Por Pedro de Campos
Em 1872, quando o mais conhecido astrônomo francês da época, Camille Flammarion, publicou pela Didier o livro Récits de l\’infini – Lúmen, histoire d\’une ame (Narrações do infinito – Lúmen, história de uma alma), em Paris, os seus colegas de Astronomia tomaram as suas narrativas como ficção científica das melhores. Embora ele próprio, em razão das chances de vida em outros planetas e das experiências metafísicas que tivera, alimentasse esperança de que suas projeções tivessem fundo de verdade.
O livro mencionado fez enorme sucesso, a ponto de ser publicando ainda hoje na Europa. No Brasil, seria publicado apenas em 1938, pela Federação Espírita Brasileira (FEB). Foi nesse livro que, pela primeira vez, surgiu o nome ultraterrestre (UT), designando a entidade “encarnada” em outras dimensões do espaço tempo, cuja matéria corpórea seria invisível aos olhos da carne, algo semelhante aos espíritos desencarnados, assunto do qual nos ocupamos longamente no livro Universo Profundo [Lúmen Editorial, 2011].
De modo intrigante aos espiritistas e médiuns com quem Flammarion fazia os seus estudos psíquicos, ele registrou naquele livro uma encarnação de Allan Kardec, codificador da Doutrina Espírita, vivida em mundo primitivo [idem, FEB, 1979, p.159-165]. Mais tarde, o autor concluiu que os seus impulsos psíquicos eram de origem anímica e que, como adepto da palingenesia, suas grafias tinham alguma chance de verdade, considerando-se que a evolução do espírito se faz em diferentes mundos do universo.
No livro, Lúmen é apresentado como espírito que visita vários planetas e várias esferas dimensionais, viajando sempre numa velocidade superior a da luz. No capítulo da Quinta Narrativa, ele se coloca na esplêndida Constelação de Órion e fala da curiosa Theta Orionis, um refulgente esplendor de estrelas múltiplas que se encontra sob a espada suspensa de Talim, brilhando no centro da afamada nebulosa.
Então o espírito Lúmen entabula diálogo com seu amigo encarnado, Querens, e fala sobre a vida nas paragens celestes que visitara. Após uma breve descrição do sistema Theta Orionis, dizendo que aquele aglomerado está composto de sete sóis onde, em torno de um deles, gravitam planetas habitados, o espírito destaca que visitara um dos orbes.
Diz que a esfera visitada gira em volta de um sol secundário, sendo que este se move em torno de um dos quatro sóis principais. Posicionado na esfera, avistava-se todos os sete sóis, e os dias e noites eram apenas diferenciados pela quantidade de mais ou menos luz projetada sobre o planeta. Em suma, não havia noite, apenas luzes que, mais fortes ou mais fracas, distinguiam o turno de rotação. O espírito estava ali iluminado e aquecido por todos os sóis, embora, cada um deles, possuísse características próprias, diversas uns dos outros. Era algo monumental, fascinante e diferente de tudo o que possa impressionar a vista dos seres materiais.
O sono, aos seres vivos daquela esfera, era algo desconhecido. E as entidades não eram do reino vegetal nem animal, não poderiam caber em nenhuma das catalogações terrenas, porque eram inconcebíveis ao saber humano. E ao não encontrar maneira de descrevê-las, Lúmen fez apenas uma pálida referência da forma, por meio comparativo, indicando a observação nos jardins botânicos do “aloés gigante”, que recebe o nome científico de cereus giganteus.
Planta e animália exótica
Vamos fazer aqui uma pausa nos relatos de Lúmen, para observarmos a planta indicada e suas conotações exóticas.
O “aloés gigante” é um cacto alongado e espinhoso, muito resistente ao sol forte e à noite fria, quando a temperatura cai a zero, sendo próprio dos climas desérticos da América. Parece um candelabro com haste central alta, que atinge oito a dez metros. Suas flores se abrem com pouca luz, sempre à noite, apresentando tamanho grande, em forma de funil, verde-avermelhada no externo e branco no interior.
Há também o “aloés pequeno”, que multiplica suas pencas sem necessidade da terra ou da água, dentro de ambientes fechados, onde parece viver como “por encanto”, reproduzindo suas folhas e multiplicando-as. Em razão de ser uma planta exótica, sem que muitos saibam como vive, como se alimenta e como sustenta a vida, seus cultivadores creem que se alimente dos raios de sol.
Para os místicos, os aloés têm um sentido oculto, atribuído aos “elementais da planta” (princípios espirituais emergentes). Esses elementais seriam como seres “recém-nascidos”, criaturas cheias de inocência e beleza, comparadas, guardando as devidas proporções, com os espíritos da Capella, tidos no princípio como “cristais” a serem lapidados, em benefício da evolução própria e dos seres rudimentares que habitavam a Terra primitiva.
Segundo os místicos, se o elemental do aloés receber uma ordem mental para executar um trabalho, ele obedecerá imediatamente. Mas quem usá-lo com propósito malvado contrairá um carma, que pela lei da reencarnação o fará viver situação semelhante no futuro. Tem-se que o departamento encarnatório do aloés esteja intimamente ligado às forças cósmicas incumbidas de controlar a reencarnação humana. Nos dias atuais, uma das melhores representações cinematográficas de criatura meio humana e meio árvore está na série de ficção, O Senhor dos Anéis – As Duas Torres, episódio: A última marcha dos Ents (entidades arbóreas). O que era quase inimaginável no século XIX, ganhou forma e vida nos filmes atuais.
Tal como o aloés pode ser arrancado da terra e colocado em local quase estéril para, não obstante a mudança de ambiente, continuar vivendo e prosperando, assim, também, o espírito humano pode ser tirado da Terra, trocar de esfera planetária e seguir evoluindo em outro orbe do infinito, segundo a lei da reencarnação.
Além do exemplo arbóreo, dado por Lúmen, há também nos nossos bosques de clima tropical uma animália digna de nota. Trata-se da cigarra, tida na Botânica como gênero de inseto da ordem hemíptera, de várias cores, sendo mais característica a verde-amarelada. Essa cigarra produz, durante o verão, um zumbido agudo e vibrante, emitido pelo aparelho estridular do macho, situado no primeiro segmento abdominal. Seu objetivo é atrair a fêmea ou, quando atacado por inimigos naturais, defender-se pelo som estridente.
A crença comum dos antigos é que o pequeno inseto “explode” cantando e morre, mas a verdade é outra. Ocorre que a casca da cigarra achada nas plantas é o seu exoesqueleto, abandonado por ela na metamorfose, quando passa da infância para a fase adulta. O ser sai do casulo revestido de novo corpo, cheio de vida. Então os místicos dizem que o animalzinho é “imortal”, que reencarna incessantemente para alcançar outro estágio de vida, mais avançado.
Embora no Ocidente a reencarnação seja para uns uma crença, para outros uma teoria e para muitos uma superstição, no Oriente é crença generalizada. Aos que dizem recordar de vidas passadas, os lances que chegam ao consciente são obtidos durante a introspecção da alma no estado de transição entre a vigília e o sono, condição psíquica em que a personalidade adentra em si mesma, transcende e recorda-se do passado.
Mundo primitivo de criaturas arbóreas
Lúmen prossegue os seus relatos, dizendo que os “homens” de Theta Orionis têm alguma parecença com o “aloés gigante”, dando entender um “homem” de evolução arbórea. Eles se movem lentamente e se mantêm aprumados graças a um processo de sucção, análogo ao de certas árvores. A parte inferior da haste vertical, a que pousa no chão, prolonga, à maneira das estrelas do mar, pequenos apêndices que se fixam no solo, produzindo estabilidade. Andam, muitas vezes, em bandos, e mudam de latitude segundo as estações e o estado do tempo.
Porém, eis aqui o mais curioso da respectiva organização alienígena, a qual põe em evidência o princípio de reunião dos elementos componentes do corpo. Lúmen, certa feita visitando aquele mundo, encontrou ali um ser vivente. O alienígena era semelhante a um vegetal de dez metros de altura, sem folhagem e sem flores, constituído apenas por uma haste cilíndrica, terminada na parte superior por muitas ramificações que lembram um lustre doméstico. O diâmetro do corpo (seu talo central), juntando as ramificações, aproximava-se a um terço de metro. A extremidade superior da haste e os ramos estavam coroados de franjas argênteas. De repente, a criatura agitou as ramificações e, num piscar de olhos, evaporou-se. Com efeito, naquele mundo os indivíduos aparentemente bem dispostos se abatem de todo, literalmente, extinguindo a própria existência. As moléculas tombam de uma só vez, todas juntas, sobre o solo. O indivíduo cessa de viver como pessoa física – suas moléculas se separam e se dispersam. Algo como desagregar-se ou implodir a si mesmo.
O espírito Lúmen explica que essa dissociação corpórea ocorre em plena vida. E pode resultar de uma contrariedade, de uma fadiga ou de uma desarmonia orgânica entre as diferentes partes do corpo. Vive-se, de maneira integral, até um momento máximo, quando, de súbito, fica-se reduzido à expressão mais simples e evapora-se. A molécula cerebral sente-se desprendida e, em descenso, resultante da queda em cadeia de suas co-irmãs ao longo das extremidades, chega à superfície do chão solitária e independente, evaporando-se.
Diferente daquele mundo, na Terra a autoridade espiritual determinou, por lei de agregação, no reino animal, uma ação preponderante. Os homens são constituídos por uma multidão de seres menores, agrupados e submetidos pela atração plástica da alma pessoal, a qual, de seu centro mental, forma o corpo, desde o embrião, e reúne em torno dele, no respectivo microcosmo, todo um mundo de seres ainda destituídos de consciência e individualidade.
Lúmen explica que, naquele mundo, há uma espécie de “república”, governada pela lei de união. E que, quando um ser se encontra assim desagregado, em seguida pode reconstituir-se integralmente pela ação da vontade, e muitas vezes sem o menor esforço, apenas por um desejo mental furtivo.
Embora separadas da molécula cerebral, as composições corpóreas não deixam de lhe estar presas intimamente, por ligações ultrafísicas; num dado momento, sob a ordem central, elas se reúnem e cada qual retoma o seu lugar. A molécula diretora, à distância, atrai as outras com a mesma faculdade com que o ímã atrai a limalha de ferro. Então o ser revive plenamente, reproduzindo, em sua forma material transitória, o modelo biológico arquivado no psiquismo.
Lúmen ressalta que não se deve julgar a natureza universal pelo átomo que está sob os olhos da carne, porque este olhar não está apto a compreender os fatos contidos em outras esferas de vida. Para ele, a Terra não é o tipo de planeta reinante no universo nem há nela a natureza da vida que ali impera.
Ele considera que o homem não tem noção nenhuma da diversidade inimaginável que distingue os incontáveis mundos universais. O homem desconhece as dimensões ultrafísicas, a geologia própria de cada mundo, suas condições de habitabilidade, as formas corpóreas ali existentes, sua composição intrínseca, a fisiologia orgânica dos seres e a variedade mental de cada indivíduo. Lúmen ressalta que os seus relatos podem esclarecer o homem sobre a concepção do cosmos e a diversidade de vida nele existente.
“Coisa singular, mas real”
A esfera planetária de Theta Orionis, descrita por Lúmen, é povoada por um sistema orgânico análogo ao descrito. E de modo surpreendente, acrescenta que ele mesmo estagiara naquele mundo. E naquelas paragens conhecera um espírito que estagia agora na Terra, alma que há pouco, quando encarnada, \”publicara os seus estudos psíquicos sob o nome de Allan Kardec\” [idem, p.164] e, ao desencarnar, voltara à erraticidade.
Acrescenta que ambos se conheceram durante a vida terrena, mas nenhum deles se recordou de que eram velhos conhecidos. Às vezes, sentiam-se atraídos um ao outro, por singulares aproximações do pensamento. Após o retorno de ambos ao mundo dos espíritos, Lúmen explica que se lembraram da singular República de Órion e puderam revê-la juntos. “Coisa singular, mas real”, segundo ele.
Para alguns espiritistas que participaram com Kardec dos trabalhos na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, ficara a impressão de que Lúmen seria o espírito do fundador da Livraria Acadêmica, o honrado senhor Pierre Paul Didier (1800-1865), editor que publicara os livros de Kardec e de Flammarion. Didier havia desencarnado em 02 de dezembro de 1865, também de maneira súbita, tal como Kardec, em 31 de março de 1869.
E Flammarion, que quatro anos antes fizera o elogio fúnebre a Didier, agora, na cerimônia de sepultamente de Kardec, fez o seu denominado “Discurso junto ao túmulo de Allan Kardec” [Biografia AK, Opus, s.d. p.21-24]. Disse que a morte de ambos era “como se o céu quisesse poupar aos dois íntegros espíritos a dificuldade filosófica de saída desta vida” [idem, p.21]. Estas palavras seriam um paralelo com o modo repentino de se deixar a vida na esfera incomum de Theta Orionis, onde ambos teriam vivido.
A Doutrina Espírita postula que as nossas tendências instintivas são reminiscências do passado, e que elas podem revelar, à nossa própria consciência, alguns relâmpagos de vidas anteriores. A natureza das nossas contrariedades, também, contribui para revelar o gênero das nossas existências pretéritas, mas são as nossas tendências instintivas que nos dão os indícios mais seguros daquilo que já fomos. Portanto, como as reminiscências do passado refletem na nossa personalidade, é no caráter que está o nosso passado – quem se observa intimamente, vê o perfil do que já foi.
Sendo a reencarnação, segundo a Doutrina Espírita, o mecanismo pelo qual o espírito evolui, após a morte de Kardec surgiram divulgadores atribuindo-lhe outras encarnações no passado. Flammarion foi o primeiro, depois vieram outros, com outras novas. Uns apenas ofertaram a sugestão, outros não tiveram dúvida, dando-a como “coisa certa”. E assim prosperaram as mais variadas hipóteses, como se tudo fosse mesmo possível, mas muitas delas distantes da razão kardequiana ou do bom senso indispensável ao homem equilibrado.
Ainda em vida, tendo o codificador recebido informação da espiritualidade de que, após a sua morte, não demoraria a voltar para completar sua obra, a qual não poderia ser terminada naquela encarnação, não faltaram divulgadores, desde o início, que lhe atribuíram o retorno numa personalidade espírita de recursos mediúnicos notórios.
Hoje, observa-se uma fieira enorme de nomes ilustres, mas nenhum deles retém aceitação sem que lhe seja imputado sérias objeções. Não vamos dar aqui a relação, mas vale ressaltar o inestimável programa de J. Herculano Pires, No Limiar do Amanhã, de 1971, como exemplo de seriedade sobre a questão. Apenas consideramos que cada personalidade debatida deve ser respeitada pelos seus exemplos, pelo que falou, pelo que escreveu e pelas obras realizadas, porque o Espírito da Verdade não disse que Kardec, em sua volta, seria reconhecido. Basta.
Pedro de Campos é autor dos livros: Colônia Capella; Universo Profundo; UFO – Fenômeno de Contato; Um Vermelho Encarnado no Céu; Os Escolhidos; Lentulus – Encarnações de Emmanuel, publicados pela Lúmen Editorial. E também dos recém-lançamentos: A Epístola Lentuli e Arquivo Extraterreno. E dos DVDs Os Aliens na Visão Espírita, Parte 1 e Parte 2, lançados pela Revista UFO. Conheça-os!
Chico foi Kardec? Resposta dele “No Limiar do Amanhã”, de Herculano Pires, 1971.