Por Pedro de Campos
As interpolações artificiosas na Epístola Lentuli, feitas por copistas da Idade Antiga, entre os anos 275 a 302, pouco antes das perseguições de Diocleciano, não foram percebidas por teólogos imediatamente posteriores; razão pela qual, a partir da Idade Média Tardia, quando os estudos se tornaram mais intensos, os estudiosos foram compelidos a qualificá-la de “falsa”, dando-a como oriunda de algum ponto inicial da Baixa Idade Média. Hoje, entretanto, tal qualificação não mais se sustenta. Os recentes achados arqueológicos em Roma, nas escavações do Porto de Óstia Antiga, mostraram um Opus Sectile com a figura de Jesus tendo a barba repartida no meio, exatamente como descrita na Epístola Lentuli e, ressalte-se, em nenhum outro apócrifo com tal detalhe da barba, senão na Lentuli.
Nas escavações do Porto de Óstia, achou-se num edifício um mosaico de mármore com a fisionomia de Cristo, cuja peça foi datada do ano 394. Após o saque vândalo de Genserico, em 455, Óstia entrou em franca decadência. Sabe-se, também, que na Alta Idade Média (em 526 e anos posteriores) houve maremotos e abalos sísmicos que destruíram o Porto. Então Óstia entrou em queda vertiginosa até ser saqueada pelos sarracenos e ficar completamente despovoada no século IX, deixando soterrada por séculos a arte com o rosto de Cristo. A partir da Idade Média Tardia, os teólogos que se detiveram no estudo da Epístola Lentuli desconheciam por completo esse retrato, um dos primeiros de Cristo, simplesmente porque aquela parte do Porto estava soterrada desde há muito.
As primeiras escavações de Óstia Antiga foram iniciadas em 1938, mas tiveram que ser interrompidas em 1942, devido a Segunda Grande Guerra. A retomada dos trabalhos verificou-se apenas em 1959, estendendo-se até 1961. Nessa segunda fase, encontrou-se um mosaico artístico contendo a fisionomia de Cristo, mas os detalhes da figura só foram publicados em 1969, por Giovanni Becatti [Scavi di Ostia VI – Edificio con opus sectile fuori Porta Marina, Roma, 1969]. A datação da obra pôde ser realizada de modo preciso graças ao achado, em meio à argamassa, de 83 moedas de bronze cunhadas com a efígie do imperador Magnus Maximus, que governou o Império Romano de 383 a 388. E como as moedas deixaram de circular em 394, tal fato justificou a grande quantidade delas em meio às juntas da construção.
A princípio, em razão das figuras próximas ao Opus Sectile do Cristo não sugerirem nada de “arte sacra”, pensou-se que o achado fosse apenas a figura de um professor ou filósofo antigo. Contudo, examinando-se os detalhes do Opus Sectile, concluiu-se ser de fato uma representação do Cristo. Trata-se de “arte religiosa” não destinada ao culto, mas sim à divulgação da ideia cristã ao público; não tem os requintes que despertam a emoção, apresentando-se breve e sem valor devocional ao ícone. Não se trata de uma “arte sacra”, cujo objetivo é despertar no crente um clima religioso, incutindo nele um aspecto alusivo ao sublime para estímulo de sua fé, da concentração e autocatarse mística. A beleza do Opus Sectile está na harmonia e suntuosidade do conjunto, que apresenta figuras trabalhadas no mármore com perfeição e arte apurada.
Sem dúvida, trata-se de uma das primeiras imagens do Cristo com a marca inconfundível da Epístola Lentuli – “a barba repartida no meio”. É uma figura de homem da cintura para cima, a meio corpo, com idade na casa dos 30 anos; vestido com toga branca que lhe cobre os braços, mas deixando a mão direita erguida e um gesto com três dedos característico da bênção do Cristo; cabelos compridos, ao estilo dos Nazarenos, avermelhados e repartidos no meio; barba não muito longa, pouco mais escura que os cabelos, bifurcada no queixo, como descrito na Lentuli; no alto da cabeça, uma inconfundível auréola branca realça sua condição divina que, juntamente com os dedos, não deixa dúvida de ser uma representação do Cristo, abençoando quem parte ou chega a Roma. A fisionomia em mural de mármore encontra-se hoje no Museo dell’Alto Medioevo, em Roma.
Quando se junta o precioso Opus Sectile, produzido no ano de 394 e achado na suntuosa Óstia Antiga, com a pintura do Cristo Barbado da Catacumba de Santa Commodilla, do final do século IV, e a pintura do Cristo e os Apóstolos da Igreja de Santa Pudenziana, do ano 399, todos em Roma, não resta dúvida de que a Epístola Lentuli era conhecida e usada para representar o Cristo na sede do governo Imperial, durante a Idade Antiga, fazendo parte das escrituras componentes do hoje chamado Ciclo de Pilatus.
Não há que se alegar que tais representações do Cristo fossem tomadas da imagem da Síndone de Turim, ao menos por dois motivos. Primeiro, porque caso a Síndone fosse o lençol mortuário de Cristo, ela estaria escondida, em meados do século IV, nas muralhas da igreja de Edessa, atual Turquia (divisa com a Síria), como mostram os autores mais respeitáveis, portanto, estaria ocultada bem longe de Roma, cidade em que as imagens com a “barba bifurcada” foram produzidas na época; a imagem de Edessa teria sido dada a público bem mais tarde, somente no início do século VI, muito depois das imagens produzidas em Roma. Segundo, e mais grave, dando-se como certa a datação efetuada na Síndone em 1988, que foi cientificamente testada por três laboratórios de renome internacional e com a assistência da Santa Sé, o teste de Carbono 14 revelou ser o pano de origem medieval, produzido entre os anos 1260 a 1390, distante cerca de um milênio daquelas figuras do Cristo exibidas em Roma. Portanto, as fisionomias de Jesus, nas igrejas citadas de Roma, e o Opus Sectile, da Porta Marítima de Óstia, foram tomadas, considerando-se a “barba bifurcada” (e alguns outros detalhes), das informações da Epístola Lentuli, único documento a dar tal detalhe da fisionomia de Cristo, cuja tese histórica foi mostrada no livro A Epístola Lentuli.
Não obstante a falta hoje do documento original da época de Cristo para certificar o real conteúdo da Epístola Lentuli antes das interpolações copistas, ainda assim temos as investigações literárias atuais sobre a Idade Antiga, as pictografias religiosas remanescentes e as prospecções arqueológicas recentes que mostram os fatos da Antiguidade e são capazes de autenticar a Lentuli como peça do governo desde a época de Pilatos. Portanto, a teoria ajusta-se aos fatos e forma tese.
Os dizeres da Epístola Lentuli (do senador Públio Lentulus), os fatos relativos ao Senado Romano (apócrifos remanescentes do Ciclo de Pilatus), os fatos relativos ao Senado Romano dados pelos Pais da Igreja (Justino de Roma e Tertuliano de Cartago), os fatos sociais e religiosos arrolados por outros Pais da Igreja (Irineu de Lyon, Orígenes, Eusébio de Cesareia, Epifânio de Salamina, Giovanni Damasceno), os relatos factuais de clérigos de épocas posteriores (Anselmo da Cantuária, Giacomo Colonna, Ludolfo o Cartuxo, Gerônimo Xavier, Johann Philipp Gabler, Friederich Münter) e as imagens já mencionadas da Idade Antiga, formam, ao todo, um conjunto entrelaçado de indícios lógicos, de evidências consistentes que provam as ações realizadas, mostram a realidade e as circunstâncias que materializaram as informações da Epístola Lentuli, legitimando sua existência na Antiguidade e certificando seu autor, Públio Lentulus, como membro do Senado Romano em serviço na Judeia, senador que informa a seus pares de Roma sobre a figura e os feitos de Jesus Cristo. E quando, a esse amplo conjunto, juntamos as informações do livro Há 2000 anos…, publicado em 1940, da lavra psicográfica de Chico Xavier que, diga-se de passagem, já serviu de prova em tribunal e contribuiu na elucidação de fatos (ganhando a causa), obtemos todas as peças para montagem do quebra-cabeça. Foi com esse material que se formulou a tese história sobre a autenticidade da Epístola Lentuli.
A fisionomia de Cristo, sem dúvida, destoa da do judeu comum de sua época. Sendo filho de mulher judia, seu pai teria de ser diferenciado. E quando juntamos à sua fisionomia os relatos de ter havido uma inseminação na Virgem, por via não humana; quando observamos os relatos de um enigmático parto virginal, em que o menino sai do ventre materno e surge nos braços da mãe passando por fora do espaço em que fora gerado, sem alterar a natureza da jovem mãe e preservando sua condição de moça; quando relemos detidamente os Evangelhos e vemos os inúmeros feitos extraordinários e as curas soberbas de Jesus; quando, após sua morte, advém o fenômeno da chamada ressurreição e verificam-se testemunhos de que seu corpo estava absolutamente material; então, nesse ponto, como chance plausível, a questão extraterrena assoma ao intelecto e outras possibilidades são aventadas. Diante de tais enigmas, não se descarta que o nascimento da própria espécie humana no planeta esteja vinculado a Jesus e aos seus. O livro A Epístola Lentuli, em sua parte final, não se furta a fazer incursões a esse campo, porque as várias facetas do fenômeno Jesus Cristo exigem a montagem de um quebra-cabeça em que somente o imponderável se afigura possível.
Ouça entrevista de Pedro de Campos na RBN sobre A Epístola Lentuli, clique aqui:
Pedro de Campos é autor dos livros: Colônia Capella – A outra face de Adão; Universo Profundo; UFO – Fenômeno de Contato; Um Vermelho Encarnado no Céu; Os Escolhidos da Ufologia na Interpretação Espírita; Lentulus – Encarnações de Emmanuel, publicados pela Lúmen Editorial. E também do recém-lançamento: A Epístola Lentuli. E dos DVDs Os Aliens na Visão Espírita, Parte 1 e Parte 2, lançados pela Revista UFO. Conheça-os!
Primeiras escavações em Óstia Antiga
OPUS SECTILE Museo dell’Alto Medioevo