A eventualidade da interação direta com entidades não humanas é somente uma fração do problema que envolve a questão ufológica, não podendo, em si mesma, ser completamente compreendida sem referências à história, sociedade e cultura. Seus efeitos são sempre novos, raros e dramáticos. A questão central é que não sabemos como lidar com o que não se encaixa em determinada estrutura psicológica ou social, que não pré-exista em um modo de “produção de poder” já conhecido. Nossa condição sempre será frágil e precária ante o que não conhecemos, daí porque, no processo de apreensão da diferença, tenhamos a tendência de não olhar para o diferente, nos concentrando em nós mesmos e no que é mais comum.
A relação entre o eu e o outro é sempre complexa, tensa, turbulenta, assimétrica e arriscada, além de incompleta. A presença do outro é fugaz, já que não há a capacidade de se fixar nele, que está em constante movimento e mudança. No artigo Identidades Inseridas: Algumas Divagações Sobre Identidade, Emoção e Ética, escrito em junho de 2003, o antropólogo João de Pina Cabral, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, afirma que “apesar do eu surgir a partir do outro, a descoberta do outro dentro do eu é um fato paradoxal e ameaçador. Ora, como a identidade depende do outro para a sua constituição, ela é sempre ameaçada interna e externamente pela inevitabilidade do outro. O outro, na verdade, habita a nossa existência como um intruso”.
Já o búlgaro imigrante na França, lingüista, semiólogo, filósofo e historiador Tzvetan Todorov, lidando com o Conceito de Alteridade [Razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo por que não podemos dizer o que uma coisa é sem a distinguir de outra], pondera no livro A Conquista da América: A Questão do Outro [Editora Martins Fontes, 1993] que “pode-se descobrir os outros em si mesmo e perceber que não se é uma substância homogênea, mas radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo. O eu é um outro”. Por esse motivo, a descoberta da América é uma experiência essencial para nós hoje, pois além do valor paradigmático, ela encerra outro, de causalidade direta. É a conquista da América que anuncia e funda nossa identidade presente e antecipa o quão trágico e desastroso pode vir a ser uma confrontação cultural com seres tecnologicamente superiores. Quanto maior a discrepância dos mundos que se defrontam, tanto mais grotescos serão os efeitos.
Exemplo que não se pode ignorar
O jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano relata em seu livro As Veias Abertas da América Latina [Editora Paz e Terra, 1983] a exploração sofrida pelas nações latino-americanas desde a formação dos impérios hispânico e português, passando pelo assédio inglês e norte-americano, até o arrocho imposto pela economia internacional nos dias atuais. Para o autor, “o desnível do desenvolvimento de ambos os mundos explica a relativa facilidade com que sucumbiram às civilizações nativas”. Enquanto “a civilização que se abateu sobre estas terras, vinda do além-mar, vivia a explosão criadora do Renascimento, a América aparecia como uma invenção a mais, incorporada, junto com a pólvora, a imprensa, o papel e a bússola, ao efervescente nascimento da Idade Moderna”. Entre os indígenas da América havia de tudo: astrônomos e canibais, engenheiros e selvagens da Idade da Pedra, mas nenhuma das culturas nativas conhecia o ferro nem o arado, nem o vidro ou a pólvora, e tampouco empregava a roda, a não ser em pequenos carrinhos.
O conquistador espanhol Hernán Cortez distinguiu-se na conquista de Cuba em 1511. Em 1519, acompanhado por não mais que 100 marinheiros e 508 soldados, além de 16 cavalos, 32 bestas, 10 canhões de bronze, alguns arcabuzes, mosquetões e pistolas, desembarcou na costa mexicana, fundou Vera Cruz e marchou sobre a capital asteca, onde ele e seus homens foram recebidos como divindades. “Bastou-lhe isso. E, entretanto, a capital dos astecas, Tenochtitlán, era cinco vezes maior do que Madri e tinha o dobro da população de Sevilha, a maior das cidades espanholas”, lembra Galeano. Cortez aprisionou o imperador Montezuma, reprimiu cruelmente uma revolta e estendeu a dominação espanhola por todo o México. Os índios foram reduzidos a escravos nas terras e nas minas.
O comportamento ambíguo, hesitante, do próprio Montezuma, não opôs a Cortez praticamente nenhuma resistência. Francisco Pizarro, por outro lado, entrou em Cajamarca, à 860 km ao norte de Lima, Peru, com tão somente 180 soldados, 37 cavalos, e derrotou um exército de 100 mil índios. “Teriam os espanhóis triunfado sobre os índios com a ajuda dos signos?”, pergunta Todorov. “Os indígenas foram derrotados também pelo assombro”, assevera Galeano. O imperador Montezuma recebeu, em seu palácio, as primeiras notícias de que um grande “monte” andava mexendo-se pelo mar. “Outros mensageiros chegaram depois e muito espanto lhes causou ao ouvir como dispara um canhão, como ressoa seu estrépito, como derruba as pessoas, e atordoam-se os ouvidos. E quando cai o tiro,uma bola de pedra sai de suas entranhas: vai chovendo fogo”.
Por todas as partes tinham os corpos envoltos, somente com os rostos à mostra. “Eram brancos, como se fossem de cal. Tinham cabelo amarelo, embora alguns eram pretos. Sua barba era grande”. Montezuma acreditou que era o deus Quetzalcóatl que estava voltando, como havia lhe sido anunciado em oito presságios. Em um deles, os caçadores haviam trazido uma ave com um diadema redondo na cabeça, que continha um espelho. Este refletia o céu e o Sol na direção do poente. No objeto, Montezuma viu marchar sobre o México os esquadrões dos guerreiros. Quetzalcóatl tinha vindo e seguido pelo leste, era branco e barbudo, como Viracocha [Que significa o criador de todas as coisas], deus e herói civilizador do panteão inca.
Esses vingativos deuses, que agora regressavam para saldar contas com seus povos, traziam armaduras e camisas de malha, escudos brilhantes que devolviam os dardos e as pedras. Suas armas disparavam raios mortíferos e escureciam a atmosfera com fumaças irrespiráveis. Os conquistadores praticavam também, com refinamento e sabedoria, a técnica da traição e da intriga. Souberam aliar-se com os tlaxcaltecas [Hábeis arqueiros e guerreiros habitantes de Tlaxcala, localizada na região central do México] contra Montezuma e explorar, com proveito, a divisão do império incáico entre Huáscar e Atahualpa, os irmãos inimigos.
“Navio das nuvens”
Uma vez abatidas pelo crime, as chefias indígenas souberam ganhar cúmplices entre as castas dominantes intermediárias, sacerdotes, funcionários e militares. Bartolomé de Las Casas, frade dominicano, cronista e teólogo que se tornaria bispo de Chiapas e defensor dos índios, foi testemunha ocular da perseguição e autos-de-fé que, segundo ele, sacrificaram mais de 12 milhões de pessoas em holocausto ao seu Deus e em nome dos reis da Espanha. “Eles nos saudaram como se viéssemos do céu”, escreveu Cristóvão Colombo em seu livro de bordo, após aportar numa ilha das Bahamas. Essa tendência foi eficientemente explorada pelos seus conterrâneos Cortez e Pizarro. Em 22 de abril de 1500, o fidalgo e navegador português Pedro Álvares Cabral também foi agraciado com ruidosas homenagens pelos índios, assim que desembarcou na “Terra de Santa Cruz”, mais tarde o Brasil, da qual tomou posse em nome do rei Dom Manuel, de Portugal.
O político, escritor e navegador inglês Walter Raleigh, que por ordem da rainha Elisabeth I procurava pelo lendário Eldorado [País imaginário que possuiria ouro e pedras preciosas em abundância], foi recebido triunfalmente pelos índios da Virgínia. Em 1565, o capitão francês Jean Ribault marcou sua chegada na Flórida erguendo uma coluna ornada com um brasão. Anos mais tarde, seu conterrâneo Landonnière encontrou a coluna enfeitada de grinaldas e rodeada de oferendas. Ele mesmo foi cumulado de presentes pelos nativos. Já no Taiti, o navegador inglês James Cook foi recepcionado como Rongo, o deus que abandonara a ilha em um “navio das nuvens”. Em todas as partes da África onde os portugueses e espanhóis fincaram colunas ou postes coloridos de demarcação de fronteiras surgiram cultos que mencionavam a aparição de misteriosos homens brancos.
Muitos hoje em dia esperam que os extraterrestres lhes salvem da autodestruição e os conduzam às estrelas, adorando-os como deuses da mesma forma que os nossos antepassados adoravam os que supostamente lhes teriam transmitido a cultura e o princípio civilizatório. “Deuses” esses que, no retorno, aproveitando-se do próprio culto que lhes rendiam, acabaram por escravizá-los e praticamente dizimá-los. Seriam os místicos, esotéricos, contatados e mentores de seitas ufológicas a quinta coluna da invasão extraterrestre?
Humanos, apenas gado para ETs?
A questão da problemática ufológica é extremamente complexa, como se viu acima. E isso nos remete a algo que compensa comentar. Sui generis por seu grau extremado de ambiciosa paranóia, a seita ufológica argentina Radar-1, também conhecida por Comando Ashtar, ganhou notoriedade em janeiro de 1998, com o anúncio do suicídio de seu líder Guillermo Romeu, 41 anos, ex-aluno da Escola Científica Basílio. Ex-espírita, ex-seguidor do pastor evangélico Héctor Aníbal Giménez, ex-membro da Igreja Messiânica Mundial e da Federação de Igrejas Pentecostais e auxiliado por Brian Kurt Bach, andava convicto de que uma raça maligna de ETs — os famosos grays [Cinzas] — estava se apossando da Terra, em comum acordo com o governo dos Estados Unidos, conivente com suas práticas abdutoras e experiências genéticas.
Para rechaçarem um presumido ataque desses seres, deveriam treinar militarmente e municiar-se com um arsenal de revólveres, pistolas, fuzis, metralhadoras, bombas incendiárias, gás lacrimogêneo, escudos etc. Romeu fez de sua luxuosa casa em Boulogne, província de Buenos Aires — onde também funcionava sua emissora pirata de rádio, a FM Manantiales —, um verdadeiro bunker, tanto que cercou a propriedade com um alambrado de arame farpado e instalou uma antena de 35 m, duas parabólicas e um circuito fechado de televisão, tudo como precaução contra uma eventual agressão extraterrestre. Na casa, viviam três famílias: a de Romeu, a de Bach e outra cuja identidade se desconhece. O desmembramento do grupo aconteceu quando Romeu foi denunciado por sua concubina Eleonora Cecília Díaz por maus tratos e ameaças.
Meros objetos de manipulação
Deprimido, o líder espiritual foi até a província de Salta, onde estava sua ex-companheira, e na frente dela e de seus filhos disparou contra a própria cabeça utilizando uma das armas de seu arsenal, um revólver Magnum 44, que originalmente deveria tirar a vida de algum agressor extraterrestre. Pouco antes havia tentado convencer alguns membros do grupo a também se suicidarem e, assim, viajarem até “o mais além”. Porém, felizmente, a insensatez, o fanatismo e a loucura de seus seguidores não chegaram a tanto. A polícia tentou investigar a seita, mas praticamente perdeu o rastro dos demais integrantes, com exceção de Eleonora Díaz. As autoridades suspeitavam que pudesse haver um depósito de armas, com magnitude superior àquela utilizada por Romeu, em outras cidades, como, por exemplo, em San Isidro.
Os vizinhos da casa em Wernicke relataram que os membros da seita costumavam reunir-se à noite e a portas fechadas, e quando implantaram a rádio interferiram em todo o bairro. “Sempre que saía com sua caminhonete ou em um de seus vários veículos, Romeu levava uma arma na cintura. Além disso, ele usava relógio de ouro e tinha duas motos Honda”, disse um dos moradores. Apesar de tudo, “a seita antimarciana poderá seguir funcionando”, resignou-se o secretário de Cultos da Nação, Angel Centeno, já que estava inscrita como igreja nos registros oficiais do governo desde 1992.
Romeu e muitos outros que, de maneira mais ou menos exagerada, cultivavam a mesma paranóia difundida a partir dos EUA por Milton Cooper e John Lear — respaldada no Brasil pelo psicólogo e ufólogo Ernesto Bono, em seu livro A Grande Conspiração Universal [Editora Bonoppel, 1994], e exaustivamente propalada em séries de televisão como Os Invasores e Arquivo X &mdas
h;, denotavam a influência, direta ou indireta, do ex-sacerdote jesuíta espanhol Salvador Freixedo. Ele foi o mais ardoroso defensor da corrente segundo a qual para os extraterrestres os humanos não passariam de objetos de manipulação e fontes de recursos para suprir suas próprias necessidades biológicas e espirituais.
Com apenas 16 anos, Freixedo ingressou em 1939 na Ordem Jesuítica. Estudou humanidade na Universidade de Salamanca, filosofia em Santander — onde se ordenou sacerdote em 1953, iniciando seu sacerdócio evangelizador que o levaria a conhecer 12 países —, teologia em São Francisco e psicologia na Universidade da Califórnia (UCLA) e em Fordha, Nova York. Em 1947, esteve pela primeira vez na América Latina. Deparou-se em Cuba com o “cristianismo de classes”, constatando que a Ordem Jesuítica aceitava somente alunos pertencentes a mais alta casta, enquanto o povo pobre sofria mil privações. Isso o levou a escrever seu primeiro livro, Quarenta Casos de Justiça Social: Exame de Consciência para Cristãos Distraídos [1953]. Por causa da obra foi expulso do país pelo ditador Fulgêncio Batista.
Fenômenos paranormais
Devido aos vários escândalos em que esteve envolvido nos anos 70, Freixedo foi expulso da Ordem Jesuítica e impedido de exercer seu sacerdócio, o que o levou a concentrar-se na investigação dos milagres, UFOs e fenômenos paranormais. Na República Dominicana, ensinou história da igreja no Seminário Interdiocesano de Santo Domingo. Fundou o Instituto Mexicano de Estudos de Fenômenos Paranormais e presidiu o primeiro grande congresso internacional organizado pela instituição. Na Venezuela, escreveu um livro que também lhe valeu a expulsão daquele país. Das inúmeras teorias que desenvolveu, a mais citada e apropriada é a das Escalas Cósmicas, que prevê diferentes níveis de existência para os seres em geral.
Os que estão situados em patamares superiores tendem, por natureza, a se aproveitarem de muitas maneiras dos que estão em níveis inferiores. Nesse sentido, Freixedo postula que os múltiplos deuses adorados pelo homem ao longo da história nada mais são do que manifestações dos ditos seres que há milênios o vêm enganando. Não haveria, portanto, nem um deus único, tampouco um verdadeiro, como querem as religiões criadas por esses próprios indivíduos para melhor iludir o homem e manipulá-lo.
Todas as hipóteses de Freixedo convergem para um só princípio: o de que o planeta Terra tem sido desde as suas origens uma “granja” para criaturas muito mais evoluídas do que o homem. Enquanto este não despertar da letargia mental e espiritual em que as “divindades” o colocaram e o mantém, seguirá submetido aos seus caprichos.
Não há um Deus verdadeiro?
Se por um lado chega a ser surpreendente que um sacerdote jesuíta com tamanha bagagem e formação intelectual se volte contra tudo o que lhe ensinaram, afirmando peremptoriamente que a religião é uma farsa, que não há um Deus verdadeiro e que ainda por cima os que se fazem passar por Ele não passam de seres extraterrestres nefastos, por outro chegamos à conclusão de que é justamente devido à sua formação religiosa e aos seus profundos conhecimentos históricos e teológicos que ousou dar um salto em seu pensamento, expondo a realidade por trás da montagem do “teatro do sagrado”.
O livro Defendámonos de los Dioses! [Defendamo-nos dos Deuses, Editora Algar, 1984], contém a parte fundamental da ideologia de Freixedo, para quem essas entidades assumem diversas formas ao se apresentar ao homem, adaptando-se aos padrões de determinada época e cultura, bem como se valendo de artimanhas e ferramentas místicas para manejá-lo, da mesma forma que o homem quando necessita dos animais. No oitavo capítulo, o autor afirma que o exercício da liberdade de escolha é uma das poucas coisas que ainda restam ao homem diante do controle totalitário que lhe é exercido. A liberdade não seria algo extrínseco e, sim, determinado por cada um. Sendo o homem o sujeito de suas próprias escolhas, deve “manter sempre a mente em estado de alerta e não entregá-la definitivamente nem a líderes religiosos, políticos, ídolos esportivos ou a médicos que nos tratam, a nada”.
Todos podem equivocar-se e em algum momento — ainda que seja de maneira inconsciente — e atuar em interesse próprio, aproveitando-se de nossa credulidade. “A mente de cada indivíduo tem que ser sempre o último juiz nas próprias ações. E entregá-la a outro para seguir cegamente o que nos dizem é um ato de suicídio mental que se opõe diametralmente ao grande mandamento da evolução, que é uma das leis fundamentais do cosmos”, destaca.
Entidades Biológicas Extraterrestres
Em La Granja Humana [A Granja Humana, Editora Plaza y Janes, 1988], Freixedo estrutura sua teoria de que o homem não passa de uma cobaia ou uma fonte de alimentos para seres mais evoluídos, equiparando sua condição a de uma vaca, que gostosamente come e pasta sem se dar conta das reais intenções de seu “protetor” e segue mansamente até o matadouro onde acaba sendo sacrificada — aí já não tão gostosamente. La Amenaza Extraterrestre [A Ameaça Extraterrestre, Editora Espacio y Tiempo, 1991] fecha a trilogia alertando que esses seres já se encontram entre nós, seqüestrando impunemente, violando, mutilando gado e pessoas, realizando experiências com nossos genes, usando os úteros de nossas mulheres, criando raças híbridas ou nos utilizando para outros fins obscuros.
Segundo Freixedo, tudo isso acontece debaixo de nossos narizes e com a conivência dos governos das maiores potências do mundo, que mediante um pacto de cooperação e recebimento de informações tecnológicas permitem que atuem livremente. O autor vai além, dizendo que essas criaturas, às quais chama de Entidades Biológicas Extraterrestres [EBEs, termo que toma de empréstimo dos norte-americanos], teriam estabelecido bases na Lua e em Marte, para onde levariam os humanos capturados para trabalhar como escravos ou servir de cobaias em laboratórios.
No Brasil, o mais ardoroso seguidor e defensor da corrente propugnada por Freixedo é o ufólogo decano Fernando Grossmann, presidente do Núcleo Espeleológico Arne Sakhnussemm e da Fundação Carpática de Pesquisas Góticas, sediadas na zona norte de São Paulo. Grossmann freqüentou a Associação
Brasileira de Estudos de Civilizações Extraterrestres (ABECE), fundada na capital paulista, em 1968, e presidida pelo professor Flávio Augusto Pereira, presidente de honra, ao lado de Irene Granchi, do Conselho Editorial da Revista UFO. Em fins de 1974, participou de uma comissão que extinguiu a ABECE e criou a Associação de Pesquisas Exológicas (APEX), sob orientação do doutor Max Berezovsky. Assim, como quase todos os seus membros, conforme descobrimos e divulgamos em trabalhos anteriores, foi alvo da espionagem política dos agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) [Veja edição UFO 048].
Exercendo ativamente um posto na diretoria e encarregado das pesquisas de campo, investigou casos célebres como o de João Prestes Filho, queimado e morto por uma luz misteriosa em Araçariguama, no interior de São Paulo. Esse episódio serviu de ponto de partida para a elaboração da Hipótese Gótica de Grossmann, segundo a qual os extraterrestres que nos visitam estariam mais associados a vampiros literalmente sedentos por sangue humano do que a anjos de luz interessados no bem da humanidade. Grossmann era seguidor de Charles Fort, autor de O Livro dos Danados [1919], de quem pegou emprestada a frase: “Creio que alguém nos pesca”. Ele foi o primeiro no Brasil a relacionar Ufologia com criptozoologia [Área que estuda as espécies de animais ainda desconhecidas e redescobertas, ou seja, as consideradas extintas, mas que ainda existem].
Perigosos predadores à solta
Para Grossmann, o fato inquietante não é o da possibilidade dos UFOs, num dia indeterminado, invadirem a Terra, e sim “de que eles já a invadiram há muito tempo”, de modo que vivemos lado a lado com uma outra humanidade paralela. Em maio de 1975, no Boletim da APEX, ele deu o primeiro brado de alerta ao Brasil e ao mundo sobre vampirismo ufológico. Ao escrever Anjos ou Demônios?, em especial os capítulos Eram os Vampiros Astronautas? e Seria a Corrente Angelical a Quinta Coluna da Invasão Extraterrestre?, Grossmann criava a Ufologia Gótica — ele mesmo filho de romenos de origem judaica e descendente direto dos habitantes dos Cárpatos.
“Um espectro ronda a humanidade, o do vampirismo ufológico”. Com essas eloqüentes palavras, parafraseando o Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, Grossmann inicia seu Manifesto Gótico, libelo que resume quase três décadas de lutas incansáveis e inamovíveis contra pretensos anjos salvadores que, apesar desse rótulo santificador, ao que tudo indica, não passariam na verdade de perigosíssimos predadores, preocupados apenas em satisfazer suas necessidades biológicas. Tal fenômeno, fartamente documentado em casos de animais que aparecem mortos, exangues, com marcas características parasito-vampirescas, e por gente que diz ter sido hipnotizada e seqüestrada por estranhos seres, é um fato incontestável.
Duvidando demasiadamente das intenções angelicais dos tripulantes dos UFOs, Grossmann postula que seriam os “extraterrestres que precisam de sangue em sua ‘medicina espacial’, tal como precisamos em nossa medicina terrestre. Extraem sangue de suas vítimas por meio de instrumental mecânico sofisticado e hipnotizam por instrumentos e processos ignorados por nossa ciência, mas obedecendo a princípios científicos comuns”. Segundo ele, o comportamento dessas criaturas é aleivoso, esquivo, fugidio. Não se importam bulhufas para com nosso destino. Satisfazem suas necessidades biológicas à custa da humanidade terrestre. Sugam o sangue humano e levam os órgãos, como peças de transplante, de reposição fisiológica, para eles e, talvez, para seus robôs biônicos. “Fecundam as mulheres terrestres e excretam seus excrementos sobre nossas cabeças. São seres biológicos e não espirituais, como pretendem os defensores das correntes angelicais. Aproveitam-se, inteligentemente, dos fanáticos místicos da Terra, dando cobertura logística às mais desenfreadas seitas de desvairados”, destaca.
Longe, portanto, de uma natureza angelical, diáfana, evanescente, imponderável, intangível e outras pieguices místicas, os alienígenas se constituiriam autênticos predadores biológicos da humanidade. Grossmann acusa as pessoas que têm contato e convivência com “os monges” das correntes angelicais de sofrer repelentes transformações psíquicas, o que consiste numa total lavagem cerebral, na qual a teatralização da falta de memória as prepara para a aceitação de assombrosas incoerências de toda ordem e de extravagâncias hipotético-paradoxais. Uma delas é a de que os tripulantes dos UFOs são anjos salvadores da humanidade. Isso, em face, dizem eles, do apocalipse iminente. “Não duvidamos de que o apocalipse se aproxima. Verdade é que, quando os gafanhotos proliferam em demasia, seu comportamento muda, formando o instinto de rebanho e a nuvem termina suicidando-se no oceano. Os lêmingues também agem assim, e talvez a própria humanidade”.
Ufonautas com benevolência
Para ele, precisamos nos salvar atingindo a idade adulta e assumindo a plena responsabilidade por nossa situação e condição humanas. “É uma atitude absolutamente insensata esperar a intervenção de anjos salvadores que, apesar desse rótulo santificador, ao que tudo indica, poderão constituir-se perigosíssimos bichos-papões”. Grossmann conclui que o ser humano cometeu o erro de julgar-se o degrau mais alto da cadeia alimentar, o predador universal, a espécie que devora todas as demais. “A casuística ufológica nos alertou para o fato de que existiria um predador específico situado num patamar mais alto do que o da espécie humana. Enquadraria o mesmo na categoria dos seres góticos, que além de hematófagos seriam também biotróficos, ou seja, devoradores de energia”.
O psicólogo Húlvio Brant Aleixo, da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB), que esteve na Segunda Guerra Mundial, surpreendeu a comunidade ufológica em maio de 1999, mormente aqueles que encaravam a presença dos ufonautas com benevolência e esperança, ao divulgar, durante o 18º Congresso Brasileiro de Ufologia, em Belo Horizonte, uma mensagem alertando para o fato de que a humanidade corria um perigo de incomensurável e inédita magnitude, contra o qual não havia defesa. Pesquisador de dezenas de casos clássicos, a maioria deles divulgada no informativo da Sociedade Brasileira d
e Estudos de Discos Voadores (SBEDV), editado pelo médico alemão Walter Karl Bühler, Aleixo foi o primeiro ufólogo no Brasil a aplicar o teste psicológico e o retrato falado à pesquisa ufológica. Além disso, fundou o Centro de Investigação Civil de Objetos Aéreos Não Identificados (Cicoani).
Até o início da década de 80, Aleixo acreditava que os alienígenas eram seres biológicos oriundos de outros planetas e que aqui vinham pacificamente apenas para estudar a Terra e seus habitantes, mas com o decorrer dos anos acabou concluindo que, na verdade, “são sim de outro mundo, mas não vêm de outros planetas, vivem na própria atmosfera, nos recônditos da Terra e através do cosmos”. Esses seres teriam grande poder sobre os elementos da natureza, em macro e micro escala, incluindo a mente humana. Conheceriam o comportamento humano desde os primórdios da humanidade e estariam, mais do que nunca, atualizando esses conhecimentos, para agregar mais agentes ao seu exército e atuar de forma mais eficaz no momento apropriado. Conforme Aleixo, sua tropa seria composta de forças extra-humanas e incorpóreas, no comando, além de forças humanas, humanóides e animalescas, cada uma com missões compatíveis com suas potencialidades, “mas todas orientadas para a consecução dos objetivos estratégicos do comando. Quem sabe estariam se organizando para atacar em massa e ostensivamente”, destaca o pesquisador.
Se seus ataques no plano físico ainda eram esporádicos e realizados de maneira furtiva, o faziam para que sua verdadeira identidade e propósito não fossem descobertos nem divulgados, evitando assim que a humanidade se mobilizasse para combatê-los pelo único meio eficaz que lhe restava: o espiritual. Não seria de admirar, pois, “que os agressores em potencial tenham o máximo de cuidado em mascarar suas intenções e ações, uma vez que nos conflitos interindividuais, intergrupais e internacionais, o fator surpresa sempre teve relevância, por motivos óbvios”. Seus agentes estariam infiltrados em todos os níveis e segmentos da sociedade humana, a maioria atuando cega e inconscientemente. A maior ambição desses seres é a posse do espírito humano que, por ser imortal, é a jóia mais preciosa de todo o universo.
Conspiração encabeçada por ETs
A maneira mais eficaz de se conseguir isso é fazer com que os homens, cegos pelo ódio generalizado, destruam prematuramente seus corpos, mediante matança maciça, entregando-lhes seus espíritos. Assim, o ataque ostensivo e maciço dos ufonautas viria tão somente para complementar a destruição do homem pelo próprio homem na próxima guerra mundial, que eles mesmos incentivam e alimentam ao difundir seus conhecimentos sobre armas de destruição em massa, inclusive os relativos à engenharia genética. Nessa vasta conspiração, encabeçada pelos extraterrestres, “estamos coroados por todos os lados por uma organização de combate sob o comando de seres imateriais e invisíveis, imortais e malignos. Pior ainda, muitos humanos já estão sob o julgo deles”. Aleixo arremata vaticinando que “quem viver, verá”.
Em entrevista concedida a este autor e ao jornalista, escritor, explorador e ufólogo Pablo Villarrubia Mauso, consultor da Revista UFO, nos dias 25 e 26 de junho de 2005, Aleixo reafirmou que esses seres não são humanos e nem muito menos criaturas biológicas vindas de outros planetas. “São indivíduos incorpóreos que estão no comando de um grande exército, composto por pessoas de todas as áreas, sendo que a maioria, talvez, não esteja consciente do papel que exerce nessa conspiração. Traduzindo, eu quero dizer que eles são anjos malignos que optaram pela luta contra Deus”. Revelou também que são diferentes em tudo, menos em um item: eles são todos evasivos. “Isso eu acho muito significativo. Muito mesmo. Estão enganando todo mundo. Inclusive a Força Aérea”.
Agindo da forma mais discreta possível, a finalidade, para Aleixo, é sempre a mesma: capturar o espírito humano. A única forma de combatê-los seria por meios espirituais, “orando a Deus ou a Nossa Senhora, já que armas físicas são inúteis contra eles”. Segundo ele, as seitas ufológicas seriam de certa forma manipuladas por essas entidades com vistas a obter adeptos. Ao elegerem os extraterrestres como os maiores inimigos do homem, atribuindo-lhes o mesmo papel e poder que o diabo possuía nas Idades Média e Moderna, esses pesquisadores persistiam naquele tipo de engajamento contra as “forças das trevas” que tanto marcou o pensamento e a ação da igreja nas épocas aludidas, embora sem o cenário e os recursos do poder eclesiástico absoluto e soberano da Inquisição — cujas origens remontam a 1184, quando o papa enviou a Albi, no sul da França, delegados pontifícios para combater o vasto movimento herético dos cátaros puros, surgido no leste da Europa e que se propagava, unido com as bruxas, sobre a maior parte daquele continente.
Os cátaros eram acusados de adorar o diabo na forma de um bode ou gato, em reuniões denominadas pelos católicos de Sinagogas de Satã. Alguns deles confessaram, sob tortura, que voavam pelos ares em cabos de vassoura ou em varas engorduradas, matando e comendo crianças roubadas. O Tribunal do Santo Ofício, nome usado para designar a Congregação da Inquisição Romana, foi reinstituído pelo papa Paulo III, em 1542, para combater a reforma protestante e, logo depois, a bruxaria. Contudo, já em 1478, os reis católicos Isabel de Castilla e Fernando de Aragón, visando a uniformização e a unidade nacional, alcançadas com a reconquista de Granada, após oito séculos de dominação árabe moura, solicitaram e obtiveram do papa a autorização para a introdução de um tribunal na Espanha, suprimida somente em 1824.
dominar
Profecias do apocalipse
No resto do mundo, a Inquisição atuou até 1859, quando o papado extinguiu-a definitivamente. Considerando tão longo funcionamento — mais de seis séculos de perseguições, arbitrariedades e violências — não é de se surpreender, portanto, que seu espírito tenha remanescido, não obstante numa área inusitada, a Ufologia, e se arrojado contra novos inimigos. Não por acaso a idéia de que os ETs são demoníacos partiu de um ex-jesuíta espanhol, como conseqüência lógica de todo um sistema ortodoxo, lembrando que o jesuitismo se expandiu junto com a Inquisição Moderna, enquanto quebrava o corpo, os exercícios espirituais e os pensamentos por meio de Ignácio de Loyola, que criou a Companhia de Jesus. Os chamados jesuítas formavam uma ordem religiosa estabelecida sob o pretexto de fortalecer a Igreja e combater o protestantismo, mas secretamente visava atingir dois grandes objetivos: o poder político universal e uma igreja universal, em cumprimento às profecias do apocalipse.
Milhares de pessoas, mulheres em sua maioria, pereceram nas fogueiras da Inquisição. Algumas estimativas apontam que foram queimadas 9 milhões de “bruxas”. Somente o dominicano espanhol Tomás de Torquemada mandou para a fogueira 10.200 bruxas no período de dois decênios, enquanto mandou enforcar pelo menos 100 mil delas. A brutalidade em curso fez com que, em Quedlinburg, Saxônia, no ano de 1589, fossem executadas 133 feiticeiras em um só dia. Em Trier, sob o bispo Johann, em 1585, foram deixadas vivas apenas duas pessoas em duas vilas. Em outras 22, localizadas nas vizinhanças de Trier, executaram-se 368 pessoas entre 1587 e 1592. Na Escócia, entre 1560 a 1600, foram executados 800 feiticeiros, numa média de quatro por semana.
Tradições locais demoníacas
O auge da repressão se deu entre 1560 e 1630. Na Grã-Bretanha, de 1640 a 1660, isto é, em apenas 20 anos, três mil pessoas foram condenadas à morte acusadas de pacto com o demônio. Num período de 150 anos, nada menos que 90 mil homens e mulheres foram queimados na Europa. A famigerada perseguição foi também levada ao Novo Mundo, exacerbando-se mais ao contato com as “demoníacas” tradições locais. Na Alemanha, as últimas mulheres julgadas bruxas foram mortas em 1836. Já na França, em 1850. Nos Estados Unidos, mulheres continuaram perdendo a vida nas fogueiras até 1877.
O mais obstinado defensor da ortodoxia católica no século XX, o reverendo inglês Alphonsus Joseph-Mary Augustus Montague Summers, tradutor do Malleus Maleficarum — o manual de caça às bruxas escrito em 1486 pelos teólogos e monges dominicanos Heinrick Kramer e Jacobus Sprenger — e autor de obras sobre demonologia e vampirismo, apoiava inteiramente os processos e as sentenças proferidas pelos juízes inquisidores, ratificando que o diabo realmente auxiliava as bruxas nos atos maléficos. Summers se achava incumbido da missão divina de caçar demônios presentes em nosso meio. Ele alimentava a certeza de que as bruxas continuavam agindo como nos séculos anteriores e que constituíam um vasto movimento político, uma sociedade organizada, anti-social e anárquica, uma verdadeira conspiração universal contra a civilização.