O cinema teve alguns sofríveis filmes com temática alienígena nos últimos tempos, como Battle: Los Angeles e Skyline, com tramas de invasão onde as explosões e a ação não deixavam espaço para uma história digna dessa qualificação.
Esse felizmente não é o caso de Paul (que para seguir uma triste tradição brasileira, recebeu o lamentável subtítulo Contatos Imediatos com Essa Figura). Na trama, dois nerds britânicos, Graeme (Simon Pegg), e Clive (Nick Frost), visitam a Comic-Con de San Diego, a maior feira de fantasia e ficção científica do mundo, e depois emendam uma viagem até a Área 51. A dupla para no Little Ale´inn em Rachel, e finalmente topa com Paul, um alienígena cinzento (embora sua pele tenha um tom esverdeado), dublado por Seth Rogen, que depois de 60 anos como hóspede do governo americano, prestando consultoria em variados assuntos, descobriu que querem dissecá-lo e decide voltar para casa.
Tem início uma divertida viagem, em que os três amigos são perseguidos por agentes do governo e fanáticos religiosos, em meio a muitas referências a filmes e seriados considerados clássicos da cultura nerd. Quase nada podemos descrever nesse sentido (do contrário estragaríamos o filme), mas podemos dizer que, em certa cena em flashback em que Paul fala com uma personalidade muito famosa ao telefone, esse indivíduo é exatamente aquele que tem seu nome mencionado. Somos forçados a concordar com Grame quando ele diz que é imensa a influência do alienígena na cultura pop!
Contudo, o que gostaria de discutir aqui é a tremenda inteligência do roteiro do filme, que traz a mais contundente e engraçada crítica ao fanatismo religioso que o cinema apresenta em muitos anos. Especificamente, contra a crendice do criacionismo e sua pretensa vertente científica, o design inteligente.
Lamentavelmente, esse é um embate que está em plena fúria nos Estados Unidos (paradoxalmente a nação mais cientificamente avançada de nosso mundo), com lances que têm se sucedido há quase um século. Resumidamente, o criacionismo é uma interpretação fundamentalista da Bíblia, e seus adeptos consideram que a Terra, a humanidade e o próprio Universo foram criados por Deus, há menos de dez mil anos, exatamente como está ali escrito.
O design inteligente é uma tentativa de dar uma pretensa base científica ao criacionismo, mas obviamente nada tem de científico. É necessário deixar claro que a ciência trabalha com base em fatos, e inúmeras de suas disciplinas estabelecem que o Universo existe há 13,7 bilhões de anos, e a Terra e o Sistema Solar há 4,5 bilhões de anos. A origem da vida, por sua vez, teria ocorrido há 3,8 bilhões de anos, e nossa espécie, Homo Sapiens Sapiens, surgiu na África há cerca de 100.000 anos.
Assim, os criacionistas vão contra todas essas descobertas de disciplinas como a cosmologia, astronomia, geologia, biologia, paleontologia, arqueologia, e muitas mais. E não apenas isso, não contentes em somente divulgar suas idéias, eles procuram impô-las, como por exemplo instituindo o ensino de criacionismo em aulas de biologia.
Eles defendem essa prática equivocada como sendo uma “opção” a Evolução, o que é um completo absurdo. Aula de biologia é uma aula de ciência, ou seja, onde têm que ser apresentados fatos. E as idéias do criacionismo não são fatos, mas somente uma interpretação fundamentalista e obscurantista da Bíblia.
Em ciência, sabe-se. Em religião, acredita-se. São aspectos bem diversos da experiência humana, e se ambos podem ser benéficos para as pessoas, misturá-los nunca poderia dar certo.
Recomendo, aliás, a esse respeito, a edição UFO Especial 36: Alienígenas na Ficção Científica, da qual fui editor convidado, sendo que um dos artigos fala justamente do nosso assunto. Evolução: ficção e realidade juntas, de autoria do amigo e biólogo Átila Oliveira, usou o exemplo de alguns filmes para falar da Evolução, tal como proposta por Charles Darwin, além de evidentemente salientar os equívocos do criacionismo. Átila ainda mantém um excelente blog sobre biologia, ciência e evolução, o Pegadas de um Dinossauro no Século XXI.
Por sinal, um dos maiores absurdos divulgados pelos criacionistas é a idéia de que dinossauros e seres humanos conviveram, sendo que os primeiros foram extintos há 65 milhões de anos! O pior mesmo é que no Brasil existem pessoas conhecidas, como a ex-senadora Marina Silva, e determinadas instituições de ensino que defendem o ensino do criacionismo em aulas de biologia. De novo, como “alternativa”, o que já comprovamos como algo inaceitável. Seria algo equivalente a voltar a ensinar o sistema geocêntrico para o sistema solar, como “alternativa” ao mais que comprovado sistema heliocêntrico.
Anda podemos recomendar o programa Espaço Aberto Ciência e Tecnologia da Globonews, que neste último dia 21 de novembro tratou justamente do embate criacionismo e evolução.
Depois de explicar a situação a respeito das tentativas dos criacionistas de impor unilateralmente seu ponto de vista, podemos voltar a falar de Paul. Ele, Graeme e Clive param em um parque de trailers de propriedade de um pai e sua filha, dois fanáticos religiosos. A moça, Ruth Buggs (Kristen Wiig), tem um olho mal formado e veste uma camiseta onde Jesus atira em Charles Darwin. Em determinado ponto, ela pergunta aos rapazes se eles são homens de fé, e quando eles a contrariam dizendo serem amantes da ciência, Ruth começa a divulgar suas idéias criacionistas. Paul, escondido no banheiro do motorhome, diz: “bobagem”.
Ruth então pergunta como ele explica o olho humano, se ele acha que o órgão “surgiu do nada”. Paul, ainda escondido, diz que não surgiu do nada, mas sim através de milhões de anos de evolução envolvendo incontáveis espécies. A moça insiste, e o alienígena, perdendo a paciência, finalmente abre a porta e se mostra, perguntando: “então, como você me explica?”. Naturalmente, ela desmaia em seguida!
Ruth evidentemente considera que Paul é um demônio, e acontece ainda um divertido, mas contundente e muito informativo debate, até que Ruth comece a colocar suas idéias fundamentalistas de lado. Paul até mesmo cura o olho da moça, que livre do obscurantismo que limitou sua vida até ali, começa a se sentir atraída por Graeme, enquanto a perseguição dos agentes do governo continua atrás deles.
É interessante constatar o furor que Paul causou em sites criacionistas. Por exemplo, o Christiananswers, afirma que o filme ataca a crença cristã, o que claramente não é o caso. O filme satiriza a crendice criacionista, e por sinal, vale lembrar que a Igreja Católica nos Estados Unidos tem vencido processos contra os criacionistas e o ensino do criacionismo em aulas de biologia. O Vaticano, aliás, condena veementemente qualquer interpretação literal da Bíblia, tal como feita pelos fundamentalistas.
Já o site Whyevolutionistrue elogia o filme, e tem inclusive a imagem da camiseta de Ruth, além de links para sites dedicados a cinema com análises de Paul.
O site The2012deception vai mais longe, criticando o fato de Ruth ser libertada de suas idéias criacionistas, além dos poderes de Paul, especialmente os de cura. Além disso, chega ao ponto de dizer que o termo grego para “anti-cristo” representa não apenas aquele que combate Cristo, mas que deseja usurpar seu lugar.
Finalmente, o Godsebook ataca o fato de Pegg e Frost, que também escreveram o roteiro, se declararem ateus, e também critica os poderes de cura de Paul.
Enfim, é necessário entender que, nos Estados Unidos, a liberdade de expressão e crítica é total. Por exemplo, experimente o leitor procurar Great Moments in Presidential Speaches no You Tube. Este era um quadro do programa de David Letterman, onde o alvo era sempre o ex-presidente George W. Bush. Ao lado de grandes discursos de presidentes como Roosevelt ou Kennedy, os produtores editavam discursos de Bush e literalmente faziam com que barbaridades saíssem de sua boca. E jamais se teve notícia de que o tão criticado ex-presidente tenha ameaçado o programa ou seu apresentador.
Essa é a verdadeira liberdade de expressão. Podemos imaginar as consequências se algo equivalente fosse feito aqui no Brasil…
Assim, Paul, como as melhores obras do cinema, utiliza-se de uma temática de ficção científica não somente para apresentar a verdadeira ciência a quem está assistindo, mas também para criticar uma minoria que, de forma fascista, desejam impor a imensa maioria seus pontos de vista fundamentalistas e obscurantistas.
Infelizmente, depois de estrear nos Estados Unidos em 18 de março de 2011, Paul foi exibido somente no Festival do Rio aqui no Brasil, tendo sua estréia nos cinemas sido cancelada. As informações dão conta de que será lançado direto em DVD e Blu-ray, em data ainda incerta. Se existe vida inteligente lá fora, aqui no Brasil, especialmente no mercado cinematográfico, aparentemente ela segue sendo somente especulação…
Quando Paul for lançado no mercado, a recomendação é que o leitor assista! Um dos filmes mais inteligentes dos últimos tempos, com muito humor, repleto de referências a algumas das maiores produções da ficção científica, e ainda defendendo a boa ciência como havia tempos a FC não fazia.
Minha análise do filme, publicada no site Aumanack.
Trailer internacional de Paul.
Meu próximo livro, uma antologia de contos intitulada Filhas das Estrelas, será lançado em dezembro.
Um conto com o tema do Halloween, e com a presença de um divertido alienígena, em meu blog EscritorcomR.
Meu livro, De Roswell a Varginha, no Portal da Ufologia Brasileira.
Até a próxima.