Muitos leitores que acompanham a Ufo há anos se surpreenderam quando viram, a partir da edição 85, uma nova e inusitada seção na revista – o Espaço do Ombudsman. E outros mais continuam se surpreendendo a cada nova edição, com a severidade e rigor com que a seção é escrita – quem a assina não poupa críticas nem à equipe de Redação da publicação, nem ao seu editor. Nosso ombudsman tem plenos poderes para analisar, sob o ângulo que achar conveniente, o conteúdo editorial e gráfico da revista, comentando-o como julgar apropriado – sem sofrer censuras ou represálias de qualquer espécie.
Tamanhos poderes a alguém numa publicação como a Ufo podem soar coisa estranha, mas não é. A função do ombudsman é justamente essa e assim ele a executa. A grande novidade é que esta é a única revista sobre Ufologia do mundo que tem um ombudsman, tendência hoje seguida por publicações de quase todas as áreas. Ufo inaugurou tal expediente e talvez venha a ser seguida por suas congêneres de outros países. Mas o que importa não é isso, e sim que a manutenção do Espaço do Ombudsman tem sido benéfica para a revista, que pode rever seus erros e aprimorar-se continuamente. É claro que a pessoa escolhida para a função deve ser alguém com vasta bagagem ufológica e noutras áreas do mundo jornalístico, para poder exercê-la com solidez e responsabilidade.
E o dono da caneta que todos os meses é aplicada como um chicote no lombo de nossos articulistas é de um ufólogo com essas características – aliás, ex-ufólogo. Carlos Alberto Reis é quem tem o compromisso de entregar ao editor de Ufo, todos os meses, uma análise criteriosa da edição do mês anterior, em que aponta as falhas e sugere melhorias.
Reis se intitula ex-ufólogo, pois assume que abandonou a Ufologia há mais de 10 anos, “quando vi que o meio estava estagnado e não mais me proporcionava as respostas que buscava”, declara. “Afastado, mas acompanhando tudo o que se passa no meio com cuidado, posso fazer um exame imparcial e mais criterioso do que quem está ativo na Comunidade Ufológica Brasileira”. De fato, Reis tem a vantagem de ver as coisas de um outro ângulo, sob um ponto de vista isento – e isso é extremamente positivo para a revista, que amadurece a cada novo número
Carlos, como ombudsman, você tem sido impiedoso com muitos autores de artigos publicados na revista. Você acha necessário tanto rigor? O rigor é decorrência natural da seriedade com que o assunto precisa ser veiculado, sempre. Eu tenho dito com freqüência que não tenho nada pessoal contra qualquer autor, mas a forma como as matérias são produzidas exige um olhar mais crítico. Em alguns casos, tenho que pegar pesado, em outros, sou mais brando. Também não importa se concordo ou não com o assunto exposto – cada um tem o direito de opinião preservado pela seção Espaço do Ombudsman –, mas não posso ficar indiferente quando certos aspectos são abordados de forma leviana, incorreta ou inadequada. É uma questão de credibilidade para com o assunto e com a própria revista. Por extensão, é também uma questão de respeito ao leitor.
Como você responde às pessoas que alegam que sua condição de ex-ufólogo o deixa confortável para tecer as críticas que faz? Elas estão certas, pois é mesmo uma posição confortável. Estando do lado de fora da Ufologia, tenho plenas condições de observar a movimentação e os pontos falhos de cada um, com isenção. É como o técnico de futebol que assiste ao jogo do seu time do alto das arquibancadas – ele tem visão total do jogo e percebe os buracos da defesa e as deficiências do ataque. Ao ombudsman cabe detectar e mostrar as falhas com convicção, ética e respeito. Aos criticados, avaliar, com equilíbrio e maturidade, se as críticas foram justas ou não.
Você acredita que, sendo tão rigoroso com o conteúdo da publicação, vai estar dando uma contribuição que também se reflita em toda a Comunidade Ufológica Brasileira? Não sou eu quem deve responder, e sim a referida comunidade. Essa é a intenção, como sempre foi: ser rigoroso e implacável com os desmandos da Ufologia, mas é muito cedo para querer resultados. Pelo andar da carruagem, eu diria que estamos no caminho certo, mas só o tempo dirá se demos ou não essa contribuição.
O que você vê de mais errado no que os ufólogos brasileiros falam ou fazem em suas atividades? Essa questão é delicada. Acho que a cultura ufológica, de uma maneira geral e falando em termos de Brasil, já nasceu errada e se complicou ao longo do tempo. Eu também fui ufólogo e hoje sei que fiz e falei muitas coisas com as quais não concordo hoje, mas não é que eu estivesse errado ou agisse de má-fé – era a postura da época. Eu tenho visto atualmente palestras nada diferentes daquelas proferidas nos anos 70. Insisto em dizer que estamos andando em círculos e procurando pêlo em casca de ovo. Não sei de onde surgiu a história, por exemplo, de que Kennedy foi assassinado porque estava prestes a revelar segredos ufológicos. Pior ainda foi dizerem que Saddam Hussein havia fugido num UFO… Não se espante se alegarem que Diana foi assassinada porque ela também sabia dos segredos ingleses sobre UFOs e estava querendo divulgá-los. São coisas como essas que me desagradam e nada acrescentam. Ao contrário, só trazem mais confusão e descrédito.
E quais você acha que são suas melhores virtudes? Virtudes são características pessoais. O que sobra a alguns falta a outros.Não tenho como generalizar e por issoposso cometerinjustiças na resposta. Alguns ufólogos são sérios, dedicados epersistentes. Outros me parecem imaturos, deslumbrados, impulsivos. Mas essa não é uma característica exclusiva dos ufólogos brasileiros. Importante é que cada um encontre o seu ponto de equilíbrio dentro da pesquisa e siga por esse caminho.
Ou seja, em sua opinião, há solução para o impasse causado pela estagnação que você tanto critica, presente no meio ufológico? Eu respondi recentemente a um leitor que não me compete apresentar soluções, e que, convenhamos, seria muita pretensão minha. Mas sugerir alguns pontos para reflexão, incitar uma auto-avaliação, uma revisão dos atuais conceitos, isso é meu papel. A matéria que escrevi sobre Jacques Vallée em Ufo 90 foi um desses pontos. As críticas reiteradas sobre essa estagnação têm o propósito de provocar uma discussão, um debate, um reposicionamento mais criterioso sobre o atual estágio das pesquisas. Alguns ufólogos têm apoiado essa postura, porém é preciso mais ação.
Como você vê essa abertura que a revista tem apresentado, ampliando o leque dos assuntos tratados para bem além das fronteiras da casuística, abordando temas relacionados com espiritualidade e religiosidade? Não me surpreende. Porque, afinal, essa é a função da revista. Quanto maior o horizonte, mais caminhos a percorrer. Ufologia não é só casuística, que temos até demais. Há muitos aspectos a serem explorados – da metafísica à filosofia, das artes ao esoterismo. Mas atenção: não basta apenas publicar por publicar, é preciso ter critérios, “sentir” a profundidade, a consistência e a seriedade da matéria em questão. Tem muito autor que quer ver seu texto publicado e o elabora sem um cuidadoso estudo da enorme responsabilidade que isso significa. Temas envolvendo Jesus, por exemplo, eu me reservo o direito de criticar porque neles não vejo ligação alguma com Ufologia. É especulação deslavada, pura e simples. Eu disse há pouco que há uma mistura indiscriminada de assuntos dentro da Ufologia, e é isso que impede um raciocínio mais claro e objetivo. É o que chamo de ruído de fundo, que tanto combatemos. Em Ufologia, nós devemos ver o que acontece de fato, e não o que queremos que aconteça.
Você publicou um livro – Os Portais do Santuário – que tem uma conotação muito espiritual e até esotérica. Como o explica? Os Portais do Santuário não é um livro ufológico, mas o resultado de uma experiência místico-espiritual significativa e profunda pela qual passei e quis compartilhar com os leitores. Ele nada tem a ver com o assunto UFO. Passei 8 anos escrevendo a obra, relendo e reescrevendo dezenas de vezes, buscando a palavra certa para o lugar certo, confirmando cada parágrafo escrito nas fontes mais sérias, porque eu sabia que havia uma responsabilidade em cada página. Podem até dizer que Os Portais não é lá essas coisas, mas não podem me acusar de ter sido leviano, mentiroso ou de ter inventado coisas [O livro pode ser encontrado no encarte Suprimentos de Ufologia, dessa edição].
Você continuamente alega que o processo que levou a Ufologia à estagnação foi o motivo de sua saída da área, pois não encontrava mais as respostas que buscava. Que respostas são essas? É fato que uma das razões – mas não a única – que me levou a sair da Ufologia foi a mesmice em que ela se encontrava, e se encontra até hoje. Como meus estudos à época pouco a pouco me afastavam dessa área e me faziam ingressar no campo da psicologia, sociologia e afins, e juntando a isso o ingrediente da experiência referida anteriormente, então decidi que não teria mais sentido continuar fazendo algo em que eu não me sentia produtivo. Meus questionamentos apontavam noutra direção e foi para lá que decidi seguir. Mas é importante ressaltar que a Ufologia foi e continua sendo uma extraordinária escola sobre o comportamento e a psique humanas, e somente por esse aspecto ela ainda me atrai.