Um dos aspectos mais divulgados do Caso Ilha de Trindade, principalmente no exterior, é a suposta liberação para a imprensa das fotos do disco voador obtidas por Almiro Baraúna pelo então presidente da República Juscelino Kubitschek — há quem diga até que ele teria dado um parecer sobre as imagens, autenticando-as. Aliás, esse detalhe sempre ajudou a fortalecer a credibilidade da história, mas ele é verdadeiro? JK realmente liberou para a imprensa as fotos de Baraúna? É hora de tratar dessa questão.
Em primeiro lugar, é importante que o leitor saiba que, como o próprio fotógrafo revelou pessoalmente em entrevista [Veja edição UFO 054, agora disponível na íntegra em ufo.com.br], a Marinha Brasileira, desde o primeiro momento do caso e mesmo antes que Baraúna desembarcasse do navio-escola Almirante Saldanha, após o famoso incidente, sempre reconheceu que as fotos eram de propriedade exclusiva dele, assim como os negativos originais. Mas os militares solicitaram ao fotógrafo que mantivesse tais documentos longe da imprensa e que não desse a eles qualquer forma de divulgação, até que fossem concluídas as análises do material.
Durante o processo, o serviço secreto da Armada requisitou várias vezes os negativos de Baraúna para novas e complementares avaliações, e sempre que os devolvia ao fotógrafo era lavrado um termo ou emitido um recibo comprovando retorno do material ao seu proprietário. Os militares chegavam a deixar com Baraúna um documento equivalente quando ele lhes passava os negativos para estudos.
Cumprindo a promessa
Após a última devolução, pouco antes do carnaval de fevereiro de 1958, os militares informaram ao fotógrafo que os negativos já estavam liberados e que ele poderia fazer o que desejasse com eles e as fotos — as análises estavam concluídas. Apesar de não ser do interesse do Estado-Maior da Armada divulgar tal material, seus integrantes cumpriram a promessa feita a Baraúna, de que, após periciados, seus materiais seriam entregues de maneira definitiva a ele — a quem, então, caberia dar o destino que melhor lhe parecesse.
Diante dessa situação, Almiro Baraúna pretendia deixa passar o carnaval para, em seguida, procurar o jornalista João Martins, da revista O Cruzeiro, e passar-lhe a história completa do Caso Ilha de Trindade. Somente então veria o que fazer com o explosivo material fotográfico. Entretanto, foi surpreendido dias depois pelos próprios acontecimentos. Segundo declarou pessoalmente, na quarta-feira após o carnaval, as estações de rádio do Rio de Janeiro começaram a divulgar que o jornal Correio da Manhã traria um furo sem precedentes: a história do avistamento de um disco voador na Ilha de Trindade, fotografado pela Marinha.
Com a surpresa, Baraúna procurou Martins, mostrou as fotos e negativos e contou toda a história. Ambos então foram até a sede do Correio da Manhã e conversaram com o próprio redator-chefe do diário, o jornalista Antônio Callado, questionando-o sobre como obteve as imagens para publicação. Callado lhes disse que aquele era um segredo e que não poderia revelar como seu jornal teve acesso a elas. Isso fez com que Martins revelasse ao jornalista que Baraúna era o verdadeiro autor das fotos, e o próprio informou, em seguida, que era civil e que as imagens não eram de propriedade da Marinha, mas dele — apesar de terem sido obtidas a bordo de uma embarcação daquela Arma. Baraúna ainda mostrou as fotos e os negativos originais a Callado, para comprovar sua versão da história.
Tentativa de golpe
Mesmo diante da nova informação, como também fui informado por Baraúna em entrevista, o jornalista disse que iria publicar o material em seu diário de qualquer forma. Irônico, Callado declarou ainda que, se o fotógrafo desejasse, que processasse o jornal depois. Em nenhum momento o jornalista teria feito qualquer menção de que a origem do material, oficialmente ou não, teria sido o presidente Juscelino Kubitschek — se isso realmente tivesse acontecido e pudesse ser dito, teria sido fácil se livrar de Almiro Baraúna, tirando-o do caminho do tal “furo”.
Posteriormente, no entanto, o fotógrafo descobriu o que de fato teria acontecido. Poucos dias antes do encontro com Callado, a diretora e proprietária do Correio da Manhã, senhora Niomar Moniz Sodré Bittencourt, havia estado com o presidente, que passava parte do verão na cidade de Petrópolis, a pouco mais de uma hora do Rio de Janeiro. Por ser uma amiga íntima, assim como o seu esposo, o jornalista Paulo Bittencourt, Niomar teve a chance de ver as fotos do Caso Ilha de Trindade no gabinete do presidente — o casal havia dado expressivo apoio a JK em uma tentativa de golpe que sofreu na época de sua posse, em 1955.
Liberação oficial?
O fato é que Niomar saiu de Petrópolis com cópias das fotos de Almiro Baraúna, e elas acabaram publicadas em seu jornal. Apesar de tudo o que pesquisei sobre o episódio até hoje, nunca encontrei qualquer sinal de que a obtenção das imagens por Niomar tenha sido um processo oficial. Apenas se sabe que a origem das cópias que chegaram ao Correio da Manhã tinha sido realmente o próprio presidente, nada mais. Se JK pretendia realmente oficializar ou endossar sua veracidade, já que envolviam diretamente a Marinha de Guerra do país, provavelmente não daria exclusividade a um único veículo de comunicação.
A questão que fica em aberto é se Juscelino Kubitschek, contrariando os interesses da Marinha de não se envolver diretamente com o assunto, havia repassado o material para o jornal com a finalidade de ver as fotos publicadas — mesmo que isso também não representasse uma liberação oficial de seu governo —, ou se o casal de jornalistas, ao ter acesso às fotos, resolveu por sua conta e risco publicá-las.
Em artigo intitulado JK e o Episódio da Ilha de Trindade: Uma Visão Mais Detalhada e Inesperada, o ufólogo mineiro Alberto Francisco do Carmo faz referência, por exemplo, a um encontro que teve certa vez com o ex-professor da Universidade de Brasília (UnB) Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, que teria sido assessor parlamentar do deputado federal Sérgio Magalhães, figura de destaque dentro dos desdobramentos do caso de Trindade. Magalhães teria cobrado de maneira enérgica da Marinha explicações sobre o episódio e sobre as fotos de Baraúna, usando sua posição dentro do Congresso Nacional. Segundo Carmo, o ex-assessor confirmara que de fato JK havia passado as fotos em “uma audiência discreta” para o Correio da Manhã, tendo em mente justamente a sua publicação, por ser contra o sigilo de fatos de interesse público.
Entrevista coletiva
De qualquer forma, o “furo” e a exclusividade que o jornal pretendia acabaram sendo frustrados e os amigos do presidente não lograram seu intento. Depois da recusa do redator-chefe do diário em pr
estar explicações sobre a origem do material que iria publicar — e publicou —, João Martins, em conjunto com Baraúna e com o apoio do diretor de O Cruzeiro, o jornalista Leão Gondim de Oliveira, organizou ainda no mesmo dia uma entrevista coletiva de imprensa na sede do O Jornal, outro diário carioca, para que Baraúna relatasse publicamente, pela primeira vez, todos os detalhes da história.
Mas, mais do que isso, chateado com a atitude do Correio da Manhã, o fotógrafo distribuiu cópias de todas as suas fotos gratuitamente para os jornalistas presentes, de vários veículos convidados. “Arrasei o privilégio daquele pessoal”, disse Baraúna. E assim, seus concorrentes apresentaram reportagens bem mais amplas, com informações corretas e ilustradas com as mesmas fotos — inclusive com qualidade superior, já que haviam sido feitas diretamente dos negativos originais do fotógrafo. Enfim, esta é a verdadeira história de como as fotos do Caso Ilha de Trindade foram divulgadas e qual foi a real participação do presidente.