A eventualidade da interação direta com entidades não humanas é somente uma fração do problema que envolve a questão ufológica, não podendo, em si mesma, ser completamente compreendida sem referências à história, sociedade e cultura. Seus efeitos são sempre novos, raros e dramáticos. A questão central é que não sabemos como lidar com o que não se encaixa em determinada estrutura psicológica ou social, que não pré-exista em um modo de “produção de poder” já conhecido. Nossa condição sempre será frágil e precária ante o que não conhecemos, daí porque, no processo de apreensão da diferença, tenhamos a tendência de não olhar para o diferente, nos concentrando em nós mesmos e no que é mais comum. A relação entre o eu e o outro é sempre complexa, tensa, turbulenta, assimétrica e arriscada, além de incompleta. A presença do outro é fugaz, já que não há a capacidade de se fixar nele, que está em constante movimento e mudança.
No artigo Identidades Inseridas: Algumas Divagações Sobre Identidade, Emoção e Ética, escrito em junho de 2003, o antropólogo João de Pina Cabral, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, afirma que “apesar do eu surgir a partir do outro, a descoberta do outro dentro do eu é um fato paradoxal e ameaçador. Ora, como a identidade depende do outro para a sua constituição, ela é sempre ameaçada interna e externamente pela inevitabilidade do outro. O outro, na verdade, habita a nossa existência como um intruso”. Já o búlgaro imigrante na França, lingüista, semiólogo, filósofo e historiador Tzvetan Todorov, lidando com o Conceito de Alteridade [Razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo por que não podemos dizer o que uma coisa é sem a distinguir de outra], pondera no livro A Conquista da América: A Questão do Outro [Editora Martins Fontes, 1993] que “pode-se descobrir os outros em si mesmo e perceber que não se é uma substância homogênea, mas radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo. O eu é um outro”. Por esse motivo, a descoberta da América é uma experiência essencial para nós hoje, pois além do valor paradigmático, ela encerra outro, de causalidade direta. É a conquista da América que anuncia e funda nossa identidade presente e antecipa o quão trágico e desastroso pode vir a ser uma confrontação cultural com seres tecnologicamente superiores. Quanto maior a discrepância dos mundos que se defrontam, tanto mais grotescos serão os efeitos.
O jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano relata em seu livro As Veias Abertas da América Latina [Editora Paz e Terra, 1983] a exploração sofrida pelas nações latino-americanas desde a formação dos impérios hispânico e português, passando pelo assédio inglês e norte-americano, até o arrocho imposto pela economia internacional nos dias atuais. Para o autor, “o desnível do desenvolvimento de ambos os mundos explica a relativa facilidade com que sucumbiram às civilizações nativas”. Enquanto “a civilização que se abateu sobre estas terras, vinda do além-mar, vivia a explosão criadora do Renascimento, a América aparecia como uma invenção a mais, incorporada, junto com a pólvora, a imprensa, o papel e a bússola, ao efervescente nascimento da Idade Moderna”. Entre os indígenas da América havia de tudo: astrônomos e canibais, engenheiros e selvagens da Idade da Pedra, mas nenhuma das culturas nativas conhecia o ferro nem o arado, nem o vidro ou a pólvora, e tampouco empregava a roda, a não ser em pequenos carrinhos.
O conquistador espanhol Hernán Cortez distinguiu-se na conquista de Cuba em 1511. Em 1519, acompanhado por não mais que 100 marinheiros e 508 soldados, além de 16 cavalos, 32 bestas, 10 canhões de bronze, alguns arcabuzes, mosquetões e pistolas, desembarcou na costa mexicana, fundou Vera Cruz e marchou sobre a capital asteca, onde ele e seus homens foram recebidos como divindades. “Bastou-lhe isso. E, entretanto, a capital dos astecas, Tenochtitlán, era cinco vezes maior do que Madri e tinha o dobro da população de Sevilha, a maior das cidades espanholas”, lembra Galeano. Cortez aprisionou o imperador Montezuma, reprimiu cruelmente uma revolta e estendeu a dominação espanhola por todo o México. Os índios foram reduzidos a escravos nas terras e nas minas. O comportamento ambíguo, hesitante, do próprio Montezuma, não opôs a Cortez praticamente nenhuma resistência. Francisco Pizarro, por outro lado, entrou em Cajamarca, à 860 km ao norte de Lima, Peru, com tão somente 180 soldados, 37 cavalos, e derrotou um exército de 100 mil índios. “Teriam os espanhóis triunfado sobre os índios com a ajuda dos signos?”, pergunta Todorov.
“Os indígenas foram derrotados também pelo assombro”, assevera Galeano. O imperador Montezuma recebeu, em seu palácio, as primeiras notícias de que um grande “monte” andava mexendo-se pelo mar. “Outros mensageiros chegaram depois e muito espanto lhes causou ao ouvir como dispara um canhão, como ressoa seu estrépito, como derruba as pessoas, e atordoam-se os ouvidos. E quando cai o tiro, uma bola de pedra sai de suas entranhas: vai chovendo fogo”. Por todas as partes tinham os corpos envoltos, somente com os rostos à mostra. “Eram brancos, como se fossem de cal. Tinham cabelo amarelo, embora alguns eram pretos. Sua barba era grande”. Montezuma acreditou que era o deus Quetzalcóatl que estava voltando, como havia lhe sido anunciado em oito presságios. Em um deles, os caçadores haviam trazido uma ave com um diadema redondo na cabeça, que continha um espelho. Este refletia o céu e o Sol na direção do poente. No objeto, Montezuma viu marchar sobre o México os esquadrões dos guerreiros. Quetzalcóatl tinha vindo e seguido pelo leste, era branco e barbudo, como Viracocha [Que significa o criador de todas as coisas], deus e herói civilizador do panteão inca.
Esses vingativos deuses, que agora regressavam para saldar contas com seus povos, traziam armaduras e camisas de malha, escudos brilhantes que devolviam os dardos e as pedras. Suas armas disparavam raios mortíferos e escureciam a atmosfera com fumaças irrespiráveis. Os conquistadores praticavam também, com refinamento e sabedoria, a técnica da traição e da intriga. Souberam aliar-se com os tlaxcaltecas [Hábeis arqueiros e guerreiros habitantes de Tlaxcala, localizada na região central do México] contra Montezuma e explorar, com proveito, a divisão do império incáico entre Huáscar e Atahualpa, os irmãos inimigos.
Uma vez abatidas pelo crime, as chefias indígenas souberam ganhar cúmplices entre as castas dominantes intermediárias, sacerdotes, funcionários e militares. Bartolomé de Las Casas, frade dominicano, cronista e teólogo que se tornaria bispo de Chiapas e defenso
r dos índios, foi testemunha ocular da perseguição e autos-de-fé que, segundo ele, sacrificaram mais de 12 milhões de pessoas em holocausto ao seu Deus e em nome dos reis da Espanha. “Eles nos saudaram como se viéssemos do céu”, escreveu Cristóvão Colombo em seu livro de bordo, após aportar numa ilha das Bahamas. Essa tendência foi eficientemente explorada pelos seus conterrâneos Cortez e Pizarro. Em 22 de abril de 1500, o fidalgo e navegador português Pedro Álvares Cabral também foi agraciado com ruidosas homenagens pelos índios, assim que desembarcou na “Terra de Santa Cruz”, mais tarde o Brasil, da qual tomou posse em nome do rei Dom Manuel, de Portugal. O político, escritor e navegador inglês Walter Raleigh, que por ordem da rainha Elisabeth I procurava pelo lendário Eldorado [País imaginário que possuiria ouro e pedras preciosas em abundância], foi recebido triunfalmente pelos índios da Virgínia.
Em 1565, o capitão francês Jean Ribault marcou sua chegada na Flórida erguendo uma coluna ornada com um brasão. Anos mais tarde, seu conterrâneo Landonnière encontrou a coluna enfeitada de grinaldas e rodeada de oferendas. Ele mesmo foi cumulado de presentes pelos nativos. Já no Taiti, o navegador inglês James Cook foi recepcionado como Rongo, o deus que abandonara a ilha em um “navio das nuvens”. Em todas as partes da África onde os portugueses e espanhóis fincaram colunas ou postes coloridos de demarcação de fronteiras surgiram cultos que mencionavam a aparição de misteriosos homens brancos.
Muitos hoje em dia esperam que os extraterrestres lhes salvem da autodestruição e os conduzam às estrelas, adorando-os como deuses da mesma forma que os nossos antepassados adoravam os que supostamente lhes teriam transmitido a cultura e o princípio civilizatório. “Deuses” esses que, no retorno, aproveitando-se do próprio culto que lhes rendiam, acabaram por escravizá-los e praticamente dizimá-los. Seriam os místicos, esotéricos, contatados e mentores de seitas ufológicas a quinta coluna da invasão extraterrestre?