Quem já não simpatizava muito com os chamados Jupiterianos Quentes, planetas gigantes de fora do Sistema Solar que orbitam muito perto de suas estrelas-mãe, vai se chocar com as novas descobertas feitas por um grupo de astrônomos europeus a partir de um telescópio no Chile. Vêm aí os Jupiterianos Muito Quentes. São dois os planetas agora identificados, viajando ao redor de estrelas postadas a 6.000 anos-luz e 3.200 anos-luz da Terra. Sua detecção original foi feita com um método que até então só havia sido capaz de encontrar outros dois planetas extra-solares, dos mais de 120 que perfazem a atual coleção conhecida pelos astrônomos. Trata-se da técnica do trânsito, que consiste em observar pequenas alterações no brilho da estrela ao longo do tempo, conforme um corpo menor passa à sua frente. Um grande levantamento feito com essa estratégia por um grupo polonês chegou a apontar 137 estrelas candidatas a abrigar um planeta. Mas não havia garantias – os trânsitos vistos podiam também ser de uma estrela menor. O trabalho da equipe encabeçada por François Bouchy, do Laboratório de Astrofísica de Marselha, na França, com participação da principal dupla de caçadores de planetas extra-solares européia, Michel Mayor e Didier Queloz, do Observatório de Genebra, resolveu separar o joio do trigo. Observando alguns dos candidatos na constelação Carina por meio da celebrada técnica do “bamboleio” (que mede variações na luz causadas pelo movimento que a estrela faz conforme é atraída para lá e para cá pelo planeta em órbita), eles confirmaram a existência de dois planetas. Ambos elevam a classificação de Jupiteriano Quente a um novo patamar. O primeiro, em torno do astro denominado OGLE-TR-113, completa uma volta em torno de seu sol em 1,43 dia. Seu colega, ao redor da OGLE-TR-132, faz um giro em 1,69 dia. Trocando em miúdos, um ano inteiro nesses planetas leva menos de dois dias. Poderia até ser um tremendo incentivo ao comércio alienígena, com tantos aniversários em vista, não fosse por um detalhe: tão próximos da estrela como estão, suas superfícies gasosas atingem os 1.800 C ?sendo, portanto, totalmente inabitáveis. (Em comparação, a temperatura na superfície do Sol é de aproximadamente 5.500C.) Juntamente com uma outra descoberta feita por um grupo liderado por Maciej Konacki, do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), também a partir dos dados poloneses originais, os novos planetas podem ser incluídos numa nova classe, cujo período orbital é inferior a três dias. Nos estudos que usaram somente a medição do “bamboleio estelar” para encontrar planetas, as estatísticas mostram um declínio imenso quando os Jupiterianos Quentes passam a ficar quentes demais – apenas um planeta tinha período inferior a três dias, e mesmo assim, eram 2,5, não 1,4 ou 1,2, como no planeta de Konacki. Essa translação curta faz deles astros “voadores”: enquanto a Terra viaja em torno do Sol a confortáveis 100 mil quilômetros por hora, o mais rápido dos planetas de Bouchy chega a atingir velocidade seis vezes superior. As descobertas contradizem a intuição inicial dos cientistas – baseadas nos primeiros achados – de que haveria uma barreira de instabilidade para planetas com período inferior a três dias. Mais que isso, os achados reforçam a noção de que os Jupiterianos Quentes e Muito Quentes não nasceram onde estão, mas bem mais longe da estrela, tendo depois migrado para o interior do sistema – solução hipotética proposta para responder à questão levantada pela pesquisa de planetas extra-solares, que ainda carece de confirmação observacional. “Embora não se saiba ainda com precisão os detalhes dos mecanismos envolvidos no processo de migração (e sobretudo da interrupção do mesmo), esses dois novos planetas reforçam ainda mais a importância do processo na formação planetária”, diz Claudio Melo. O pesquisador brasileiro é co-autor do estudo de Bouchy e trabalha atualmente no ESO (Observatório Europeu Austral), localizado no Chile, de onde foram achados os dois novos planetas. Seu trabalho será publicado futuramente na revista “Astronomy & Astrophysics” (www.edpsciences.org/aa). Konacki, de seu lado, vai publicar detalhes de seu planeta no “Astrophysical Journal” (www.journals.uchicago.edu/ApJ).