segundo ponto se refere à pesquisa científica, ou seja, a pesquisa feita dentro dos critérios e procedimentos descritos pela metodologia científica, valendo-se para tanto de dados consistentes e verificáveis. Vejamos a seguir como, quando e em que condições ocorreu esse impressionante avistamento.
Alta tecnologia nos céus de Yucatán — Em 05 de março de 2004, o bimotor da FAM modelo Merlin C-26A fazia um vôo de rotina para rastrear aviões de contrabando de drogas durante uma operação antinarcóticos. O avião tinha a bordo equipamentos digitais de alta tecnologia para registrar e gravar toda a operação. Entre eles estavam um detector ou sensor de infravermelho com câmera digital do tipo Flir Star Safire II e um radar do tipo AN APS, ambos operados por pessoal qualificado. Todas as manobras estavam sendo gravadas em modo visual e em infravermelho. A tripulação era formada por oito militares, porém só dispomos dos seguintes nomes. O major Magdaleno Jasso Núñez era o comandante da aeronave, o tenente Germán Ramirez seu operador de radar e o tenente Mário Adrián Vásquez, o operador do Flir. Todos são oficiais pertencentes ao 501º Esquadrão Aéreo, experientes em vôos de observação. Este tipo de avião está programado apenas para procedimentos de sobrevivência e detecção, não para manobras de combate ou interceptação.
A missão dos aviadores era detectar vôos de eventuais distribuidores de drogas e, então, imediatamente, reportá-los à base, que providenciaria o envio de aeronaves de combate para interceptar os traficantes. De acordo com o horário mostrado na tela do Flir, às 16h42 o Merlin C-26A detectou pelo radar um tráfego desconhecido sobre o espaço aéreo de Ciudad Del Carmén, no estado de Campeche, a uma distância de aproximadamente 8 km da aeronave. Seguindo o protocolo e suspeitando que se tratasse de uma aeronave de tráfico que havia decolado de uma pista próxima à cidade de Candelária, o major Jasso Núñez pediu ao operador de Flir que procurasse localizá-la – já que estava sendo registrada pelo radar de bordo. Embora buscasse em todas as direções, o Flir nada mostrava que correspondesse a um alvo móvel, nem em modo normal, nem em modo infravermelho. A aeronave fez então uma manobra de aproximação buscando o contato com o objeto, porém nada conseguiu. Durante 10 minutos o Merlin seguiu seu alvo sem nada enxergar. Às 16h52 a aeronave fez uma curva acentuada para a direita e, às 17h03, o Flir finalmente captou a primeira imagem em infravermelho de um objeto que se deslocava em direção à Carmén. A partir das 17h09 várias outras imagens começaram a aparecer na tela do Flir, sempre em modo infravermelho. Porém não havia leitura de radar correspondente a elas e a tripulação continuava a não enxergar nada.
Segundo declarações do tenente Ramirez, operador de radar, os 11 alvos não foram captados na tela do aparelho. “Inicialmente, somente um alvo foi detectado pelo radar. Então, outro alvo apareceu num disparo, repentinamente, na parte dianteira da aeronave e ligeiramente à nossa direita. Logo um terceiro surgiu na parte traseira do avião”, relatou o militar. Aqueles foram os únicos três alvos que apareceram na tela de radar durante o incidente. “Outros que estavam em alta velocidade em nosso lado esquerdo, num total de nove, não apareceram no radar”, completou Ramirez. O inusitado da situação causou uma reação de euforia e expectativa na tripulação, de acordo com a gravação do vôo que ouvimos, e o comandante chegou a comentar: “Jovens, não estamos sós. Que coisa rara”.
Objetos invisíveis aos militares — O mais bizarro, entretanto, foi que, embora soubessem que havia 11 artefatos desconhecidos próximos a eles, nenhum dos membros da tripulação conseguia vê-los. “O radar indicou que os objetos realizavam mudanças drásticas de direção e sua velocidade, que era de 60 nós [Aproximadamente 110 km/h], se alterava para 120, 220 e 330 nós [220, 400 e 610 km/h], coisa que jamais havia visto”, declarou o tenente Germán Ramirez. Apesar da situação ser tensa e inusitada, em momento algum houve pânico a bordo – embora, segundo palavras do comandante, tenha havido um momento, “quando as telas mostraram que eles estavam atrás de nós, do nosso lado esquerdo e à nossa frente, que eu realmente fiquei preocupado”. Entretanto, ele manteve a calma, assim como sua tripulação trabalhou rápido para gravar, filmar e monitorar todos os detalhes desta situação incomum, conscientes de seu dever como militares bem treinados. Numa tentativa de estabelecer algum contato com os objetos, Jasso Núñez chegou a apagar todas as luzes da aeronave, porém nada aconteceu. Segundo o militar, ele desligou a iluminação “… talvez por instinto, pensando que isso poderia ajudar de alguma maneira”.
Yucatán é uma terra linda por natureza, onde viveram nossos antepassados astecas, que eram tão avançados que até pirâmides tinham
– Santiago Yturria Garza
Ele declarou ainda que, como comandante do vôo, sentiu que tinha que tomar alguma decisão, “…porque o sinal que eu recebia era que estávamos sendo seguidos. Desligando nossa luz, eu esperava uma reação similar deles. Foi por instinto”. Afinal, após alguns minutos, os objetos simplesmente desapareceram das telas, pondo fim à estranha experiência vivida por estes homens. O av
ião retornou em segurança para a base da FAM e o major Jasso Núñez e sua tripulação prepararam um completo e minucioso relatório do incidente.
Quando o secretário de Defesa do país, general Clemente Vega Garcia, tomou conhecimento do relatório do comandante da missão, começou uma investigação completa para estudar e avaliar cada detalhe do caso – incluindo declarações da tripulação, imagens, leituras e as medições de todos os equipamentos, e uma completa verificação dos dados meteorológicos. A investigação foi conduzida confidencialmente e seguiu todos os procedimentos necessários. O caso foi declarado “inexplicado”.
Chegar ao fundo do incidente — Na noite de 20 de abril de 2004, o pesquisador mexicano Jaime Maussán confidenciou por telefone a um amigo que havia sido contatado por um alto oficial do Departamento de Defesa e que este lhe pedira um encontro para discutir um assunto de grande importância. Preocupado, Maussán não sabia o que esperar da reunião, chegando a pensar que poderia ser algo relacionado a seu programa de TV Los Grandes Misterios Del Terceiro Milénio, que vem alcançando grande audiência no país. O encontro aconteceu no dia seguinte, reunindo o pesquisador, o secretário de Defesa Clemente Vega e os oficiais de seu Estado-Maior num clima de tranqüilidade. O secretário falou francamente sobre o ocorrido em 05 de março com o Merlin C-26A da FAM, mostrando a Jaime alguns trechos do filme e dando todos os detalhes do incidente. Clemente Vega colocou à disposição do pesquisador filmes, dados e depoimentos, inclusive autorizando a tripulação a ser entrevistada sem censuras por Maussán para fins de pesquisa. A intenção do general era encontrar elementos que não estivessem em sua própria base de dados, com o propósito de chegar ao fundo do incidente.
As imagens foram trazidas à Secretaria de Defesa, nós as analisamos e chegamos à conclusão de que havia duas possibilidades: podíamos arquivá-las como um problema de rotina ou dá-las a uma pessoa que conhecesse este tipo de coisa, que nós sabemos ser Jaime Maussán
– General Clemente Vega Garcia
No dia 22 de abril de 2004, Maussán recebeu do secretário de Defesa cópia de todas as filmagens e dados coletados pelo Merlin durante o incidente para estudos, avaliações e análises. Isto seria feito por ele e sua equipe de pesquisadores como uma pesquisa adicional àquela feita pela Secretaria de Defesa, na tentativa de estabelecer possíveis motivos e conseqüências do incidente. Não bastasse esta atitude de colaboração inédita, ao perguntar ao general se após a apresentação das conclusões da pesquisa independente ele concordaria que o caso viesse a público, Clemente Vega respondeu: “Nós sabemos que o senhor fará um bom uso deste material, senhor Maussán”. Começava a se desenhar, então, o que poderia vir a ser o maior caso de pesquisa ufológica do México.
Um completo estudo foi feito pela equipe de pesquisa de Maussán, cuja conclusão foi de que existiam objetos sólidos de origem desconhecida voando no espaço aéreo mexicano, junto ao Merlin C-26A. O caso veio a público em 09 de maio de 2004, domingo, durante a edição semanal do programa que Maussán conduz em parceria com Santiago Yturria [Representante da Revista UFO no país], pela rede Multimedios de TV. Informações foram repassadas à outras emissoras a partir de 10 de maio. Nos dias que se seguiram, o filme dos supostos UFOs foi veiculado através de emissoras de TV e sites da internet em vários países. A reação da comunidade ufológica foi imediata, e a palavra que melhor define os sentimentos dos pesquisadores, ao lerem a notícia, é “surpresa”. No dia 11 de maio, o trânsito em determinadas páginas da web aumentou tanto, devido à busca de informações, que vários sites simplesmente travaram pelo grande número de acessos.
Os militares escolhem um ufólogo — Apesar de agradavelmente recebida pelos ufólogos, a atitude do general Clemente Vega suscitou, principalmente por parte da imprensa, uma cobrança de esclarecimento sobre sua atitude de entregar os filmes e dados ao jornalista Jaime Maussán, e o porquê de não acionar a comunidade científica mexicana. As respostas foram dadas pelo secretário numa entrevista ao jornalista Carlos Loret de Mola, do Grupo Rádio Pol: “As imagens foram trazidas à Secretaria de Defesa, nós as analisamos com pilotos e com o pessoal técnico de nossa equipe e chegamos à conclusão de que havia duas possibilidades: podíamos arquivá-las como um problema de rotina, pendente para análises futuras, ou podíamos dá-las a uma pessoa que conhecesse este tipo de coisa, que nós sabemos ser Jaime Maussán”. Numa atitude inédita em todo o mundo, um ufólogo foi escolhido pelos militares para a tarefa. “Maussán veio, assistiu ao vídeo e este lhe foi dado para ser usado em seus projetos e divulgado na mídia, exatamente da maneira como ele assistiu, sem alarmar ninguém”, complementou o secretário.
Quanto à comunidade científica do México ter sido preterida, o general declarou que não fazia qualquer objeção a que cientistas vissem e analisassem as imagens. “Também não tenho razões para me perguntar porque não os procuramos. Talvez tenha sido porque nós não os conhecemos, não sabemos quem são. Em nenhuma circunstância eu suspeitaria de má-fé neste assunto”. Frisando um posicionamento não tendencioso por parte da Secretaria de Defesa, o general disse em uma outra entrevista, quando lhe perguntaram se concordava com as opiniões de Maussán de que os objetos voadores não identificados se tratavam de discos voadores, “que aquele era o ponto de vista dele [De Maussán], e por isso lhe foram entregues os vídeos, para que ele pudesse esboçar suas próprias conclusões. Mas esta é a versão dele”. Clemente Vega disse ainda que existia ao redor do planeta uma comunidade interessada em ver as coisas como Maussán, o que não representava sua opinião. “Tudo que faço é deixar os vídeos disponíveis. É isso. Não há complicações, nem nada de extraordinário no fato. Pessoalmente não tenho hipótese alguma. Tudo que posso dizer é que aqueles objetos estavam lá e foram gravados”.
Ainda sobre a inédita divulgação do vídeo oficial das FAM, alguns setores da imprensa mexicana cogitaram ser esta atitude uma tentativa de desviar a atenção pública dos problemas ligados à corrupção dentro do país, ou à crise diplomática que estava acontecendo entre Cuba e o México. “As pessoas têm o direito de pensar livremente o que quiserem, mas posso garantir que não há nenhum trabalho desta natureza. Não é meu propósito ‘distra
ir’ ninguém, e nem seria esta minha atitude como militar”, declarou o general.
A eterna obrigação de explicar — Diversas teorias surgiram de imediato, principalmente vindas da comunidade científica, que neste caso se sentiu cooptada e na obrigação de “explicar” de forma definitiva o que poderiam ser as luzes filmadas pelo Merlin. Mas hipóteses que surgiram foram prontamente descartadas por carecerem de dados comprobatórios. Relâmpagos esféricos, sondas meteorológicas, balões climáticos, aperfeiçoamento da tecnologia Stealth, reflexos de filmagem e mau funcionamento dos aparelhos foram algumas das hipóteses que apareceram logo nos dias seguintes à divulgação das imagens. Uma a uma, todas foram eliminadas. No entanto, a idéia lançada primeiramente pelo capitão Alejandro Franz Navarrete, no final de maio, de que as luzes filmadas seriam na verdade as chamas das torres das refinarias Cantarell, no Golfo do México, ganhou corpo. Alguns renomados pesquisadores internacionais, entre eles Claude Poher, John Smith e Bruce Maccabee, dedicaram-se a averiguar se as afirmações do capitão Franz Navarrete tinham algum fundamento.
Cabe dizer que, ao serem lançadas, as afirmações de Franz Navarrete provocaram vigorosos protestos na comunidade ufológica mundial, por parecerem completamente descabidas. Como dissemos no começo deste texto, o Caso México acabou por revelar o grau de maturidade e consistência em que se encontra a pesquisa dentro da própria ufologia. Embora os protestos contra as afirmações de Franz Navarrete fossem veementes e muitas pessoas o considerassem apenas alguém que queria desmerecer o caso e o pesquisador Maussán – eles tiveram desentendimentos pretéritos – não foi isso que a pesquisa científica mostrou. Quando a pesquisa prévia feita por Franz Navarrete foi aprofundada por outros pesquisadores, mostrou-se consistente e como uma possível explicação para parte das luzes filmadas pela tripulação do Merlin. Pesquisadores brasileiros se juntaram à equipe multinacional de investigação e, por sua vez também, refizeram os passos das pesquisas que haviam sido publicadas. Suas conclusões não diferem das de seus colegas estrangeiros.
Refinarias de petróleo — De fato, parte das luzes filmadas em 05 de março de 2004 pela equipe de oficiais da Aeronáutica mexicana muito provavelmente são as potentes chamas das refinarias de petróleo de Cantarell, que em alguns casos alcançam a altura de 70 m. Como as imagens foram feitas em infravermelho, que é basicamente calor, e nada foi visto a olho nu ou captado pelo Flir em modo se visualização normal, a teoria das refinarias como sendo as fontes do calor captadas pelo aparelho parece à primeira vista uma explicação bastante razoável. Porém, ainda há mais. Um dos pontos luminosos detectados na região, onde parece haver coincidência de registro pelo radar e pelo Flir, permanece inexplicado – portanto, definido como um UFO ou OVNI. A própria teoria das refinarias ainda carece de comprovação experimental, bastando para tanto que o vôo fosse refeito nas mesmas condições climáticas, com a mesma aeronave e instrumentos com igual calibragem. Não temos notícia de que isso tenha ocorrido ou que tenha data marcada para ocorrer. Enquanto não houver comprovação experimental, embora consistentes, essas idéias permanecem como hipótese.
A pesquisa deste caso, entretanto, tem meandros que devem ser profundamente analisados e sobre os quais todas as pessoas ligadas ao universo ufológico devem refletir intensamente. Quando digo “universo ufológico” refiro-me à linha que vai de um extremo, onde se encontram os compulsivamente céticos, ao outro extremo, onde estão os compulsivamente crentes. Talvez até pudéssemos, num exercício de imaginação, unir estes dois grupos e formar assim um círculo, pois tanto uns como outros agem movidos por uma necessidade íntima premente de sentirem-se seguros de suas idéias – muitas vezes dogmáticas e inflexíveis. São os dois lados de uma mesma coisa, tal como o dia e a noite o são em relação ao movimento da Terra em torno de si mesma. Assim como não se passa do dia para a noite em um segundo, também não podemos esquecer que, entre um extremo e outro do universo que envolve o fenômeno ufológico, há diversos posicionamentos e idéias.
De qualquer forma, o Caso México mostrou ser uma fotografia panorâmica do momento em que se encontra a ufologia mundial, e um agente cuja principal função deveria ter sido a de impulsionar a pesquisa no sentido mais intrínseco da palavra – que é buscar a verdade que existe por trás dos fatos. Tudo deve ser questionado, verificado e principalmente contextualizado na investigação de um caso ufológico, antes que se possa comprová-lo ou negá-lo. Quando uma pesquisa é feita, idéias pré-concebidas devem ser postas de lado, a fim de se obter resultados confiáveis e angariar dados e conhecimentos fidedignos, que podem e devem ser inseridos num corpo de conhecimento maior – neste caso, a ufologia.
Invasão extraterrestre — O que a fotografia panorâmica deste caso revelou, entretanto, parece assustador. Vimos surgir pessoas alegando que as luzes do México eram resultado de mentalizações feitas na Alemanha, que eram portais interdimensionais e até naves de plasma, o que quer que sejam elas. Por outro lado, vimos pessoas dizendo que eram falhas do equipamento instalado no Merlin, ou meras bolas de gás. Enfim, vimos os “negadores” do Fenômeno UFO emudecerem por algum tempo, da mesma forma que vimos os “crentes absolutos” comemorarem porque finalmente havia o que eles consideram a prova definitiva de que os ETs estão nos visitando…
Outro ponto que se evidenciou com clareza nessa fotografia foi o posicionamento contrário de um número espantoso de ufólogos em relação à utilização da pesquisa científica e da Ciência na investigação da casuística. Parece haver por parte de muitos pesquisadores uma espécie de alergia à Ciência, um sintoma que merece ser melhor entendido. Aliás, precisa ser entendido e combatido, para que haja progresso na mentalidade muitas vezes pueril que
toma conta da comunidade ufológica e transforma estudos que deveriam ser sérios, em contos de fadas com roupagem tecnológica e futurista. A questão da aversão à Ciência ou à pesquisa científica na ufologia é um assunto profundo e de forma alguma espero esgotá-lo em poucas linhas. Porém não posso me furtar a explorá-lo, ainda que brevemente.
Quando se fala em Ciência, muitas pessoas que compõem o universo ufológico reagem mal, alegando que “a Ciência humana nada sabe”. Ou que “a humanidade ainda está muito atrasada e que a Ciência do planeta Terra não serve para analisar fatos vindos da ufologia”. Mas que outra Ciência temos para utilizar? Que outra ferramenta existe para testarmos teorias e hipóteses, ou, antes disso, formularmos teorias e hipóteses? O fato de temermos que algo que queremos que seja a verdade seja posto à prova, e que este algo não resista a padrões ordenados de teste, derrubando assim nossas esperanças por terra, não pode mais balizar o pensamento ufológico. Por outro lado, a posição dos acadêmicos em geral, que se negam a trabalhar a hipótese de que poderíamos estar de fato recebendo a visita de seres de outros planetas, antes de ser um argumento que amadureça a pesquisa ufológica, torna-se um argumento usado por muitos ufólogos para desacreditar a Ciência .
Discussões infrutíferas e dogmáticas — Para piorar ainda mais o cenário, acrescentemos aqui a interferência dos céticos compulsivos, que provocam discussões totalmente infrutíferas e muitas vezes extremamente dogmáticas, que desafiam os pesquisadores ufológicos a provar aquilo que afirmam – sem que muitos deles sequer se dêem ao trabalho de pesquisar os argumentos apresentados pela outra parte. Mais uma vez, quem aparece como a vilã da ufologia é a Ciência, pois é usada pelos desafiantes não como argumento de discussão, mas como arma de ataque. É inconcebível pensar em ufologia sem pensar em Ciência. Dependemos do aperfeiçoamento tecnológico, das pesquisas da geologia e da arqueologia, dos dados da astrofísica, do desenvolvimento de novos campos da física. Isso sem falarmos dos outros e vitais conhecimentos que deveriam complementar a pesquisa ufológica ligados à neurologia, psicologia e ciências humanas.
No momento em que cresce dentro dos ambientes acadêmicos um movimento que visa à multi e interdisciplinaridade, a ufologia parece caminhar na contra-mão, fechando-se à fusão dos conhecimentos e dando voltas em torno de si mesma. Vale lembrar que na antiga queda de braço entre cientistas e ufólogos, quando posições extremadas são tomadas de ambos os lados, muitas vezes os pesquisadores esquecem que a Ciência é, ao menos por definição, neutra enquanto ferramenta de pesquisa. O incidente ocorrido no México foi registrado por aparelhos vindos do ambiente científico e resultantes do desenvolvimento tecnológico. O equipamento Flir não escolheu o que filmar – ele simplesmente filmou o que havia para ser filmado. E assim como registrou as luzes de Cantarell – e tudo indica que sejam mesmo elas – poderia ter registrado uma nave extraterrestre – caso esta estivesse emitindo calor naquele momento e naquele lugar. Por isso, lembro aos leitores que negar por negar, ou crer por crer, não leva a nada. Se por um lado ufologia não é religião e não deve ser vista como tal, também não é esporte de doidos alucinados, onde tudo que se diz é bobagem.
Tivemos um esforço internacional de pesquisa, com pessoas gabaritadas e sérias que se uniram a fim de elucidar o que, afinal de contas, a tripulação do Merlin havia filmado. Todo este esforço investigativo e tantos dados técnicos estão esmiuçados na matéria do consultor de UFO Rogério Chola, um dos pesquisadores brasileiros que compôs o grupo [Veja artigo nesta edição]. O resultado deste trabalho conjunto, além de conferir credibilidade aos autores, trás credibilidade à ufologia. Isto pode não atender aos apelos fervorosos de algumas correntes ufológicas, mas se algum dia a ufologia pretende tornar-se Ufologia – com U maiúsculo –, o caso México mostrou qual é o caminho.
Nada adianta esta ferrenha implicância dos ufólogos quanto aos resultados que pesquisas científicas objetivas demonstram. Da mesma forma que de nada adianta a recusa em admitir que o afastamento que existe entre ufologia e Ciência é extremamente prejudicial a ambas. Porém, a Ciência caminha bem sem a ufologia e não precisa dela para seus desenvolvimentos. Já a recíproca não é verdadeira. A ufologia sem Ciência nada mais é que crença e obscurantismo. A meta além do tempo é o que deve pautar os estudos e pesquisas de quem se dedica à ufologia. Não provar, nem ganhar a discussão, mas alcançar um mínimo de entendimento daquilo que representa o Fenômeno UFO. Quando esta meta se transforma em idolatria ou em sonhos delirantes, quando o conhecimento cede lugar à fantasia, estamos diante de um quadro perigoso.
Há uma frase no livro A Filosofia Perene [Editora Cultrix, 1994], de Aldous Huxley, que ilustra bem o que busquei discutir neste artigo e que deixo aos leitores como tema de reflexão. “A política daqueles cuja meta está além do tempo é sempre pacífica. São os idólatras do passado e do futuro, da memória reacionária e dos sonhos utópicos, que fazem perseguições e promovem guerras”.