Uma nuvem de detritos, que se espalha pela órbita inferior da Terra após a colisão de dois satélites, representa um novo risco a muitas missões científicas e pode significar o fim do telescópio espacial Hubble. A NASA está monitorando atentamente a ameaça crescente, e se ela for tão ruim quanto alguns temem, a agência terá que cancelar a missão de manutenção do mesmo planejada para este ano. Sem essa missão, os dias do telescópio estarão contados, mesmo se nenhum dos fragmentos atingi-lo. Às 04h56, horário de Greenwich, em 10 de fevereiro, um satélite de telecomunicações ativo da Iridium Satellite, de Bethesda, Maryland, e um satélite militar russo desativado colidiram a cerca de 800 km sobre a Sibéria, a mais de 10 km por segundo. A nuvem de detritos inicialmente continha 600 objetos grandes o bastante para serem rastreados pela rede de vigilância espacial dos EUA, mas especialistas esperam que o número de fragmentos aumente para mais de mil nas próximas semanas. Simulações sugerem que haverá milhões de outros pedaços pequenos demais para serem rastreados.
Uma análise preliminar dos pesquisadores da Universidade de Southampton, na Grã-Bretanha, mostra que a colisão frontal entre os satélites teria liberado cerca de 50 quilojoules de energia por grama, aproximadamente 10 vezes a energia da dinamite e talvez centenas de vezes maior que a energia liberada no teste chinês de uma arma anti-satélite em 2007. Esse teste acabou danificando um satélite e agravou o problema dos detritos, que já afetou outros satélites. “Isso não tem precedentes“, disse Graham Swinerd, professor-adjunto de astronáutica de Southampton. Entretanto, se a explosão foi apenas aparente – no caso do satélite Iridium ter se chocado contra a parte posterior do satélite russo, ao invés do corpo principal – a situação pode não ser tão grave. A Iridium, que opera uma constelação de satélites na órbita inferior 66, fornecendo serviços de telefonia, diz que monitora regularmente os dados sobre detritos espaciais, mas não recebeu nenhum aviso prévio da colisão. Não houve comentários oficiais do governo russo.
O choque aconteceu em uma banda do espaço usada por diversos satélites de observação da Terra, e as agências espaciais estão agora monitorando de perto os fragmentos que estão se espalhando. A constelação A-Train da NASA e a missão Envisat da Agência Espacial Européia orbitam em altitudes muito similares à do acidente, e correm risco especial. “No momento, estamos fazendo uma análise estatística de qual será o aumento da probabilidade de colisão“, disse Heiner Klinkrad, que lidera o escritório de detritos espaciais da Agência Espacial Européia em Darmstadt, Alemanha. O risco a astronautas da Estação Espacial Internacional parece ser relativamente baixo, segundo Mark Matney, especialista em detritos orbitais do Centro Espacial Johnson em Houston, Texas. Mas a colisão compromete a missão de manutenção do telescópio espacial Hubble, em maio. O risco de impacto para uma missão até a estação espacial é de um em 300, mas para missões em altitudes maiores e em órbitas mais inclinadas como a do Hubble, o risco é maior. Mesmo antes da recente colisão, os detritos do teste chinês de 2007 haviam elevado o risco de impacto catastrófico da missão para um em 185.
O limite usual da NASA para esses riscos é de um em 200, por isso Matney descreve a situação antes da colisão como já “desconfortavelmente próxima de níveis inaceitáveis“. “Isso só agravou a situação anterior“, disse. Matney acredita que a agência saberá em breve se a missão poderá prosseguir.
Logo após a colisão, não houve consenso entre especialistas sobre se a Iridium deveria ter previsto o ocorrido. “Isso nunca deveria ter acontecido“, disse Geoffrey Forden, analista espacial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge. Dados fornecidos pelas Forças Armadas Norte-Americanas mostraram que os dois satélites poderiam chegar a até meio quilômetro um do outro. “Eles deveriam ter manobrado o Iridium para longe“, comentou. Mas a previsão de colisões entre satélites é algo complicado, falou Richard Crowther, chefe da delegação do Reino Unido no Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Sideral (Uncopuos na sigla em inglês). “É algo complexo que consome muito tempo“. Mesmo as melhores previsões são apenas probabilísticas, e a manobra de uma nave pode envolver custos e riscos que pesam mais que a chance de colisão.
Evitar acidentes com mais facilidade exige dados e recursos. Enquanto a Rússia possui seu próprio sistema de rastreamento de objetos espaciais, o resto do mundo depende mais ou menos dos dados divulgados pela Rede de Vigilância Espacial do Departamento de Defesa norte-americano. Os militares possuem análises muito melhores de seus dados do que aquelas divulgadas ao público, segundo Brian Weeden, ex-analista do Comando Estratégico dos EUA, que supervisiona a rede de sensoriamento do Pentágono. Essas análises são usadas para antever ameaças a satélites das Forças Armadas e da inteligência, bem como a missões civis de grande importância como a Estação Espacial Internacional. Esses dados deveriam ser divulgados em “benefício do público“, disse Jonathan McDowell, astrônomo da Universidade Harvard, que rastreia lançamentos de satélites como passatempo. McDowell acredita que os países deveriam estudar a criação de um controle de tráfego espacial multinacional para alertar sobre colisões desse tipo.
Mais medidas devem ser tomadas para evitar o aumento de detritos orbitais, acrescenta David Wright, pesquisador do Union of Concerned Scientists, um grupo sem fins lucrativos com sede em Cambridge, Massachusetts. Até o momento, o Uncopuos estabeleceu as diretrizes para limitar o número de detritos espaciais, que incluem a medida de expelir restos de propelente para prevenir explosões. Mas Wright acredita que deveriam existir regras a serem obedecidas por todas as nações que lançarem naves na região de tráfego denso em que o acidente ocorreu. Os fragmentos resultantes de cada colisão aumentam o risco de uma próxima, e se medidas não forem tomadas, o número de acidentes deverá crescer dramaticamente – possivelmente inutilizando por completo a órbita inferior da Terra.
“Gostaria que as diretrizes existentes se tornassem obrigatórias através de algum tipo de mecanismo que garantisse seu cumprimento“, Wright disse. Sanções e multas deveriam ser impostas a operadores negligentes. No momento, o único respaldo legal para tal ação parece ser o Tratado do Espaço da ONU (1967), que determina que uma nação pode ser responsabilizada pelos danos causados ao satélite de outra nação. Mas o texto do tratado é muito vag
o para ser de grande ajuda nesse caso, segundo McDowell. “De quem é a culpa? Será que um deles bateu no outro por trás?” ele disse. “Não acho que as regras de trânsito das estradas se aplicam aqui.” McDowell não chega a reivindicar um tratado internacional que governe a órbita inferior da Terra, mas acredita que “regras de trânsito” deveriam ser estabelecidas para tentar esclarecer as questões legais em torno dessa colisão e de outras futuras. Liz DeCastro, porta-voz da Iridium, disse não ter certeza se a companhia moverá uma ação legal contra o governo russo.