A aproximação da passagem do milênio e a instauração de um crescente caos com a prevalência do neoliberalismo, a miséria oriunda das desigualdades sociais impostas por esse modelo de exploração e a ausência de dispositivos ou instrumentos que orientassem as ações sob os pontos de vista éticos e morais, fez ressurgir velhos medos e esperanças calcados em profecias apocalípticas. Era nesse terreno fértil semeado de balbúrdia, perversões, corrupção, crime organizado, violência, insegurança, degradação de valores, guerras, rumores de guerras, alterações climáticas, catástrofes naturais, fome, pestilências etc, que vicejavam seitas aleivosas que usavam a religião como fachada, tendo como cabedal as representações e concepções milenaristas, ou seja, o anseio por uma vida e uma Terra melhores, um tempo e um espaço ideais. Contudo, indisfarçavelmente, assentavam-se, na maioria das vezes, em propósitos meramente pecuniários e arrivistas, oferecendo-se como produtos de um lucrativo mercado, que se fortaleceu e se diversificou de forma intensa e promissora “nos tempos do fim”: o dos “bens de salvação”.
As seitas, aproveitando-se do esmagamento das utopias, dos riscos, das instabilidades e das incertezas crescentes, da banalização da vida cotidiana e da própria vida como valor intrínseco, da anomia [Ausência ou tremenda variação e relativização das leis, normas ou regras de organização sociais] política e moral, do enfraquecimento do estado e da inépcia e do “esfacelamento da fixidez” – usando um termo do historiador John Tracy Ellis – das religiões tradicionais, como a católica, aferradas a arcaísmos e avessas a mudanças, não hesitaram em cooptar esse imenso contingente.
Paraíso terrestre — O progresso científico e os avanços tecnológicos não foram capazes de resolver nossos problemas existenciais nem de restaurar uma Era Dourada, tampouco forneceu as condições de encontrarmos os deuses no paraíso terrestre. O filósofo Ludwig Wittgenstein acertou ao proclamar, em sua obra Tractatus Logico-Philosophicus [Editora Nacional, 1968], publicada originalmente em 1921, que “mesmo que todas as possíveis questões científicas fossem respondidas, nossos problemas vitais não seriam tocados. Sem dúvida, não cabe mais pergunta alguma, e esta é precisamente a resposta”.
A globalização, nos anos 90, acelerou o tempo e integrou os espaços, fragmentando-os. As distâncias se reduziram, aumentando a interdependência entre todos os povos e países. As corporações multinacionais e as instituições intergovernamentais se tornaram atores supranacionais e decisivos para a gestão desse sistema de capital desterritorializado. A competição se acirrou, estimulando a violência e suplantando valores éticos e morais. Os apelos de uma sociedade hedonista, superficial e consumista pelo status quo, pelo conforto e segurança materiais e pela satisfação imediata e sem limites dos desejos, embora falassem mais alto, não respondiam às indagações e inquietudes mais angustiantes e profundas. Por conseguinte, as pessoas viam-se cada vez mais vazias, isoladas, ansiosas, desorientadas, perdidas e infelizes.
As seitas da Era da Globalização e da Internet caracterizavam-se, em primeiro lugar, pela forma moderna e até pós-moderna de organização e pelo emprego de técnicas, métodos, estratégias empresariais – marketing, terceirização, reengenharia etc – equipamentos e tecnologias sofisticadas – computação, internet etc. – para atingir seus intentos, quase sempre sinistros. A mistura bem dosada de conceitos científicos – computação, Ufologia, esoterismo, ocultismo, magia e religiosidade –, exercia particular atração sobre os setores mais esclarecidos da sociedade, entre pessoas notadamente urbanas, de classe média, habituadas ao pensamento abstrato e que possuíam amplo acesso à informação, à educação e ao progresso, ainda que, com suas práticas manipulacionistas, buscassem o conhecimento imediato de um poder ou saber superiores ou simplesmente se entregassem ao modismo e consumismo, perceptíveis no sucesso de venda de alguns produtos.
Alienação social — Os suicidas da Heaven’s Gate [Portão do Céu], por exemplo, não eram rudes analfabetos ou pobres desesperados como os milenaristas da Renascença européia ou do final do século XIX no Brasil. A imagem de corpos desordenadamente amontoados, como se viu em Jonestown, na Guiana, em 1978, foi substituída pela dos suicídios new age: limpos, ordenados, cuidadosamente arrumados em mansões. No primeiro caso, os cadáveres jaziam em torno de um pavilhão com telhado de folha de zinco no meio da selva de um país miserável da América do Sul. No último, os mortos jaziam protegidos do Sol pelo telhado de uma mansão de mais de US$ 1 milhão em um refúgio de milionários no sul da Califórnia.
Destarte, somos obrigados a considerar que, além dos tradicionais bolsões de miséria, deparamo-nos também com bolsões de alienação social e psicológica, compostas por pessoas bem nascidas, bem nutridas, bem educadas, de classe média ou alta, com acesso ao que há de melhor e mais sofisticado, mas que, apesar disso, vivem perdidas no tempo e no espaço, obnubiladas, deslocadas da realidade e oscilando numa zona nebulosa entre a fé cega, o delírio, a alucinação e o surto psicótico.
A atrofia do senso crítico é inversamente proporcional ao crescimento das seitas desvairadas e irracionais. Contra a opinião dos bem pensantes, antecipamos em vários artigos publicados na Revista UFO, em meados da década de 90, o crescimento exponencial desses cultos fanáticos, messiânicos, apocalípticos e satânicos, cultos esses sob os auspícios de ufólogos místicos e espiritualistas que sempre se arvoraram como os detentores do monopólio da “ética” e da “verdade”. O espantoso não é que tenhamos previsto tudo isso, já que, como fizemos questão de ressalvar na ocasião, não era preciso ter o dom da vidência ou da profecia, bastando uma reflexão histórica e sociológica para que se inferisse as mesmas conclusões. O absurdo é que muitos tenham saído em defesa do “direito legítimo” dessas seitas agindo livremente, iludindo, enganando, roubando,
extorquindo, destruindo famílias, lavando mentes, sacrificando crianças, assassinando e induzindo suicídios coletivos e ataques terroristas.
Mais indecoroso ainda é o parcimonioso silêncio de muitos daqueles que na época se proclamavam fervorosos e incondicionais adeptos dessas seitas. Imiscuindo-se de explicar por que afinal o apocalipse não veio, tampouco o tão anunciado resgate por naves espaciais, muitos têm o desplante e a cara-de-pau de se apresentar hoje na condição de genuínos “filhos da luz”, guerreiros da “divina hierarquia celeste” e combatentes das tenebrosas “forças das trevas”. Só não dizem que são membros da Sociedade do Anel ou cavaleiros jedi porque aí ficaria óbvio demais que suas fontes de inspiração provêm de O Senhor dos Anéis e Guerra nas Estrelas.
Apocalipse — Séculos de previsões furadas é tempo mais do que suficiente para que pessoas honestas e sensatas se dêem conta de seu erro. Mas, mesmo agora, quando a virada do milênio já ocorreu e estamos, como sempre, imersos em nossos problemas cotidianos, os apóstolos do fundamentalismo continuam negando o óbvio e insistindo que desta vez o apocalipse está para chegar, assoberbando os devotos da nulidade e cada vez mais enraivecidos contra quem ouse contrariá-los. A cada desilusão sucessiva, a propensão e a teimosia idolátrica, bem como a tolerância para com a inépcia dos profetas, são sumamente reforçadas, instando a fabricação de desculpas para preencher as lacunas da onipotência e cerzir os rasgos no véu de sua santidade.
A inspiração dos motivos internos e a sua seqüência obedecem à lógica do pensamento mítico, mas tudo vem conectado a um ponto de vista alegórico enraizado na dinâmica dos interesses e do poder. Tudo isso ilustra a causa remota e o seu efeito presente. A total irresponsabilidade desses crentes e pregadores deslumbrados desembocou, em longo prazo, numa degradação tamanha que eles próprios, mergulhados nela, já não conseguem lembrar que a produziram, fazendo exatamente o que estão fazendo agora, graduando com destreza os temores de um fim do mundo e a esperança falaciosa de uma ordem salvadora vinda do espaço. Nas páginas que se seguem, apresentamos as origens das seitas ufológicas, suas características e como vêm evoluindo com o passar do tempo para atrair cada vez mais adeptos.