Antes de uma colisão final, Andrômeda fará duas passagens de raspão pela Via Láctea. Numa dessas passagens, em 4 bilhões de anos, o Sol e seus planetas podem ser raptados.Em que galáxia ficam o Sol e seus planetas? Essa pergunta hoje é fácil de responder — estamos todos na famosa Via Láctea. Mas tente de novo daqui a 4 bilhões de anos. Segundo uma simulação de computador realizada por cientistas nos Estados Unidos, há uma chance considerável de nosso sistema planetário ser raptado de sua região de origem e ir parar em Andrômeda, a maior das galáxias na vasta vizinhança intergaláctica.
A descoberta foi feita durante uma análise mais detalhada conduzida por Thomas Cox e Abraham Loeb, do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica, em Cambridge (EUA). O que eles estavam investigando, na verdade, é como ocorrerá a tão mencionada — mas muito pouco compreendida — colisão entre a Via Láctea e Andrômeda. Elas são as duas maiores galáxias do chamado Grupo Local: um conjunto que possui, além delas, algumas outras “galáxias anãs”, todas ligadas gravitacionalmente. Faz algum tempo — na verdade, desde as pesquisas de Edwin Hubble (1889-1953) — que os cientistas já sabem que Andrômeda está viajando na nossa direção (ou nós na direção dela, dependendo do ponto de vista).
Mas o fato de ela estar se aproximando por si só não permite concluir exatamente quando ou mesmo se uma colisão de fato ocorreria no futuro, da mesma forma que não podemos concluir que uma ambulância vai colidir conosco só por ouvir o barulho de sua sirene vindo em nossa direção. “Já sabíamos em que ritmo Andrômeda se aproximava da Via Láctea, mas a principal incerteza era o quanto Andrômeda se movia lateralmente pelo céu”, explica Abraham Loeb. “Somente detectando essa informação, denunciada por pequeninas mudanças na posição dela ao longo do tempo, poderíamos saber se realmente haveria essa colisão”.
Essa medida de movimento lateral melhorou muito nos últimos tempos, o que permitiu a maior precisão na última simulação da dupla, apresentada em artigo submetido ao periódico científico “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society”. E a conclusão é que a Via Láctea e Andrômeda vão mesmo colidir. “Isso é inescapável”, diz Loeb. “Em cerca de 5 bilhões de anos, as duas galáxias serão uma só. Nós chamamos essa futura galáxia de Lactômeda”.
Um conto de duas galáxias. As duas galáxias não vão bater em cheio. Antes de seu encontro final, Andrômeda passará de raspão duas vezes pela Via Láctea, uma indo, outra vindo. Essas passagens já serão suficientes para desfigurar boa parte das regiões mais externas das duas galáxias, iniciando o processo de bagunça que antecederá a fusão completa. E é aí que o Sol pode entrar na dança.
Nossa estrela está localizada mais perto da borda do que do centro galáctico. Quando Andrômeda voar de raspão por aqui, sobretudo na segunda passagem (daqui a 4 bilhões de anos), várias estrelas localizadas nessa faixa serão atiradas para fora. A probabilidade maior é a de que elas sejam atiradas para a “periferia estendida” da Via Láctea, mas ainda ligadas ao centro dessa galáxia. Entretanto, há 1 chance em 40 de que esse processo seja tão radical a ponto de o Sol ser capturado por Andrômeda, passando a estar mais ligado a ela do que à sua galáxia de origem.
Será um fenômeno “momentâneo”, pois em mais 1 ou 2 bilhões de anos ocorrerá a colisão final e todas as estrelas das duas galáxias viverão em Lactômeda, o resultado final da dança cósmica. Diferentemente da Via Láctea e de Andrômeda, que possuem braços espirais, o objeto resultante será uma chamada galáxia elíptica — resultado típico dessas colisões.
Nesse canto do cosmos. Durante todo esse período, o Sol ainda estará vivo e bem, embora tenha aumentado seu brilho e fervido a Terra além da possibilidade de nosso mundo abrigar vida. A despeito disso, o Sistema Solar muito provavelmente sobreviverá intacto a essas andanças na escala galáctica. “O espaço entre as estrelas é tão enorme que estrelas individuais não colidirão quando a Via Láctea e Andrômeda colidirem”, explica Thomas Cox. “É verdade que nossa posição na galáxia — e portanto o céu noturno — será afetada, mas a dinâmica do Sistema Solar e a evolução do Sol permanecerão inalteradas”.Para um astrônomo do futuro, o céu no Sistema Solar será bem diferente. Não haverá mais aquela faixa mais clara (nossa visão do plano da Via Láctea), e as estrelas estarão distribuídas por igual por todo o céu — característica das galáxias elípticas.
E o mais maluco é que, no futuro, como o Universo está em expansão, a única coisa que será visível a longo prazo é o que estiver no interior de Lactômeda — o resto terá avançado para muito longe de nós, além da nossa capacidade de detecção. Será a confirmação da hipótese do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), que propôs que as nebulosas vistas no céu (as galáxias) eram “universos-ilhas”. Kant, ao que parece, estava à frente de seu tempo — adiantado cerca de 150 bilhões de anos.