Um grupo de cientistas está analisando os dados enviados pela sonda européia Huygens, que pousou em Titã, considerada a maior das luas de Saturno, em 14 de janeiro deste ano, para verificar se há vida no local. Pelos padrões da Terra, o lugar não é nada hospitaleiro, mas em tese possui todos os ingredientes para abrigar organismos vivos. O grande mistério é o metano, um dos principais compostos da atmosfera titaniana. Sabe-se que os raios ultravioleta do Sol decompõem esse gás com o passar do tempo. Em outras palavras, para qualquer lugar ter metano, é preciso que tenha uma quantidade inicial absurdamente grande ou alguma fonte de reabastecimento. Traços significativos de metano foram detectados também na atmosfera de Marte, levando os cientistas a especular sobre o que pode estar produzindo essa substância por lá.
No entanto, no caso de Titã, não há ainda possibilidades completamente descartadas. “Na verdade a principal idéia, até o início da missão da Cassini, é que o metano tenha sido liberado no início da história de Titã como resultado do calor de acreção, que é o processo de \’colagem\’ de rochas que produziu os astros do Sistema Solar, incluindo a lua saturnina. Mas, se o caso fosse esse, deveria haver uma camada de meio quilômetro de etano cobrindo a superfície. Isso não foi detectado ainda”, diz a pesquisadora Caitlin Griffith, da Universidade do Arizona, EUA. Caso a ausência dessa camada de etano se confirme, ela leva à hipótese de que o metano foi injetado mais recentemente ou em espasmos durante toda a história da lua. “E aí a questão é: o que alimenta essa atividade episódica?”, questiona Griffith.
Ação abiogênica
Atividade geológica de algum tipo continua sendo a explicação favorita nas bolsas de apostas dos cientistas. Mas não é totalmente impossível que formas de vida tenham alguma coisa a ver com isso. Ao menos na Terra, não é pequeno o número de organismos vivos que libera metano na atmosfera como resultado de seu metabolismo — é conveniente lembrar que o metano é o principal componente da flatulência.
Como saber se este é o caso na lua saturnina? Os cientistas da Huygens têm uma sugestão. A idéia deles é usar as informações coletadas para identificar que tipos de carbono são usados nas moléculas de metano titaniano. O átomo de carbono tem seis prótons em seu núcleo, mas o número de nêutrons pode variar. Curiosamente, as formas de vida (ao menos na Terra) parecem preferir a versão que tem seis nêutrons, em detrimento da que tem sete.
Um espectrômetro a bordo da Huygens coletou dados que devem discriminar os dois tipos. Se o metano tiver muito mais do carbono favorito da vida é indício de que organismos podem ter algo a ver com sua produção. Essa análise dos dados ainda não foi feita, mas está na lista de tarefas do grupo. “Seja paciente, leva tempo para obter esses dados. Provavelmente consumirá meses”, diz François Raulin, pesquisador da Universidade de Paris envolvido com a Huygens.
Contra a maré
Segundo os cientistas a expectativa maior é a de que a vida não dê as caras em Titã. “Eu acho muito improvável a presença de vida pelas baixas temperaturas”, diz Raulin. A pesquisadora Griffith concorda. “A maioria de nós pensa que é muito, muito improvável. Claro, como sabemos tão pouco sobre a evolução da vida, tudo é possível. Não podemos descontar essa possibilidade”, diz. Mas a pesquisadora admite que a lua de Saturno, a segunda maior do Sistema Solar, com 5.150 km de diâmetro, e maior que os planetas Mercúrio e Plutão, tem ao menos os ingredientes certos. Há compostos orgânicos com a granel, matéria-prima de que a vida é feita, e a água. Na superfície, a congelantes -180 °C, a água é sólida como rocha. Mas, no subsolo, os modelos indicam a presença de lençóis de água líquida, com 15% de amônia, a 300 km abaixo do chão. A temperatura lá seria mais aprazível: -80 °C.
Mesmo que não tenha vida, Titã ainda é muito interessante para os cientistas. Eles consideram que a lua seja parecida com a Terra do passado distante, onde a vida estava apenas começando a dar seus primeiros passos. E a missão Cassini ainda promete revelar muitos detalhes desse mundo em seus futuros sobrevôos da lua. “Isso tudo foi apenas o começo”, diz Griffith.