“Inicialmente, observei a figura de Jesus com o peito descoberto, deixando ver seu coração sangrando. Em um instante, não era mais Jesus, e sim Clark Kent desabotoando a camisa para mostrar o S (sua marca). Logo, Cristo/Super-homem foi levado ao céu por um facho de luz. No outro extremo, havia um brilhante disco voador. Não sei por que, mas me veio a idéia de que iria me reencontrar com Deus”.
Este jogo de imagens, esta fugaz transposição entre dois super heróis da cultura ocidental e cristã, não foi fruto de um excesso de pejoratismo nem o testemunho da conversão espiritual de um devoto de alguma nova religião espacial. Foi o sonho lúcido que um ufólogo teve há dez anos, tal como consta em seu caderno de viagens astrais. Para tristeza dos fãs de Victor Sueiro, a interpretação que fizeram de sua experiência não foi esotérica, e sim racional.
Sua surpresa ante os paralelismos notados, ambos notórios da justiça (o da Divina é um, o da cultura de massa é outro) determinou uma substancial mudança em sua percepção do fenômeno que investigava: desde o angelical ET que desce de sua carruagem técnico-espiritual para dar conselhos ou prestar ajuda, até o cinzento e diabólico que vem com o afã de conquista, os seres do panteão galáctico parecem ter mais afinidade com o mundo das religiões, a ficção científica e a ciência popular do que com a ciência pura.
Falar do Fenômeno UFO, da atuação de ETs na Terra e de suas eventuais intenções para conosco pode, em muitos casos, ser apenas um subterfúgio para falarmos de nós mesmos, nossos problemas, aflições e ansiedades. Pelo menos é assim que muitos psicólogos e sociólogos analisam o trabalho de ufólogos espalhados pelo mundo afora. Estes, por sua vez, discordam e debatem
“Mesmo que os bioastrônomos de Seti descubram algum dia que o universo transborda de vida inteligente, lamento dizer que nada me tirará da cabeça que a missão simbólica que os “irmãos de espaço” cumprem é a mesma que gerações de crentes outorgaram aos profetas”. Conclusão: o ufólogo herege decidiu suspender a busca de evidências de extraterrestres na Terra para uma próxima encarnação. Além disso, Victor preferiu consagrar o que sai de sua existência terrena a investigar os aspectos sócio-culturais do fenômeno.
No máximo, quando o ufólogo advertiu que nos bizarros catálogos de encontros próximos os humanóides eram mais parecidos com sua tia Elena do que com o impensável aspecto que devia apresentar uma criatura espacial. O paleontólogo Heinrich Erben fez uma observação sensata sobre este assunto: o processo evolutivo de uma espécie é tão complexo, seu desenvolvimento depende de condições tão obscuras (físicas, químicas, biológicas e culturais), que a probabilidade estatística de que um ser vivo dotado de inteligência siga a mesma seqüência que o Homo sapiens quase beira a zero. Outra hipótese: pode ser que existam extraterrestres lá fora; mas se existem, dificilmente se parecem com o presidente Menem.
FILHOS DA GUERRA FRIA — O cristo cósmico, a quem rende culto grande parte dos adeptos da New Age, o alienígena de Kripton que surra delinqüentes nas ruas de Metrópoles (que, fora sua origem não humana, convenhamos que guarda poucas semelhanças com o messias bíblico); os impiedosos ufonautas que não parecem ter coisa melhor para fazer do que raptar de suas casas os respeitáveis cidadãos norte-americanos (pelo menos os que revivem suas experiências através das terapias de regressão do doutor John Mack, um polêmico psiquiatra da Universidade de Harvard); os extraterrestres digitais que merecem morrer desintegrados nos jogos de vídeo game pelo fato de que não são de barro são alguns exemplos que provam que se trata de um fenômeno fortemente implantado na cultura ocidental.
O ufanismo nasceu em um periódico do estado de Oregon, Estados Unidos, no final de junho de 1947. É sugestivo notar que o termo disco voador não é de autoria do piloto Kenneth Arnold – o primeiro a observar uma esquadrilha desses objetos –, e sim do cronista que recolheu seu testemunho, que confundiu a metáfora sobre a viagem com a descrição da forma: “voavam como se lançassem um disco sobre a água”.
O famoso estereótipo surgiu então de uma soma do erro do escritor, à vasta difusão que alcançou uma versão errônea do desenho das naves e à preferência do público, que começou a observar o céu buscando (e encontrando) aqueles discos voadores sobre os quais tanto se falava, mesmo que nada semelhante já houvesse sido visto antes. É inegável que o frenesi ufológico surgiu em um momento histórico peculiar. Os UFOs apareceram em uma época em que se exaltava a expectativa de que – como desejava Arthur Clarke – vinha-se “uma tecnologia indistinguível da magia”. Ainda que as ilusões postas no futuro eram mais técnicas do que mágicas, crescia a sensação de que o pavor da solidão cósmica era algo que se pensava em deixar para trás. O próprio Carl Sagan recorda a primeira vez que se perguntou por que as estrelas brilhavam, nos anos 40, tempo em que “se respirava um ar de onde se esperava muito da ciência”.
Sendo adolescente, duas décadas antes de se converter em cientista profissional – que ia encarnar o modelo do cientista brilhante fascinado pelas maravilhas do universo –, Sagan devorava historinhas de Flash Gordon, e os únicos que questionavam as conseqüências de uma má política que acompanhava o progresso eram os agressivos extraterrestres dos filmes que via nos cinemas do Brooklin, bairro de Nova York.
O sonho da conquista espacial gerava perspectivas fascinantes, que entraram em crise em agosto de 1945, tão logo os Estados Unidos lançaram sua primeira bomba atômica em Hiroshima. O sonho já tinha seu pesadelo. O temor a um ataque soviético fortaleceu o tema, refletido em uma filmografia dedicada a contar em entrelinhas alienígenas as espionagens do inimigo. “O medo ao vermelho desencadeou o medo da pele vermelha”, disse Patrick Besson, o personagem de uma dessas histórias.
Logo chegaram os guerreiros do Planeta Vermelho, que anunciaram seus planos de invadir a Terra em pelo menos duas dezenas de filmes B dos anos 50. O universo havia se convertido em um conflitante espaço bélico. No final da década de 60, o homem pisou na Lua e disse: “Assim como nós viemos, outros podem vir”. Que outra coisa podem ser os UFOs senão aeronaves extraterrestres? O livre jogo da controvérsia terminou por construir o mito.
istinguível da magia
Para os partidários, a mitificação do tema foi a conseqüência indesejada do real fenômeno: a missão dos aliens na Terra se reveste de um caráter reservado e, por isso, dá provas irrefutáveis de sua inegável presença (ainda que seu desejo fosse passarem inadvertidos, temos que dizer que fracassaram). Para os céticos e irredutíveis, os encontros com humanóides derivam de relatos previamente codificados da ficção científica. O mérito da segunda opinião apoia-se em poder ser verificada: os discos voadores e seus tripulantes habitam ficções literárias escritas entre duas e quatro décadas antes da invasão de junho de 1947.
RAPTADOS POR BUCK ROGERS — Nos últimos anos, o principal fator que favoreceu o retorno das discussões sobre as visitas alienígenas foram as chamadas abduções, ou seja, os inquietantes relatos de pessoas que recordam, geralmente através de hipnose, terem sido levadas contra sua vontade a bordo de uma nave extraterrestre.
O assunto pareceu adquirir um certo aspecto endêmico quando três ufólogos, Bud Hopkins, David Jacobs e Ronald Westrum, na obra Experiências Pessoais Inusitadas, afirmaram que 3,7 milhões de norte-ame-ricanos sofrem de síndrome de rapto alienígena. Sem exagero, a quantidade era enganosa: os indagados, longe de confessarem livremente terem sido seqüestrados por UFOs, completavam um questionário sobre experiências distintas. Em suas respostas, os supostos abduzidos deixaram escapar alguns detalhes que possibilitaram as interpretações a que os ufólogos desejavam chegar. Para eles, a certeza de que a pessoa teve uma lacuna mental inexplicada, por exemplo, passava a ser um sintoma típico de abduzido latente. O auge alcançado pela difusão desses relatos, que em filmes como Intruders e Fogo no Céu recriaram vivências reais, foi objeto de análises mais cuidadosas.
O estudioso do folclore Thomas Bullard, por exemplo, numa pesquisa baseada em 309 casos recopilados em 17 países, registrados desde 1957, notou que o conteúdo de cada história se desenvolve seguindo uma ordem estrutural estabelecida: captura, exame, conversa com os ETs, passeio pela nave, viagem a outro mundo, teofania (visão dentro de uma visão), retorno e seqüelas.
Bullard descobriu que se convenientemente nenhuma abdução cobria todas as fases, pelo menos todas respeitavam essa seqüência. Para o professor da Universidade de Indiana, só o fato de a estrutura dos casos não ser uma sucessão de cenas caóticas isto já demonstrava que as experiências eram reais. Porém, Bullard não contava com o olho crítico de Martin Kottmeyer, ca-sualmente o mais perspicaz observador do impacto da sociedade na formação da mitologia extraterrestre. Kottmeyer reparou a virtude da antropologia cultural reeditando um clássico intitulado Homens Tigres de Marte, da série Buck Rogers no Século XXV, publicada em 1930. Ou seja, 31 anos antes de se difundir o primeiro grande caso de abdução. Na historieta, os marcianos que rap-tam Wilma, protagonista da série, seguem ao pé da letra as condições que Bullard impôs para as abduções reais.
Nas palavras de Kottmeyer, “… é óbvio que a presença da estrutura não prova que a história do folhetim tenha ocorrido realmente, e deve se assinalar que umas historietas esquecidas não podem ter nenhuma influência crível nas abduções atuais. Portanto, é muito mais provável que o que ambos compartilham é uma regra de ordenação intuitiva derivada da mesma dramaticidade da vida diária”. Em outras palavras, as abduções reais e as imaginárias provavelmente refletem a ordem adequada de contar uma história, que consiste em: introdução das personagens, perigo e conflito, explicação e conhecimento, bons desejos, suspense, clímax, final e novos capítulos.
A ERA DA CONSPIRAÇÃO — Por sua vez, o professor Bertrand Méheust, em seu livro Ciência, Ficção e Discos Voadores, faz desfilar toda uma galeria de humanóides pacifistas, anões cabeçudos dedicados a recolher espécimes e ufonautas telepatas que fazem o possível para não interferirem no desenvolvimento terrestre. Estas historietas desenterram fábulas publicadas em folhetins franceses e em novelas inglesas escritas em épocas tão antigas como 1911, 1919 e 1934. Pois bem, por que essas aparições ressurgiram tais como haviam sido imaginadas? Por que os relatos ditos reais não mostram nenhuma ruptura com as fantasias daqueles autores?
Talvez porque a única continuidade possível deva se dar no plano da ficção. Sendo assim, a experiência extraterrestre oferece um marco cultural – e a oportunidade – para que as pessoas resolvam suas tensões ante acontecimentos que não podem explicar de outra maneira. Essas contradições se liberam através de uma linguagem compreensiva, adaptada ao contexto: referir-se a seres com escafandro hoje tem “mais sentido” que falar de diabos, fadas e duendes.
Um exemplo que reforça este argumento é a resposta que deu um peculiar grupo de espectadores do filme de Spielberg, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, durante um debate de cinema organizado pela etnóloga Danièle Vazeilles, em 1979. O público era de uma comunidade Sioux, e os cheyennes acharam que o cenário do filme reproduzia as diferentes etapas de suas técnicas estáticas. Qual a diferença entre o ritual de iniciação de feiticeiros entrando em seus mundos espirituais e as viagens galácticas que os abduzidos afirmam realizar? Para Mehéust, os últimos “vivem episódios alucinatórios não patológicos que os transportam a estados de consciência próximos ao transe”. A possessão espiritual, o transe voluntário ou as abduções, portanto, são parte de uma mesma experiência: os encontros inesperados com seres fantásticos não são exclusivos das chamadas culturas primitivas. Por sorte, estes contatos sobrevivem nos tempos modernos: só que agora se expressam através dos temas que predominam no folclore do maravilhoso e tecnológico século XX.
O clássico prejuízo contra quem diz ter sido seqüestrado por um UFO: afirmar que essas pessoas estão loucas – para não citar observações mais desagradáveis – acaba de ser refutado por um estudo publicado na revista de Psicologia Anômala, de onde o doutor Nicholas Spanos, da Universidade Carleton de Ottawa (Canadá), assinala que “os abduzidos não se diferem em um grupo de controle por seus indicadores de psicopatologia, inteligência, fantasia e sugestionabilidade”. A principal diferença consiste em que crêem fortemente na existência de alienígenas.
Spanos sublinhou que 60% dos incidentes estão associados com o sonho. No geral, o fato desses acontecimentos serem interpretados como “reais” também se relaciona à produção de alucinações individuais e coletivas
, à paralisia durante o sonho e à oportunidade de conversarem sobre a experiência com pessoas que estimulem sua convicção de que foram raptados por extraterrestres. Geralmente, é por esse motivo que os contatados preferem acreditar nas explicações ufológicas: por não terem um melhor embasamento para se apoiarem.
O governo oculta a verdade; há alguém aí fora; eles estão entre nós; do alto nos observam e os olhos podem ser do comandante alienígena Ashtar Sheran, ou outra entidade extraterrestre e, por que não, de Deus. Estas ordens estão em vigência agora como há 50 anos. Chama a atenção as conspirações nas quais crêem os Homens Livres de Montana, que afirmam que o Estado Federal implanta chips no cérebro dos contribuintes, ou que um conhecido idealista das milícias é um fervoroso promotor, que as EBEs (Entidades Biológicas Extraterrestres) fizeram um pacto secreto com o governo. E, graças a esse pacto, os extraterrestres revelam parte de sua tecnologia para seqüestrarem espécimes humanas.
Sem dúvida, na década de 50 o contexto conspirativo, que costumava roçar a xenofobia, parecia mais claro e desenvolvido do que atualmente. O clima era de guerra e, conforme afirmavam, o inimigo poderia estar em qualquer parte. Ao mesmo tempo em que os ETs representam um super ego sobre-humano, com uma civilização altamente desenvolvida tecnologicamente (que superou a barreira da velocidade da luz e já percorreu de ponta a ponta todos os confins do universo), os filmes de ficção científica parecem mantê-los dentro de uma mesma tradição.
MISTICISMO CIBERNÉTICO — O sombrio ritmo paranóico que imprimem as aventuras dos agentes Fox Mulder e Dana Scully, em Arquivo X, retoma as desventuras do solitário David Vincent, o arquiteto que lutava contra os invasores de um planeta que se extinguiu. Se não fosse pelo fato de que eram relatados com o dedo mínimo ereto, os impávidos alienígenas de Os Invasores eram indistinguíveis de qualquer vizinho. Os marcianos de A Guerra dos Mundos não parecem diferentes dos colossais monstros espaciais que reduzem a pó o Capitólio em Independence Day. Se antes eram uma metáfora dos malditos comunistas, agora são os únicos inimigos possíveis.
Em O Dia que a Terra Parou, um missionário extraterrestre recorria a um discurso intimidatório para que a Humanidade parasse os testes nucleares, pois punham em perigo o equilíbrio do Sistema Solar. Segundo o programa norte-americano Entertainment Weekly, até 1994 o filme havia sido visto por 296.047.938 espectadores, encabeçando a lista dos cem filmes mais populares. Mas a crítica considerou que sua ternura não levava a parte alguma.
O vazio de aliens em formato espiritual somente parece haver sido salvo na vida cotidiana, pois a mensagem pacifista se modelou em movimentos de contatados com os irmãos do espaço. Por mais adversários que tenha, o contato é uma das poucas inovações religiosas do século que, diferente da efêmera moda angélica, cada vez ganha mais adeptos entre os buscadores espirituais, aficionados pelo mistério e fascinados pelo paranormal. Isto acontece enquanto a busca de inteligência não humana parece decair.
Contra a opinião do Congresso dos Estados Unidos, a detecção de murmúrios eletromagnéticos originados em outras possíveis civilizações extraterrestres abre perspectivas de enorme interesse científico. Porém, em 1993, os parlamentares retiraram a NASA do projeto, que prossegue no Instituto SETI – uma corporação privada da Califórnia. Hoje, quando os radiostrônomos preparam toda forma de esclarecimentos para não serem confundidos com os ufólogos, é legítimo perguntarmos qual teria sido o futuro de nossa busca sem sonhadores que imaginassem um universo abarrotado de tráfego intergaláctico.
A mesma pergunta cabe aos ufólogos científicos que repudiam aos contatados porque, segundo eles, convertem sua ciência em religião. Uns e outros não parecem admitir que no país do nunca-jamais há lugar para todos. Se bem que Independence Day promete renovar o furor popular pelos mistérios espaciais, pelo menos similar ao que despertaram os filmes de Spielberg dedicados ao gênero. A película encarregada de revelar a verdadeira identidade dos visitantes alienígenas, todavia, não foi feita: uma profecia esperada até o final do milênio é protagonizada por um super herói extraterrestre chamado Jesus. Sonham os humanóides com guias céticos? Difícil, mas asseguro que Philip Dick ficou encantado com os andróides de Blade Runner que acreditavam em um profeta quase tão humanista quanto Cristo.