O mestre em história Cláudio Tsuyoshi Suenaga é um ufólogo diferente de muitos de seus colegas. Embora com limitações causadas por uma saúde debilitada, Suenaga não dispensa a legítima prática da pesquisa ufológica, que o leva a percorrer incontáveis cidades visitando testemunhas e locais de ocorrências importantes, além de vasculhar bibliotecas e arquivos públicos, onde garimpa importantes detalhes sobre os casos que investiga. Foi assim que o autor chegou ao âmago de significativas ocorrências do repertório casuístico brasileiro, como a história de Aladino Félix, apresentada no artigo que acompanha esta entrevista. Suenaga dedicou anos a este caso, remexendo informações que cobrem várias décadas, muitas das quais perdidas nos porões de diversas instituições. É graças ao seu esforço que hoje é possível reconstituir um importante momento de nossa Ufologia.
O mesmo método esforçado e minucioso o autor empregou para compor seu primeiro livro, Contatados, que acaba de ser lançado pela coleção Biblioteca UFO, mantida pela Revista UFO [Veja seção Shopping UFO desta edição ou acesso o Portal UFO no endereço ufo.com.br]. A obra – que recebeu o sugestivo subtítulo de Emissários das Estrelas, Arautos de Uma Nova Era ou a Quinta Coluna da Invasão Extraterrestre? – faz uma verdadeira varredura na história da Ufologia Moderna para apresentar as experiências de dezenas de contatados por ETs. Estão no livro desde George Adamski a Eduard “Billy” Meier, de Cedric Howard Menger aos irmãos Sixto e Carlos Wells, de Truman Bethurum a Claude Vorillon, o Rael etc.
Entre os brasileiros que alegam ter convivido com aliens, estão em Contatados José Higgins, João de Freitas Guimarães, Alex Madruga, Hélio Aguiar, Plínio Bragatto, Antonio Rossi, Hermínio e Bianca Reis, Artur Berlet, Alberto Sanmartin, Gênesis Moreira etc. Destaque especial é dado ao personagem de muitas faces Aladino Félix, um dos nomes mais polêmicos da Ufologia Brasileira. O livro marca os 30 anos de pesquisas ufológicas de Suenaga, o primeiro brasileiro a defender uma tese de mestrado sobre Ufologia. Ele sintetizou um capítulo de sua obra, justamente a que trata de Félix, para publicação nesta edição e nos concedeu a seguinte entrevista.
Seu novo livro apresenta ao leitor o universo dos contatados, que sempre foi um terreno movediço e polêmico dentro da Ufologia. Por que você escolheu justamente este tema? Isso se deu em decorrência de meus estudos nos campos histórico e religioso, voltados principalmente a tudo que se relaciona a pregadores, profetas, gurus, líderes messiânicos, movimentos milenaristas, enfim, todas as correntes que baseiam suas pretensões em nome de um futuro hipotético. Ao longo dos anos, acabei entrevistando muitos contatados e seus seguidores, por vezes acompanhando-os de perto em suas ações e até tomando parte de cultos místicos e religiosos – sempre na condição de observador. Constatei que em volta deles e em todos os lugares e situações que se apresentam, praticamente não há espaço para a dúvida. Por trás da aparente pregação libertária e dadivosa das seitas ufológicas e dos contatados, esconde-se o desejo inconfesso de impor controles cada vez maiores à sociedade.
Contatados apresenta as experiências de dezenas de homens e mulheres que alegaram estar em contato direto com ETs ao longo da história. Qual foi o critério que você usou para escolher estas pessoas para relatar seus casos? Selecionar apenas uma parcela entre centenas de “mensageiros” ou “emissários do cosmos” acarretou grandes dificuldades. Por isso decidi optar pelos critérios de relevância histórica e originalidade, considerando a verdade como sendo nada mais do que a convicção de seus protagonistas. Claro que não iria deixar de fora aqueles que foram os pioneiros, tais como Adamski, Fry, Bethurum, Allingham, Tassel, Menger etc. Bem, como não pude deixar de incluir nomes menos conhecidos e até injustamente esquecidos, como o da pintora Alex Madruga, a qual considero o “elo perdido” da Ufologia, pois sua narrativa já trazia incorporados vários elementos que posteriormente seriam típicos das abduções. Àqueles aos quais dediquei mais tempo, pela oportunidade que tive de poder realizar uma pesquisa mais acurada sobre suas histórias, foram Alberto Sanmartin, Aladino Félix e Gênesis Moreira.
Você acredita que o contatismo é um fenômeno social? Crê que existe mesmo a possibilidade de seres humanos estarem frente a frente com seres espaciais? Mais do que um fenômeno social ou meramente psicológico, o contatismo é um fenômeno histórico e religioso de longa duração. Ele se afigura como a continuidade daquilo que o ser humano vem buscando obcecadamente desde que adquiriu consciência, ou seja, o retorno ao cosmos. É a nostalgia da origem, da idéia de paraíso, de quando os seres divinos viviam na Terra junto com os homens. Esse nosso desejo de viver na presença divina e num mundo perfeito foi traduzido e transposto pelos contatados para uma linguagem espacial, moderna, apreensível pelo homem atual. A questão não é crer na realidade desses contatos. Descartando as fraudes deliberadas, o fato é que estão sim se realizando, mas não exatamente da forma como querem ou descrevem os contatados. Os seres que estão por trás disso, que podem ser extraterrestres ou daqui mesmo, manipulam a consciência humana a partir de elementos retirados dela própria.
Os contatados são pessoas diferentes, especiais, com algum legado a oferecer aos ufólogos ou às pessoas em geral? Por terem sido “escolhidos” para cumprir determinada missão por uma “divindade” – neste caso extraterrestre –, os contatados se sentem vivendo em um outro tempo. O objetivo final dessa sua missão seria trazer a vitória do bem sobre o mal, corrigir a imperfeição do mundo e implantar o paraíso na Terra. Conforme definiu o sociólogo alemão Max Weber, o que faz alguém ser encarado como detentor de qualidades pessoais extraordinárias é, em primeiro lugar, sua personalidade carismática, e não há contatado que não tenha carisma. Nem importa tanto se é dotado ou não de capacidades sobrenaturais ou paranormais, o que importa mesmo é que seja carismático. O legado que oferecem – se é que se pode chamar assim – é o da indagação filosófica, o da inspiração pela busca metafísica, da verdade última e da unidade cósmica, ao lado da exaltação romântica da vitalidade e do vigor primordiais. Os contatados e líderes de seitas ufológicas sempre souberam aproveitar bem um vazio deixado aberto no imaginário popular pela religião e pela política, preenchendo-o, ainda que improvisada e precariamente, com todo tipo de ficções científicas e fantasias escatológicas.
Por terem sido “escolhidos” para cumprir determinada missão por uma “divindade” (neste caso extraterrestre), os contatados se sentem vivendo em um outro tempo, como foi o caso de George Adamski [Foto]. O objetivo final dessa missão seria trazer a vitória do bem sobre o mal, corrigir a imperfeição do mundo e implantar
o paraíso na Terra
Qual é a diferença que você faz entre o fenômeno das abduções e o do contatismo? E como cada situação pode auxiliar na compreensão das visitas que recebemos de seres extraterrestres? Antes é preciso notar que há muito mais semelhanças do que diferenças entre um fenômeno e outro. Em ambos os casos há uma “saída do tempo” comum, comparável à experimentada pelos heróis e personagens míticos. No caso do contatismo, quem passa pela experiência é convidado a participar de uma vida “trans-humana”, a integrar-se ao cosmos ou aos “deuses”. No caso das abduções, o abduzido é submetido a uma espécie de ritual xamânico de iniciação. Ele é arrancado de sua família e do seu meio, sendo transportado para um local desconhecido onde sofre processo doloroso e lhe são incutidos uma nova língua e um novo conjunto de conhecimentos e informações. Sua vida anterior é deixada para trás, como se passasse por uma morte e um renascimento. Assim, tanto os contatismos como as abduções indicam a passagem de um modo de ser a outro, de uma situação existencial a outra, como que mostrando ao homem que ele não está acabado, que ele deve nascer uma segunda vez, desta vez espiritualmente.
Seu livro contém capítulos que demandaram uma pesquisa bastante demorada. Quanto tempo você dedicou à obra e quais foram as principais dificuldades que encontrou para escrevê-la? Contatados foi escrito ao longo de mais de uma década, em períodos intercalados. As maiores dificuldades, para variar, foram a falta de tempo e de recursos. A pesquisa em si, tanto em arquivos públicos e particulares, como de campo, entrevistando pessoas, foi em grande parte bastante cansativa, mas também prazerosa. Apenas no que se refere ao caso do contatado Aladino Félix, por exemplo, foram necessários cinco anos de laboriosas buscas em empoeirados arquivos, de estudos especializados e de consultas a jornais, revistas antigas e fotografias, de transcrição de entrevistas e de decodificação de rascunhos e apontamentos.
Sua tese de mestrado em história, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), foi uma espécie de embrião de Contatados. Quanto tempo você dedicou a ela e quais foram os principais desafios que encontrou para realizá-la? É bom deixar bem claro que Contatados não é a tese em si, mas apenas uma pequena parte dela. O livro, na verdade, é o desdobramento de um tema que não pude desenvolver na ocasião. O conteúdo integral da tese, devidamente atualizado, revisado e acrescido de novos dados, informações e análises, optei por dividir em três livros que ainda pretendo lançar: A História Oficial dos UFOs: De Mito Moderno à Realidade Histórica, A História Oficial dos UFOs no Brasil: Do Disco Voador da Barra da Tijuca ao ET de Varginha e A História Oculta do Regime Militar Brasileiro. Este último trata das conspirações e os atentados terroristas do escritor, contatado e líder messiânico Aladino Félix, o Dino Kraspedon ou Sábado Dinotos. Apenas elaborar o projeto da tese e me preparar para o processo de seleção custaram-me seis meses, mas ela levou cinco anos para ficar pronta e exigiu tremendos sacrifícios de minha vida pessoal, não só pela rigorosidade intrínseca a esse tipo de trabalho acadêmico, mas também pelas inúmeras dificuldades enfrentadas, preconceitos, incompreensões e da falta de apoio institucional – exceção feita ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do qual fui bolsista.
Qual foi a receptividade que sua tese teve perante a banca examinadora da Unesp e o colegiado acadêmico em geral? Ainda que muita gente duvidasse que o Fenômeno UFO pudesse ser objeto de estudo acadêmico e me encarasse com certa relutância, desconfiança e indulgência, a receptividade, tanto entre os alunos como entre os professores, tirando os contras, foi excelente. Na banca examinadora, além de contar com a presença de meu orientador, o antropólogo Benedito Miguel Angelo Perrini Gil, que desde o início acreditou em mim e no meu projeto, tive a honra de ser sabatinado pelo sociólogo da Universidade de São Paulo (USP) Lísias Nogueira Negrão, um dos maiores especialistas em messianismo e seitas religiosas no Brasil, e pelo arguto historiador da Unesp, Milton Carlos Costa. O problema é que no transcurso da elaboração da tese, encontrei poucas pessoas com quem pudesse manter um diálogo pertinente, uma vez que a ignorância delas em relação ao Fenômeno UFO nos meios universitários é atroz. E o que é pior, muitas atitudes em relação ao meu trabalho eram típicas de quem primeiro toma posição para depois estudar o assunto.
Contatados já está sendo considerado por vários ufólogos como a fonte de referência mais consistente sobre o fenômeno do contatismo. Você pretende expandir seu trabalho? Em termos de narrar novamente as histórias contadas e recontadas por outros contatados, dificilmente daria para expandir, pois seria muito repetitivo, a não ser que me concentre em um caso em especial. As alegações são quase sempre as mesmas, variando muito pouco. Portanto, para mim, bastam as que já foram analisadas. Ademais, Contatados faz parte de uma trilogia de livros que se complementam.
O que são os contatados para você? Citando o subtítulo da obra, seriam emissários das estrelas, arautos de uma nova era ou a quinta coluna da invasão extraterrestre? Os contatados se autoproclamam “emissários das estrelas” e “arautos de uma nova era”, mas penso que eles estão mais para a “quinta coluna da invasão extraterrestre”. Eles não percebem ou não querem se dar conta de que não estão agindo autonomamente e por razões próprias
, e sim servindo a um plano geral de dominação muito maior, do qual são apenas títeres induzidos e treinados a recrutarem outros títeres, que por sua vez serão levados a recrutarem outros títeres, e por aí vai. Para o ex-padre jesuíta espanhol Salvador Freixedo, mais ardoroso defensor da corrente que propugna que os ETs seriam seres nefastos disfarçados de deuses, eles assumiriam diversas formas ao se apresentarem ao homem. E se adaptariam aos padrões de determinada época e cultura, bem como se valeriam de artimanhas e ferramentas místicas para manejá-lo, da mesma forma que o homem quando necessita dos animais.