Dizem-nos que os astrônomos descobriram que em vez de dez bilhões, existem 50 bilhões de galáxias. E isto dito como se eu tivesse alguma noção da grandeza anterior, daqueles dez bilhões. Começo a revirar papéis e a memória para saber onde é que foi que li algo sobre quantas estrelas existem numa galáxia. Não encontro. Descubro que elas viajam por aí a uma velocidade de 300 quilômetros por segundo.
Também fico sabendo que para atravessar uma galáxia, umazinha que seja, são necessários mil anos-luz. Se um ano-luz tem nove trilhões de quilômetros quadrados, é só botar no papel e calcular; no papel, porque nenhuma máquina de calcular é suficiente. Isto feito, vamos calcular então quanto tempo seria necessário para atravessar essas 50 bilhões de galáxias?
E se dentro de dois anos descobrirem que existem 200 bilhões de galáxias?
Em 1989, portanto, apenas ontem, noticiaram que havia por aí afora apenas uma simples muralha de galáxias – claro que não consegui entender isto. E até 1920 havia quem acreditasse que a Via Láctea era o centro do Universo. Mas, para nosso espanto recente, Andrei Sakarov em 1988 falava que era possível pensar que existem outros universos. Por isto, lhe digo: eu estou preparado para tudo. Para ler, por exemplo, numa manhã dessas, que uma equipe de astronautas acabou dando de cara com Deus.
Para isto não precisavam ir tão longe. Bastava olhar os insetos em nosso gramado ou a dança dos genes ou das bactérias no interior do nosso organismo, mesmo do mais ordinário criminoso, para que o que estava no infinitamente grande, num jogo de espelhos, se refletisse no infinitamente pequeno, como já intuíam os filósofos de antanho.
Gostaria muito de estar vivo no dia em que desembarcássemos em outro planeta e ali descobríssemos seres inteligentes, se possível, mais inteligentes que nós. Imagino-os, em entrevistas interestelares, explicando coisas comezinhas que até então não entendíamos, como essa história de que a gente tem alma, ou o que é afinal a eternidade, ou o tempo, essa coisa que existe e não existe.
No entanto, não gostaria e até lamentaria muitíssimo se, ao contrário, desembarcando em outro planeta, descobrissem comunidades mais primitivas que nós. Já se sabe no que ia dar: Iríamos tratá-los como índios kraian-a-kores e ficaríamos com a síndrome dos irmãos Villas-Boas vendo-os serem destruídos e conspurcados por nossa cultura; e, em breve, esses seres de outro mundo estariam tomando nossas bebidas e usando jeans. E infelizes.
O que me impressiona é que a descoberta de mais de 40 bilhões de galáxias não alterou em nada nosso cotidiano. Jogam-nos na cara uma notícia dessas, a ouvimos displicentemente, como se houvéssemos escutado que “a safra de soja este ano bateu novo recorde” ou “ontem choveu muito”. Escutamos a notícia e ficamos metafísicos, no máximo, por dez segundos. E logo 50 bilhões de galáxias com seus cinco quatrilhões de estrelas foram obnubiladas pelo preço da abóbora a dez centavos ou do frango a 99 centavos.
O certo, no entanto, era a Organização das Nações Unidas (ONU) ter decretado um feriado universal para a gente passar a noite inteira, na praia ou nas sacadas, nas montanhas ou nos terraços, pensando nessa informação. Preferia que o pessoal que fica apitando na praia para avisar aos fumantes de maconha que a polícia vem aí, que eles apitassem por essas galáxias, 50 bilhões de vezes.
No dia seguinte à informação sobre a descoberta de tantos mundos, no trabalho, no entanto, não vi ninguém comentar o feito. Um gol do Túlio*, provoca mais estremecimento. E o drama de uma só estrela como Vera Fischer move-nos mais que 50 bilhões de galáxias.
Na favela ao lado, pensei que estavam comemorando a descoberta. Achei estranho o horário para a celebração: uma e meia da manhã. É quando se vê talvez melhor o céu. Mas não era celebração. Balas luminosas, como minúsculos cometas, saíam do morro na direção dos policiais e iam se perder em outras órbitas. Em uma guerra, e não era nas estrelas.
Que ministro interrompeu a reunião para ponderar sobre as 50 bilhões de galáxias?
Quem na bolsa de valores aquilatou isto?
Que chofer de táxi conversou com a madame sobre esse assombro?
Que burocrata deixou de carimbar documentos que fosse, para mostrar seu pasmo?
No entanto, o céu ficou maior. Bem maior. Deram-nos de presente um enigma interminável. Minhas interrogações se ampliaram 50 bilhões de vezes. Por isto, agora sou um homem diferente na galáxia de meus mínimos interesses. Além de algumas lembranças incrustadas em meus sentidos e além de meia dúzia de intenções na vida, agora transporto 50 bilhões de galáxias nos olhos. Aliás, nem precisava tanto. Bastavam essas duas velas consumindo-se na própria luz sobre essa mesa de jantar no terraço onde recordo o que amei e a quem amo.
A noite, dentro e fora de mim, tornou-se interminavelmente luminosa.