Em 17 de maio de 1952, a extinta revista O Cruzeiro trazia um encarte extra com o título Disco Voador na Barra da Tijuca. O texto informava em letras garrafais um fato impressionante: “A revista O Cruzeiro apresenta, num furo jornalístico espetacular, a mais sensacional documentação jamais conseguida sobre o mistério dos discos voadores”. A publicação deixava claro que se tratava de uma nave alienígena, quando completava a descrição sumária do fato: “O estranho objeto veio do mar com enorme velocidade e foi visto durante um minuto. Tinha cor cinza-azulada, era absolutamente silencioso, sem deixar rastros de fumaça ou de chamas. Leia o relato completo da fascinante aparição na Barra da Tijuca”. A matéria foi assinada por dois grandes nomes do Jornalismo da época, o repórter fotográfico Ed Keffel e o jornalista João Martins.
Mais abaixo, na capa, do lado esquerdo das fotos de Keffel e Martins, ambos vestidos à caráter, o texto informava ainda: “Fantástico mas real. O disco voador sobrevoando a Pedra da Gávea, vendo-se sua parte inferior”. Estava assim, oficialmente falando, aberta de uma forma definitiva a polêmica sobre UFOs e extraterrestres em nosso país, 50 anos atrás. Embora a Ufologia já viesse sendo praticada antes disso, inclusive com extraordinários acontecimentos, foi a partir da reportagem sensacionalista de O Cruzeiro que a população passou a dar mais atenção ao tema. A revista tinha enorme circulação, para os padrões da época, e era lida pela elite brasileira. A edição a que nos referimos foi lançada nas bancas em 08 de maio de 1952, embora na capa constasse a data de 17 daquele mês. Isso é comum até nos dias de hoje, lançar publicações nas bancas com data futura. O que não é comum, atualmente, é uma revista dar tanta atenção ao Fenômeno UFO. Algumas edições da Manchete e Fatos & Fotos, ambas extintas, assim como O Cruzeiro, anos mais tarde trariam reportagens de capa sensacionalistas sobre discos voadores.
Volta ao Mundo — Além dessa edição específica, de maio de 1952, O Cruzeiro também noticiou o Caso Barra da Tijuca, como ficou imediatamente conhecido, várias outras vezes, como em 02 de novembro de 1954, 16 de novembro de 1957, 31 de dezembro de 1959 e 12 de dezembro de 1973. Jornais e revistas em todo o mundo obtiveram o material de O Cruzeiro e o reproduziram inúmeras vezes, com fotos e textos.
O Caso Barra da Tijuca correu o planeta, foi tratado em livros, palestras e também em boletins ufológicos de todo o planeta, tais como o APRO Bulletin e o Inforespace, respectivamente os órgãos de divulgação da entidade norte-americana Aerial Phenomena Research Organization (APRO) e belga Société Belge de Étude des Phenómènes Spatiaux (Sobeps). Elas eram pioneiras em todo o mundo e consideradas entre as mais sérias. Enfim, as fotos de Ed Keffel e João Martins estão entre as mais publicadas em toda a história da Ufologia. Mas o que aconteceu de fato na Barra da Tijuca? Vamos conhecer esses dados lendo o artigo da tal edição extra. Ele informa que, em 07 de maio 1952, entre 16:00 h e 16:30 h, os repórteres Ed Keffel e João Martins estavam naquele local da zona sul carioca fotografando casais apaixonados, que para lá se dirigiam em busca de privacidade. Em 12 de dezembro de 1973, o próprio O Cruzeiro, em artigo escrito por Júlio Bartolo, informava que os repórteres estavam na Barra tentando localizar um estrangeiro que se parecia com Hitler, para uma matéria. Outro artigo posterior mencionou que eles estavam atrás do foragido Luís Carlos Prestes.
E por aí vão as versões, num flagrante de que já começam as divergências sobre o caso e o que os repórteres estavam fazendo no local. Isso é crucial, pois se soubéssemos o que pretendiam de fato na Barra da Tijuca, teríamos condições de avaliar melhor a forma como as fotos foram feitas. De qualquer forma, Keffel e Martins saíram da redação da revista por volta das 12:00 h e, perto das 13:00 h, atravessaram a pequena laguna que separava o Grande Rio de Janeiro da Barra da Tijuca no barquinho Piaba.
Keffel e Martins chegaram, então, ao Bar do Compadre, de propriedade de Antônio Teixeira, na Ilha dos Amores, e almoçaram camarões. Por diversas vezes, se levantaram para acompanhar as acrobacias de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), que estavam sobrevoando o local. Depois sentaram na areia e ali fica ram conversando. Por volta das 16:00 h, segundo contam na matéria, um disco voador apareceu vindo do mar. Martins pediu para Keffel bater fotos do objeto. A primeira que teria obtido foi contra o Sol. A segunda deu-se com o objeto acima do morro Dois Irmãos, que fica nas imediações. A terceira foi com o suposto disco voador sobre a Pedra da Gávea e, a quarta, sobre o morro que desce para o mar, onde havia uma palmeira. A quinta e última foto mostrava o objeto retornando para o mar, tendo ao fundo as ilhas Alfavaca e Pontuda.
Acrobacia Cósmica — Foi uma bela acrobacia, a realizada pelo disco voador de Keffel e Martins. Observando sua trajetória num mapa, podemos verificar que o objeto fez um círculo quase perfeito ao redor dos dois repórteres: veio do mar e para ele retornou. “Era totalmente silencioso e tudo durou aproximadamente um minuto”, enfatizavam os repórteres em sua matéria. Após o fato, Keffel e Martins ligaram imediatamente para a redação de O Cruzeiro e informaram o que havia acontecido. Ainda procuraram por testemunhas na área, mas não encontraram nenhuma. O pescador Claudionor – o Nonô – nada vira, assim como o dono do bar, Antônio Teixeira. Dois casais que ali estavam comendo camarões também disseram nada terem visto. E assim, sem ninguém para lhes corroborar a história, Keffel e Martins voltaram correndo para a sede de O Cruzeiro. O último declarou posteriormente que dirigiu seu carro “a mil por hora” e ainda que ambos “esperaram uma eternidade pela revelação do filme”.
Os diretores da revista, Leão Gondim de Oliveira e Accioly Netto, e o pessoal que trabalhava no laboratório fotográfico da publicação, José Amádio, Milton D’Ávila e Ari Vasconcelos, compartilhavam da ansiedade dos repórteres. “Quando, por fim, o filme foi tirado do fixador, e lá na película surgiram as imagens do disco, o entusiasmo foi geral”, declarou Keffel. A imediata ampliação dos negativos veio confirmar seu relato, sem possibilidade de dúvidas. Até o adido de Aeronáutica da embaixada norte-americana no Rio de Janeiro, coronel Hughes, estava aguardando a revelação.
Finalmente, lá estava o disco voador devidamente documentado em cinco fotos belíssimas. Os diretores de O Cruzeiro mandaram parar as máquinas e fizeram rapidamente um encarte extra com a notícia. Infelizmente, no entanto, não houve tempo para se alterar a capa da edição, que já estava impressa. A notícia explodiu rapidamente e, no dia seguinte, rádios e tevês noticiavam para todo o Brasil o feito dos repórteres. A redação de O Cruzeiro foi literalmente invadida por todo tipo de curiosos. Veio até a redação o então ministro da Guerra, general Ciro do E. S. Cardoso, o chefe da Casa Militar da Presidência da República, general Caiado de Castro, os majores Artur Peralta e Fernando Hall,o capitão Múcio Scevola e o técnico em fotografia Raul Alfredo da Silva, todos do Estado-Maior da Aeronáutica à época.
Edição Esgotada — Assim que a notícia foi para as bancas, a revista esgotou rapidamente. Foi um dos maiores fenômenos editoriais de todos os tempos em nosso país. Nos dias seguintes, alguns oficiais da Aeronáutica, chefiados e orientados pelo coronel João Adil de Oliveira, estiveram na Barra da Tijuca junto de fotógrafos e, com o auxílio de dois modelos, tentaram reproduzir a mesma seqüência de fotos. Queriam checar se havia possibilidade de fraudes. Eles estavam certos em tentar uma análise daquele material.
Se as fotos do Caso Barra da Tijuca deram a volta ao mundo, o mesmo aconteceu com sua veracidade. Muito já se questionou sobre as divergências entre as sombras causadas pelo Sol no objeto fotografado e na paisagem ao redor. O próprio diretor de O Cruzeiro, Leão Gondim de Oliveira, contratou o perito Carlos de Melo Éboli, da Polícia Técnica, para a elaboração de um laudo técnico. Realmente, as sombras eram divergentes. Mas o que isso significaria? Em janeiro de 1955, a revista Ciência Popular, em sua edição 76, divulgou que as imagens de Keffel e Martins eram falsas. Em outubro de 1957, a mesma publicação, agora em sua edição 109, veiculou novamente a mesma coisa. Desta vez o texto dizia que O Cruzeiro teria explorado as fotos com fins comerciais.
“Uma das mais esplêndidas revistas no gênero, inclusive pelo seu quadro de excelentes jornalistas, durante várias semanas também explorou tais fotografias obtidas na Barra da Tijuca por dois de seus repórteres”. E completava: “As fotografias são completamente falsificadas, como afirmamos em nossa edição de janeiro de 1955, e agora tornamos a declarar”. Já na época as fotos de Keffel e Martins não foram engolidas facilmente.
A Ciência Popular foi ainda mais longe, publicando que esperava que O Cruzeiro estivesse apenas tentando despertar a curiosidade de seus leitores, para depois mostrar como conseguira falsificar as fotos, “e assim pôr um ponto final nessa mania de discos voadores”, segundo transcrição literal do texto. “Mas aconteceu o imprevisto, é o que supomos, com a entrada em cena de alguns oficiais da Aeronáutica, exatos cumpridores de seus deveres, magníficos pilotos, mas inteiramente jejunos em conhecimentos científicos”, continuou o artigo da Ciência Popular. Segundo a revista, para esses oficiais a reportagem de Keffel e Martins viera a calhar, pois puderam explorar o tema como nunca antes, fazendo conferências, dando entrevistas etc. “Até foram à Campinas recolher uma amostra de estanho desconhecido na Terra, segundo parecer de um químico campineiro, que com as asnices que proferiu apenas patenteou nada entender de sua especialização”. Os repórteres de Ciência Popular garantiam que uma conjunção de fatores e muita ignorância científica explicaria a manutenção de um embuste tão grosseiro, aceito apenas por incultos.
Duro Golpe nas Fotos — “Temos plena convicção do que afirmamos, porque essas fotografias falsificadas de O Cruzeiro foram feitas na presença de amigos nossos, pessoas de grande valor moral, que os repórteres consideraram simples pescadores. Nossos amigos estavam na Barra da Tijuca naquela ocasião, a pescar e satisfazendo um hobby”, finalizou o artigo de Ciência Popular, num dos mais duros golpes que Keffel e Martins teriam em sua reputação. E estava longe de ser o último. O físico nuclear canadense Stanton Friedman diz que uma alegação extraordinária requer evidências extraordinárias que a garantam. Este é o caso. Um conjunto de fotos tão extraordinárias e espetacularmente obtidas requeria, igualmente, um conjunto de evidências sólidas e inquestionáveis de sua autenticidade. E desde os meses e anos seguintes à obtenção das fotos da Barra da Tijuca, nem Keffel, nem Martins puderam oferecê-las a quem quer que seja.
Em dezembro de 1981, em correspondência ao ex-ufólogo paulista Carlos Alberto Reis [Veja matéria Para onde caminha a Ufologia Brasileira?, em UFO 70], William H. Spaulding, diretor da entidade ufológica norte-americana Ground Saucer Watch (GSW), informou que já tinha analisado as fotos de O Cruzeiro e que as sombras eram completamente divergentes – principalmente na quarta foto, onde aparece uma palmeira. Nesse caso, o mais gritante é que o ambiente estava iluminado da direita para a esquerda, quase frontalmente, com o Sol ligeiramente deslocado, mas o suposto disco voador estava iluminado da esquerda para a direita. A GSW também descobriu que a fotografia apresentava distorção atmosférica, ou seja, que o fundo da foto estava longe e o objeto fotografado, perto. Conclusão: para Spaulding, foi usado um modelo d
e 40 cm de diâmetro para forjar as imagens. Amparado por tamanho respaldo, Reis publicou uma matéria na revista Planeta, na edição 138-C, em março 1984. E novamente a polêmica voltou ao cenário ufológico, tendo de um lado os defensores da autenticidade da foto e, do outro, os da fraude.
Preço Alto — Apesar da reputação da GSW, Reis pagou um preço alto por ter decidido revelar a verdade. “Mexi numa casa de marimbondos ao querer informar, simplesmente, que as fotos da Barra da Tijuca eram falsas”, desabafou Reis ao editor de UFO, A. J. Gevaerd. De fato. Também sobrou para a Ground Saucer Watch (GSW), que à época era uma das poucas entidades em todo o mundo que realizava esse tipo de análises em fotos e negativos ufológicos. Como se constatou posteriormente, na quinta e última foto da seqüência de Keffel e Martins também a sombra é completamente divergente no que diz respeito à posição real em que estava o Sol. O leitor poderá acompanhar nesta matéria os detalhes, observando na respectiva foto que a seta mostra claramente que, para gerar a sombra no objeto voador não identificado, o Sol deveria estar dentro do Oceano Atlântico…
Mas com um modelo posicionado de forma correta no ar, não se vê sombras no objeto. Na tentativa de analisar todos os ângulos dessa controvérsia, em benefício da Ufologia, fizemos uma foto semelhante, também publicada nesta matéria, usando um modelo fabricado. Esta fotografia foi batida no mesmo horário, no mesmo dia e no mesmo mês em que Keffel fez sua quinta foto – porém 32 anos depois, para se ter certeza de que o Sol estaria exatamente na mesma posição em que estava quando a foto original foi obtida.
Jogo de Sombras — Essa não foi uma tarefa simples. Em meio à polêmica instalada com a publicação do artigo de Reis na Planeta, o autor preparou um modelo em escala compatível com o suposto UFO de O Cruzeiro e viajou para a Barra da Tijuca, em 07 de maio de 1984. O local estava bem diferente de 1952, mas os referenciais ainda estavam lá. Trinta e dois anos depois, no mesmo mês, no mesmo dia, no mesmo horário, no mesmo local e na mesma posição, para se aproveitar o Sol na inclinação certa, fizemos os testes. E realmente constatamos que as sombras geradas pela luz solar no ambiente e no objeto são divergentes.
Para chegar a isso, primeiro foi fotografado o ambiente, e depois foi sobreposta a imagem do objeto, ou vice-versa. Concluímos, então, que o disco voador de Keffel e Martins, pelo menos no que se refere à quarta e a quinta fotos, foi provavelmente iluminado de forma artificial, com luzes ou refletores para uso fotográfico, já existentes na época. Com essas conclusões, os autores iniciaram um longo estudo do Caso Barra da Tijuca, analisando não só as sombras divergentes, mas também o que deve ter acontecido desde que Martins e Keffel tiveram a idéia de fabricar aquelas fotos e porquê. Membros do laboratório fotográfico da revista O Cruzeiro, consultados, informaram que, antes das fotos, a dupla passou aproximadamente um mês inteiro indo e vindo da Barra da Tijuca, possivelmente para planejar como iria fabricá-las. E o fez com o conhecimento da diretoria da publicação, o que é pior.
Segundo fontes, Martins teria sido o mentor do plano. Na época da revelação das fotos e logo depois, muitas pessoas consultadas afirmaram que a revista estava com sua vendagem baixa, e que, por isso, seus diretores resolveram lançar uma “bomba” no mercado, para aumentar os números de venda e diminuir o encalhe. Outras disseram que O Cruzeiro fez apenas uma brincadeira para depois mostrar a realidade ao público. Mas como alguns oficiais da Aeronáutica entraram e endossaram a autenticidade das fotos, a revista não teve outra opção senão assumir a publicação na íntegra, da forma que foi feita. Estariam os diretores de O Cruzeiro tentando proteger os militares brasileiros que, precipitada e ingenuamente, reconheceram a legitimidade das fotos? Essa é uma das perguntas sem resposta que temos no Caso Barra da Tijuca. O próprio João Martins disse a um amigo que tudo foi brincadeira e nunca imaginou que o caso teria uma repercussão tão grande.
É uma triste constatação, mas o fato é que a Ufologia Brasileira começou com uma fraude gritante. Para se chegar a essa conclusão, no entanto, muito trabalho foi empreendido, muitas análises foram feitas e refeitas, e muitas testemunhas foram ouvidas. Nosso trabalho começou com o estudo das circunstâncias técnicas da fotografia, do negativo, da câmera e métodos de obtenção. Ed Keffel tinha em sua máquina fotográfica, uma Rolleiflex, um filme com doze poses. O negativo revelado mostra que Keffel usou as seis primeiras para fotografar dois elementos do hotel onde estava residindo (duas fotos), uma paisagem (uma foto), um companheiro da redação de O Cruzeiro (uma foto), um casal de namorados (uma foto) e o dono do restaurante (uma foto). Na sétima foto, batida pelo dono do bar, no local onde surgiu o disco voador dos repórteres,os próprios aparecem almoçando camarões. Restam então cinco poses, e é justamente nelas que está o suposto objeto voador não identificado, que hoje sabemos não ser nada além de um embuste.
Fotomontagem Típica — Para se começar a entender a trama, foi necessário analisar as fotos sem cortes, embora elas tenham sido publicadas diversas vezes com cortes. Em quase todas as cinco fotografias, mundialmente veiculadas, temos sempre, da metade para baixo do quadro, algo conhecido e, da metade para cima, o céu limpo com o disco voador de Keffel e Martins. Isso é típico de fotomontagens, e a grande maioria desses truques, na Ufologia, é feita usando-se a metade de cima da foto com o céu limpo e sem nuvens. Óbvio. Como os repórteres passaram praticamente um mês estudando o local, bem como fizeram várias experiências com modelos em laboratório, é muito provável que tenham antes fotografado o modelo e, depois, tenham ido à Barra da Tijuca para fotografar o ambiente. Assim conseguiriam a fotomontagem. E como Keffel e Martins foram diversas vezes ao local, provavelmente estavam aguardando um dia propício para a execução do truque, sem muitas nuvens no céu.
Martins, em suas reportagens, sempre utilizava os veículos da empresa, com motorista próprio. Mas no dia em que Keffel e ele fo
rjaram as fotos, ambos estavam com o carro de Martins. Por que? É evidente que eles queriam o menor número possível de testemunhas – e o motorista é uma a menos para se preocupar. Isso também é óbvio. Em suas análises no local, dias depois, os militares da Aeronáutica utilizaram um modelo e uma tampa de panela,e foram no mesmo ponto onde Keffel fez as fotografias. Queriam reproduzir a seqüência de cinco fotos em apenas um minuto, atirando o modelo para o alto. Mas não tiveram sucesso. Ora, se Martins e Keffel tivessem jogado um modelo para o ar, para assim fotografá-los, as sombras estariam todas corretas, e isso não aconteceu. A premissa dos militares estava errada. As fotos foram obtidas por montagem e não pelo arremesso de modelos para o céu. Até porque, se essa última fosse a técnica dos repórteres, considerando-se que no local, ainda que ermo, haveria testemunhas, elas certamente iriam denunciar a farsa. Em seus estudos, os militares falharam também em identificar as divergências nas fotos 4 e 5 – já nas fotos 1, 2 e 3, as sombras estão praticamente corretas. Também falharam ao jogar um modelo para o ar e querer, em apenas um minuto, sem o objeto atingir o chão, reproduzir as cinco fotos iguais as de Keffel. Isso só seria possível se o modelo fosse teleguiado…
Mas do ponto de vista técnico, o erro mais gritante dos oficiais da Aeronáutica brasileira foi tentar calcular a distância do suposto objeto voador não identificado em cada uma das fotos de Keffel. Isso é um tremendo absurdo. Em 31 de outubro de 1959, a revista O Cruzeiro chegou a publicar um estudo feito pela Força Aérea Brasileira (FAB) mostrando a distância do disco voador à câmera, a distância zenital do objeto, o azimute, a declinação, o ângulo horário e até a altura do disco voador em relação ao nível do mar. Oras, esse é um erro grosseiro de análise, mas ainda foi assim foi publicado. Por que? O estudo da FAB poderia até ser interessante, se não fosse um pequeno detalhe: não se sabia qual era o diâmetro do suposto disco voador. Sem esse dado, todos os detalhes da análise de nada servem. Isso a revista O Cruzeiro esqueceu-se de publicar, e a FAB calou a respeito. Aqui está outra obviedade, pois nas fotos de Keffel não há elementos técnicos de referência para se calcular o diâmetro do objeto captado, nem sua distância da câmera ou sua altura do solo [Veja na matéria um quadro com os dados divulgados pela FAB através de O Cruzeiro].
Erros Grosseiros — Os militares, no entanto, calcularam corretamente a inclinação do Sol em relação à linha do horizonte (nível do mar), que era de 27 graus e 30 minutos. Mas na hora de projetarem esse dado para uma análise perspectiva, cometeram alguns erros inacreditáveis, principalmente na quinta foto. A própria revista O Cruzeiro, talvez para chamar a atenção dos oficiais que fizeram os cálculos e as perspectivas equivocadas, fez questão de publicar, somente na quinta foto, um desenho que representasse sua análise, impresso bem em cima da própria imagem. Parece até uma indução para que a mesma seja aceita e reforce as análises. Nas outras fotografias, de 1 a 4, os desenhos representando as análises errôneas da FAB foram publicados separados.
Para se concluir que há manipulação, basta comparar as sombras nos desenhos e as sombras nas imagens do objeto. Qualquer leigo pode perceber esse grave erro. Não é necessário ser especialista em fotos para se constatar as divergências. Mas continuando nosso raciocínio, para tentarmos entender o que realmente aconteceu, ou seja, como a trama foi armada, devemos voltar novamente às 12 poses do filme de Ed Keffel. Em nosso entendimento, um fotógrafo profissional que se preze não sai por aí fotografando coisas particulares com um filme de propriedade da empresa para qual trabalha. Esse foi seu primeiro erro, e foi exatamente o que aconteceu. Por outro lado, se analisarmos uma vista aérea do local onde estavam Keffel e Martins na Barra da Tijuca [Marcado com um x na imagem publicada nesta matéria], veremos que esse ponto não está na frente do restaurante, como haviam afirmado, mas sim algumas dezenas de metros além dele.
Forçando a Barra — Ora, por que bateriam uma foto do dono do restaurante e depois pediriam para ele, Antônio Teixeira, bater uma deles? Sem sombras de dúvidas, fizeram isso para chamar sua atenção e também para ter uma prova de que estavam lá. É nesse ponto que se constata sua má-fé. Ou, em outras palavras, onde forçaram a barra – e não a da Tijuca… Se eles estavam naquele local para fotografar casais de namorados, como é que se explica que fotografaram somente um deles, já que havia vários naquela hora e o objetivo de sua matéria era justamente esse, segundo alegaram? Igualmente, por que as fotos anteriores foram feitas com coisas particulares? Tais fotografias nunca foram publicadas. Mas, de qualquer forma, não são relevantes para a elucidação deste caso. Aqui nós fazemos questionamentos para que se compreenda como a trama foi montada, e não como as fotos foram forjadas tecnicamente. E o que é muito relevante para nossa análise é que as cinco fotos do suposto disco voador são obtidas com a continuação do filme disponível na câmera de Keffel.
Hoje temos filmadoras de vídeo com baterias e fitas de longa duração. Mas antigamente não era assim. Quem chegou a filmar um casamento com um equipamento que usasse película de 8 mm entenderá melhor o seguinte raciocínio. Imagine que o leitor tenha que filmar um casamento que vai durar 30 minutos, mas só tem uma única película de 3 minutos. O cinegrafista tem que filmar apenas três minutos pegando as cenas mais importantes que vão acontecer durante o casamento, que tem 10 vezes mais duração. Para se conseguir distribuir corretamente e gravar as cenas principais, o leitor teria que saber todas as que ocorrerão no casamento com antecedência, para assim documentar os melhores momentos.
Essa informação, aplicada ao Caso Barra
da Tijuca, faz muita diferença. Keffel só tinha cinco negativos disponíveis em sua máquina, e ele precisaria saber com precisão e antecedência o que iria acontecer, para poder obter com qualidade as imagens. E sabia. Estava tudo programado. Keffel e Martins levaram um mês programando tudo, para que não houvesse erro.
Santo Desconfiado — Numa comparação com o exemplo do casamento, a primeira foto de Keffel seria da noiva entrando na igreja, ou seja, o suposto disco voador entrando em cena, vindo do mar para o continente. Depois, sobre o morro Dois Irmãos. Após isso, sobrevoando a Pedra da Gávea e, em seguida, o terreno onde havia a tal palmeira. Finalmente, quando a noiva sai da igreja e joga o buquê, no último negativo, o suposto disco voador aparece saindo de cena, retornando para o mar…
Foi tudo calculado meticulosamente e dividido com perfeição. Em apenas cinco fotos, Keffel e Martins conseguiram registrar seu disco voador de perfil, por cima, por baixo e inclinado. Há um ditado popular que diz que quando a esmola é muita, o santo desconfia… Peço a permissão do leitor para uma piada: para que a história e as fotos dos repórteres possam ser dadas como um fato real, somos obrigados a acreditar que o piloto do suposto disco voador tenha telefonado para Keffel e Martins marcando um encontro com dia, hora, minuto, local e direção pré-programada de vôo.
Em resumo, a desconfiança que tínhamos de que tudo não passava de uma farsa agora está devidamente confirmada. Pode-se especular que os diretores de O Cruzeiro, tendo em vista a baixa vendagem da revista, e também que estava na moda o assunto disco voador, resolveram preparar uma estratégia para aumentar as vendas. E contaram com Keffel e Martins, os mais destacados repórteres do time da revista, para executar o plano. Ou seria o contrário: os repórteres é que sugeriram a estratégia para seus patrões? Não sabemos. Mas o fato é que deu certo e a publicação teve um aumento vertiginoso de vendas. Talvez seja verdade o que alguns de seus funcionários alegaram depois, que os diretores da revista iriam divulgar como a fraude foi realizada, mostrando assim que é muito fácil fabricar fotos de discos voadores. Mas não o fizeram. E talvez jamais pudessem imaginar que os militares da época, comandados pelo coronel João Adil de Oliveira, iriam se interessar pelas fotos e, pior, dariam a elas autenticidade. É claro que não se insinua aqui que estes oficiais também tenham tido participação na trama. De qualquer forma, seu respaldo ao caso foi decisivo para que ela tenha sido mantida por tantos anos. E assim, infelizmente, vemos que a Ufologia Brasileira iniciou-se com essa grande fraude. Seria esse também o motivo dela não decolar até hoje?
A NECESSIDADE DE REVER POSIÇÕES
por A. J. Gevaerd
Duas coisas caracterizam um bom ufólogo. Primeiro, a capacidade de desprender-se de conceitos universalmente aceitos como inquestionáveis, nos campos da religião, ciência, sociedade, história etc. Ou seja, um bom ufólogo, diante do que representa o Fenômeno UFO, deve saber quando e como questionar seus conhecimentos tradicionais e aqueles que regem os pilares da sociedade – pois à luz da Ufologia muitos deles precisam ser revistos. Um bom ufólogo deve ter a flexibilidade de refletir sobre suas próprias opiniões, re formulando-as quando necessário, e a humildade de reconhecer seus próprios erros, em beneficio da Ufologia. Agindo assim, refazendo análises, reconduzindo estudos e revisando o que conhece, um bom ufólogo estará sendo também um ufólogo responsável.
Mas essas características não são simples de serem implementadas. É necessário muito caráter para isso. E uma boa dose de bravura. Quando se busca fazer uma Ufologia de qualidade, o ufólogo responsável deve, muitas vezes, ir contra aquilo que sempre teve como certo, aquilo que seus próprios colegas defendem, aquilo em que todos acreditam. A publicação dessa matéria é um bom exemplo disso. Seus autores, os ufólogos Claudeir e Paola Covo, estão tocando numa ferida exposta da Ufologia Brasileira ao revelarem que as tradicionais, onipresentes e universalmente aceitas fotos da Barra da Tijuca, feitas por Ed Keffel e João Martins em 1952, são falsas. Ora, elas são reconhecidas como pilares da Ufologia mundial e, principalmente, da nacional. E são falsas. Claudeir e Paola certamente serão criticados por muita gente ao publicarem esse artigo, como também será o editor de UFO e a equipe da revista. Há duas décadas, quando ousou fazer a mesma exposição das fotos da Barra da Tijuca, o então ufólogo Carlos A. Reis foi muito criticado. Talvez por isso tenha escrito, anos mais tarde, aqui na UFO, um dos artigos mais contundentes sobre os destinos da Ufologia [Para onde caminha a Ufologia Brasileira?, edição 70].
Ufologia “Moderna” — Os autores desta matéria estão repetindo o feito. Mas fazendo-o agora, em época de uma Ufologia “mais moderna”, talvez sua nobre motivação seja melhor compreendida. Eles são da opinião – compartilhada por expressiva maioria dos membros do Conselho Editorial de UFO – que a verdade deva ser dita, doa a quem doer. É com um comportamento desses, reconhecendo erros cometidos no passado pela própria Ufologia que ajudaram a construir, que os autores dessa matéria participam na pavimentação do caminho ao tão almejado reconhecimento oficial desta disciplina. Por exemplo, ao mesmo tempo em que se expõe aqui que as famosas fotos da Barra da Tijuca são fraude, também publicamos outra curta matéria em que as igualmente famosas fotos de Almiro Baraúna na Ilha da Trindade são exemplos inquebrantáveis de legitimidade. No exterior, há vozes que se postam contra essas últimas fotos, com alguns roucos ecos aqui em nosso país. Por isso, essa verdade, como a da Barra da Tijuca, deve ser defendida. E será.