Os primeiros indícios de vida na Terra datam de 3,5 bilhões de anos atrás, 1 bilhão de anos depois da formação do planeta. Esses organismos tinham só uma célula, com bioquímica extremamente simples, mesmo se comparada à de outros organismos unicelulares que apareceram mais tarde. Reconstruir o surgimento da vida na Terra é um dos grandes desafios da ciência. Primeiro pelo fato de que, ao entendermos a origem da vida, estamos entendendo parte da nossa. Depois porque, ao entendermos a sua origem aqui, poderemos talvez descobrir se ela existe em outras partes do cosmo.
A infância da Terra foi extremamente violenta. Durante os primeiros bilhões de anos, cometas e asteróides bombardeavam constantemente sua superfície, aquecendo-a e depositando rochas e compostos químicos em seu oceano. Os continentes não existiam. A composição química da atmosfera era muito diferente, com quase nenhum oxigênio. A vida que podia existir então tinha características muito diferentes das que vemos hoje. A Terra primitiva era, efetivamente, outro planeta.
Sabemos que compostos orgânicos existem no espaço. Em 1970, a composição química de um meteorito que ficou conhecido como Meteorito de Murchison foi analisada. Foram encontradas grandes quantidades de aminoácidos, componentes fundamentais da química da vida. Ou seja, ela não está restrita ao nosso planeta. Mas vamos com calma. Isso não significa que a vida fora da Terra tenha sido confirmada; apenas que seus componentes estão espalhados pelo Sistema Solar. Mas, então, por que não em outros sistemas estelares da Via Láctea ou do Universo? E como esses componentes se transformaram em seres vivos?
Aqui a coisa fica ainda mais complicada. A teoria mais aceita atualmente diz que uma combinação de compostos orgânicos simples, provenientes do espaço ou sintetizados em ambientes aquosos ou mesmo na superfície das rochas, começou a formar compostos cada vez maiores, encadeados como elos em uma corrente: a sopa pré-biótica. O problema é que a síntese de moléculas mais complexas a partir de elos menores, monômeros, não é um processo favorecido energeticamente; é como subir uma escada em vez de descê-la. Para que a síntese ocorra, é necessário que os compostos estejam em altas concentrações e que absorvam energia, tornando sua combinação mais provável. À medida que moléculas cada vez mais complexas, polímeros, foram formadas, algumas passaram a interagir com outras, aumentando o número de ingredientes da sopa.
Os primeiros catalisadores, moléculas capazes de acelerar reações químicas, apareceram. Embora os passos detalhados sejam ainda desconhecidos, alguns polímeros finalmente tornaram-se capazes de se replicar, mesmo que imperfeitamente. Estas seriam as primeiras entidades moleculares capazes de multiplicação e variação, cuja perpetuação depende de sua habilidade de absorver energia do ambiente à sua volta: a vida dá seus primeiros passos.
Ainda não foi possível reproduzir em laboratório a seqüência de reações que leva à geração de entidades orgânicas auto-replicantes. Sabemos que o experimento deu certo na Terra primitiva e possivelmente em inúmeros outros planetas espalhados pelo cosmo. De uma coisa podemos estar certos: em cada lugar a sopa deve ter tido uma receita diferente. O cardápio da vida tem pratos muitos mais variados do que suspeitamos. Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro O Fim da Terra e do Céu [Editora Companhia das Letras, 2001].