Uma brutal distorção dos fatos. É assim que pode ser definido o teatro criado em 1917 em torno da aparição da chamada Virgem de Fátima, desmistificada pela historiadora Fina D’Armada e pelo jornalista Joaquim Fernandes [Representante de Ufo em Portugal], em sua corajosa obra Intervenção Extraterrestre em Fátima: As Aparições e o Fenômeno OVNI [Livraria Bertrand, 1986]. Nela se contesta um dos pilares fundamentais do universo religioso lusitano. Os autores não negam as visões das três crianças, da suposta Virgem, mas as reinterpretam à luz da Ufologia. Um objeto voador não identificado teria transportado a criatura, confundida na época com uma santa. Essa tese, nada ortodoxa, nunca fora tão bem propugnada.
Em plena Primeira Guerra Mundial, num lugar ermo e pedregoso da aldeia de Aljustrel, em Fátima, cidade localizada no centro de Portugal, Lúcia de Jesus dos Santos e seus primos Francisco e Jacinta Marto afirmaram ter visto uma “…mulherzinha muito linda e brilhante”. Em aparições subseqüentes do mesmo ser, quase sempre por volta do meio dia, milhares de pessoas presenciavam estranhos fenômenos, embora apenas os três meninos enxergassem a santa. O topo de uma azinheira do local curvou-se no momento em que a criatura, envolta em luz, elevou-se suavemente sobre ela, até desaparecer. Os brotos do topo tombaram na mesma direção, só retomando a posição natural algumas horas depois. Alterações súbitas abaixaram a temperatura do ambiente, em pleno verão. Nuvens incomuns pairaram sobre a azinheira e zumbidos foram ouvidos. Na quinta aparição do tal ser, um globo luminoso se moveu do nascente para o poente e partiu em sentido contrário. Os espetáculos se repetiam todos os meses daquele ano, sempre no dia 13, até que culminaram, em outubro de 1917, no chamado Milagre de Fátima.
A Terra era um planeta conturbado, naquela época. Pela primeira vez na história da humanidade, nações de quase todos os continentes estavam em conflito. Naquele ano, a frente russa se desmobilizaria devido a crescente instabilidade interna, forçando a entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial. As derrotas militares da Rússia agravaram sua crise econômica, resultando na deposição do czar Nicolau II. Formou-se um governo provisório no país, liderado por Kerensky, que o fez prosseguir na guerra. Mas a chamada Revolução de Março não atendera as principais reivindicações e necessidades e, em setembro, Leon Trotsky reorganizou a Guarda Vermelha e derrubou o gabinete de Kerensky. E em novembro, os bolcheviques liderados por Lênin tomaram o poder exigindo a saída imediata da Rússia do conflito, a posse das indústrias, da terra, das riquezas naturais e das instituições financeiras. Tinha início ai um dos grandes movimentos históricos que redefiniu a face da sociedade planetária. O mundo vivia em constante agitação.
Fatos Religiosos Repetidos — Em Portugal, a agitação era de cunho religioso, com o surgimento da suposta Virgem Maria aos meninos e às multidões de crentes que se juntavam em Fátima. Mas, precedendo a aparição, outro fato aconteceu, sobre o qual pouca gente tem conhecimento. O chamado Anjo de Portugal ou da Paz também surgiu envolto em luz aos três pequenos pastores. A primeira vez foi na primavera de 1916, numa gruta do Outeiro do Cabeço, perto de Aljustrel. Conforme narrou Lúcia, que posteriormente viria a ser ordenada irmã: “Alguns momentos havia que jogávamos, e eis que um vento forte sacode as árvores e faz-nos levantar a vista para ver o que se passava, pois o dia estava sereno. Então começamos a ver, a alguma distância, sobre as árvores que se estendiam em direção ao nascente, uma luz mais branca que a neve, com a forma de um jovem transparente, mais brilhante que um cristal atravessado pelos raios de Sol”.
A menina, transformada em religiosa e mantida reclusa durante quase toda sua vida pela igreja católica portuguesa, deu uma belíssima descrição do fenômeno e do tal Anjo de Portugal. “À medida que se aproximava, íamos-lhe distinguindo as feições. Era um jovem dos seus 14 aos 15 anos, de uma grande beleza. Estávamos surpresos e meio absortos. Não dizíamos palavra. A atmosfera do sobrenatural que nos envolveu era tão intensa que quase não nos dávamos conta da própria existência. Por um grande espaço de tempo permanecemos na posição em que nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração”. A segunda aparição do mesmo fenômeno foi no verão do mesmo ano, sobre o poço da casa dos pais de Lúcia, junto ao qual as crianças brincavam. E a terceira foi no princípio do outono de 1916, novamente na Loca do Cabeço: “Logo que aí chegamos, de joelhos, com os rostos em terra, começamos a repetir a oração do anjo: ‘Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e amo-Vos etc’. Não sei quantas vezes tínhamos repetido esta oração, quando vimos que sobre nós brilhava uma luz desconhecida. Erguemo-nos para ver o que se passava e vimos o anjo trazendo na mão esquerda um cálice. Suspensa sobre ele havia uma hóstia, da qual caíam dentro do cálice algumas gotas de sangue. Deixando o cálice e a hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra junto de nós e repetiu três vezes a oração”.
Precedendo o surgimento desse anjo ainda houvera três visões, de abril a outubro de 1915, nas quais Lúcia e outras pastorinhas, Maria Rosa Matias, Teresa Matias e Maria Justino, avistaram algo, também no Outeiro do Cabeço, suspenso no ar sobre o arvoredo do vale. “Era algo como que nuvem mais branca que a neve, transparente e com forma humana”, declarou Lúcia. A figura foi ainda descrita como se fosse uma estátua de neve, que os raios do Sol tornavam transparente. Como se vê, a aparição de Fátima não foi um evento isolado, mas um conjunto de fatos que culminou com um momento especial. Quando da aparição da Virgem Maria, Lúcia, Francisco e Jacinta tinham apenas 10, 9 e 7 anos, respectivamente. Tinham nascido em 22 de março de 1907, 11 de junho de 1908 e 11 de março de 1910. O palco das aparições foi a Cova de Íria, pequena propriedade dos pais de Lúcia, à 2,5 km de Fátima, cerca de 100 km de Lisboa. Francisco apenas via a Virgem, mas não a ouvia. Jacinta via e ouvia. Somente Lúcia via, ouvia e conversava com ela.
Ser Vestido de Branco — Dois clarões como relâmpagos chamaram a atenção das crianças para a presença da Virgem Maria, no momento em que brincavam na Cova d
e Íria naquele domingo, 13 de maio de 1917. Ainda conforme Lúcia, era uma “senhora” vestida toda de branco, mais brilhante que o Sol, espargindo luz mais clara e intensa que um copo de cristal cheio de água pura. “Sua face, indescritivelmente bela, não era nem triste, nem alegre, mas séria. Trazia um ar de suave censura. As mãos, juntas, como a rezar, estavam apoiadas no peito e voltadas para cima. Da mão direita pendia um rosário. As vestes pareciam feitas de luz. A túnica era de cor branca, assim como o manto decorado com ouro, cobrindo-lhe a cabeça e descendo-lhe aos pés. Não se viam os cabelos e as orelhas”. Lúcia, no entanto, nunca pôde descrever os traços da fisionomia de tal ser, pois foi impossível fitar o rosto celestial, que ofuscava sua visão.
As crianças, de tão próximas a Virgem Maria – cerca de 1,50 m de distância –, ficavam dentro da luz que ela espargia. Ela disse a Lúcia: “Não tenhais medo. Eu não vos faço mal. Sou do céu e vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. E voltarei ainda aqui uma sétima vez”. No preciso momento em que disse ser proveniente do céu, o ser ergueu a mão para apontar o firmamento. E continuou. “Querei oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores? Ides, pois tens muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto”.
Lúcia complementou que, quando pronunciou estas últimas palavras, o ser abriu pela primeira vez as mãos. Eis o relato da religiosa sobre esse gesto final da Virgem Maria: “Quando abriu as mãos, invadiu-nos uma luz intensa, como que reflexo que delas expedia, que penetrou em nosso no peito e no mais íntimo da alma. Fazia-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente melhor dos espelhos. Então, por um impulso íntimo, caímos de joelhos e repetimos orações”. Passados os primeiros momentos em que os meninos se prostraram no chão, o ser acrescentou: “Rezem o terço todos os dias para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra”. Em seguida, começou a elevar-se serenamente, subindo em direção ao nascente, até desaparecer. A luz que a circundava ia junto, como que abrindo um caminho no firmamento.
Antes da segunda aparição da Virgem Maria, as crianças notaram novamente um clarão, que chamavam de relâmpago, mas que não o era propriamente, e sim o reflexo de uma luz que se aproximava. Cerca de 50 espectadores atraídos ao local testemunharam o obscurecimento da luz do Sol nos minutos que antecederam o colóquio. O topo da azinheira, coberto de brotos, curvou-se como que sob um peso, momento antes de Lúcia falar. Durante o encontro do ser com as crianças, ouvia-se um sussurro semelhante ao zumbido de abelhas. A Virgem Maria vaticinara a Lúcia que Jacinta e Francisco iriam morrer em breve, enquanto ela ficaria para cumprir os desígnios divinos. No final, o ser, envolto na luz que irradiava, elevou-se suavemente da arvorezinha, até desaparecer a leste. Pessoas mais próximas do local notaram que os brotos da azinheira tombaram na mesma direção, como se as vestes da Virgem os tivessem arrastado.
Já na terceira aparição, uma nuvenzinha acinzentada pairou sobre a mesma azinheira, o Sol foi ofuscado e uma brisa fresca soprou sobre a serra, apesar de ser pleno verão. Marto, pai de Jacinta e Francisco, ouviu um zumbido que descreveu como “um sussurro de moscas em um cântaro vazio”. Depois de exortar o sacrifício pelos pecadores, a Virgem Maria abriu as mãos, produzindo o que Lúcia entendeu como sendo a visão do inferno: “O reflexo de luz que elas expediam pareceu penetrar na terra e vimos como que um grande mar de fogo e, mergulhados nele, demônios e as almas. Era como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor”.
Assustadas, as crianças levantaram os olhos em direção ao ser, que lhes disse: “Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para os salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. Se fizerem o que vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz”. A seguir, o ser previu ainda o fim da Primeira Guerra Mundial e o início da Segunda, bem como a conversão da Rússia, interpretada pelos estudiosos como a derrocada do comunismo ao fim da Perestroika, nos anos 80. “A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo de seus crimes”. Ouviu-se então um som de trovão indicando que a aparição cessara.
Rapto dos Pastorinhos — Em 13 de agosto daquele mesmo ano, dia do que seria a quarta aparição, as crianças não compareceram à Cova de Íria porque o administrador de Ourém as raptara com o intuito de fazer com que lhe revelassem os segredos. As crianças, porém, permaneceram firmes. Na hora costumeira, na Cova de Íria, ouviu-se um trovão, sempre seguido de um relâmpago, tendo os espectadores observado uma pequena nuvem branca a pairar sobre a azinheira. Estranhos efeitos luminosos coloriram o rosto das pessoas, as roupas, as árvores e o chão. A Virgem Maria certamente comparecera como antes, mas sem encontrar as crianças. Em 19 de agosto, por volta das 16h00, Francisco, Lúcia e um primo desta achavam-se em Valinhos, numa propriedade de um de seus tios, quando notaram alterações atmosféricas típicas das aparições da Virgem: uma súbita queda da temperatura e o ofuscamento do Sol. Lúcia mandou chamar às pressas Jacinta, que chegou a tempo de ver o ser que surgira sobre outra azinheira, um pouco maior que a da Cova da Íria. As crianças cortaram ramos dessa árvore e os levaram para casa, pois exalavam um perfume singularmente suave.
Na quinta aparição, o número de testemunhas foi calculado entre 15 e 20 mil. Essa multidão presenciou o súbito refrescar do clima, o empalidecer do Sol – que nessa ocasião escureceu tanto que se podiam ver as estrelas –, e uma espécie de chuva de pétalas ou flocos de neve. No contexto ufológico, essa chuva foi relacionada à queda de “cabelos de anjo”, uma substância registrada muitas vezes caindo de UFOs sobrevoando terrenos a baixa altitude. Se parecem com teias de aranha ou fios de barbante que se desfazem ou sublimam antes ou ao tocarem o solo, dificultando sua análise [Em poucos casos em que se conseguiu a coleta e o exame do material, o mesmo foi identificado como sendo uma fibra de características protéicas e com alto teor de boro e silício]. O mais espantoso dessa aparição foi o globo luminoso que se movia lenta e majestosamente pelo céu, do nascente para o poente, e depois em sentido contrário.
A sexta e última e aparição, em 13 de outubro, culminou com o chamado milagre do Sol. Como das vezes anteriores, surgiu uma luz e, em seguida, a Virgem Maria sobre a mesma azinheira. Abrindo as mãos, nelas refletiu os raios solares e, enquanto se elevava no céu, o reflexo da sua própria luz projetava-se no Sol. Nesse momento, Lúcia exclamou: “Olhem para o Sol”. Não se via mais o ser no firmamento. A religiosa descreveu a cena como o desenrolar de um filme: três quadros foram mostrados sucessivamente às crianças, simbolizando os “mistérios gozosos do rosário, os dolorosos e por fim os gloriosos”, ainda segundo relato de Lúcia. Apenas ela viu todos os quadros, pois Francisco e Jacinta viram apenas o primeiro. E ela ainda disse que, ao lado Sol, viu a Sagrada Família, a Virgem Maria e José com o menino Jesus. Neste quadro, a Virgem vestia uma indumentária branca e um manto azul, José tinha uma túnica uma branca e, Jesus, uma vermelha.
Disco de Prata — Os registros católicos descrevem a cena com fortes traços religiosos, é claro. Durante a visão da Sagrada Família, José e o menino Jesus teriam abençoado a multidão, fazendo três vezes o sinal da cruz. A Virgem Maria e Jesus apareceram com feições faciais de dor a caminho do que se julgou ser o calvário. Enquanto as crianças assistiam a essas cenas, a massa, calculada entre 70 e 80 mil peregrinos, testemunhava o tal milagre do Sol. Chovera intensamente naquele dia e ainda chuviscava durante a aparição. Ao entardecer, no instante em que a Virgem se elevava e que Lúcia gritava para que todos olhassem para o Sol, as nuvens se entreabriram e descortinaram o astro. Mas era um sol estranho, achatado, com um contorno tão bem definido que mais parecia um imenso disco de prata. Brilhava com intensidade jamais vista, mas não cegava. E o disco começou a dançar no céu. Girou rapidamente, parou por alguns instantes e recomeçou a girar novamente sobre seu eixo, de maneira vertiginosa. Certamente que não se tratava, como insiste a igreja, do Sol.
Segundo historiadores, entre eles o português Antonio Augusto Borelli, as bordas daquele disco de prata “tornaram-se escarlates e ele deslizou como um redemoinho, espargindo chamas de fogo. Jorravam cascatas de luzes verdes, vermelhas, azuis e violetas, de variadas tonalidades, que se refletiam no solo, nas árvores, nos arbustos, nas roupas e nas próprias faces das pessoas”. Executando um movimento ilógico, o objeto tremulou e sacudiu antes de baixar sua altitude significativamente, voando em zigue-zague, sobre a multidão apavorada. O disco então parou por alguns minutos, como se concedesse um intervalo de descanso para os espectadores, para logo em seguida recomeçar os movimentos e emitir mais luzes flamejantes. Após nova pausa, a dança recomeçou, tão magnífica quanto antes.
Não podemos revelar o segredo da Virgem de Fátima, pois ele provocaria pânico no mundo
– Papa João XXIII
O milagre do Sol, como foi rotulado esse excepcional show aéreo, durou 12 minutos, ao final do que o disco retornou ao ponto inicial e assumiu o mesmo fulgor de antes. Muitos dos presentes notaram que suas roupas, ensopadas pela chuva, haviam secado misteriosamente. Testemunhas distantes até 40 km do local onde o fato se deu também puderam presenciar o fenômeno. O ciclo das aparições terminou dessa forma em Fátima, para deixar um legado religioso até hoje explorado pela igreja. O milagre do Sol fora inteiramente documentado pelo repórter Avelino de Almeida, do jornal O Século, que tinha a maior circulação em Portugal na época. Almeida publicou uma reportagem sobre o acontecimento na primeira página da edição de segunda-feira seguinte, 15 de outubro. O título da matéria, ainda sem os contornos religiosos que a cúpula católica portuguesa lhe daria nos meses e anos seguintes, foi: “Coisas Espantosas! Como o Sol Bailou ao Meio-Dia em Fátima”.
Durante o curto espaço de tempo que viveram depois das aparições, Francisco e Jacinta, sobretudo esta última, tiveram cada qual diversas visões. No fim de outubro de 1918, adoeceram quase ao mesmo tempo. Levada a Lisboa, Jacinta ficou em um orfanato junto da Igreja de Nossa Senhora dos Milagres, sendo depois transferida para o Hospital Dona Estefânia. No orfanato, foi assistida pela madre Maria de Purificação Godinho, que tomou nota de suas últimas palavras, embora nem sempre literalmente. No hospital, a Virgem Maria ainda teria anunciado a Jacinta o dia e a hora em que a levaria, 20 de fevereiro de 1920. Sepultaram Jacinta no Cemitério de Vila Nova de Ourém, e Francisco, que morrera pouco antes, no Cemitério de Fátima. Em 12 de setembro de 1935, os restos mortais de Jacinta foram transladados e depositados num jazigo especialmente construído para ela e seu irmão no cemitério de sua cidade natal. Na lápide, um epitáfio singelo: “Aqui repousam os restos mortais de Francisco e Jacinta, aos quais apareceu Nossa Senhora”. Em 1951 e 1952, respectivamente, os despojos foram levados para a cripta da Basílica de Fátima, onde se encontram até hoje.
Segredo Terrível — Em 17 de junho de 1921, Lúcia partiu de Aljustrel, sendo recebida como interna no Colégio das Irmãs Dorotéias, em Vilar, subúrbio da cidade do Porto. Em 24 de outubro de 1925, ingressou como postulante no convento do Instituto de Santa Dorotéia, em Tuy, na Espanha, tornando-se noviça em 02 de outubro de 1926. Dois anos depois, fez votos como Irmã conversa e, seis anos mais tarde, fez votos perpétuos, assumindo o nome de irmã Maria das Dores. Em função da Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939, foi transferida ao Colégio do Sardão, em Vila Nova de Gaia. Em 20 de maio de 1946, Lúcia reviu o local das aparições, visitando a Cova de Íria, a gruta do Cabeço e o sítio dos Valinhos. Em 25 de março de 1948, deixou o Instituto de Santa Dorotéia para ingressar no Carmelo de São José, em Coimbra, com o nome de Irmã Maria Lúcia do Coração Imaculado. Em 13 de maio do mesmo ano, vestiu o hábito de Santa Teresa e, em 31 de maio de 1949, ingresso na ordem das Carmel
itas Descalças, vivendo desde então reclusa em um convento em Coimbra.
Os relatos redigidos pela irmã Lúcia, chamados simplesmente de Memórias, dividem-se em quatro partes. A primeira, escrita em um caderno pautado comum, é um repositório de memórias pessoais dedicada à biografia de Jacinta. Em 12 de setembro de 1935, procedeu-se a exumação dos restos mortais da pequena vidente falecida em 1920. Verificou-se então que seu rosto se mantivera misteriosamente intacto. O bispo de Leiria, dom José Alves Correia da Silva, enviou a Lúcia uma fotografia que tirou nessa ocasião pedia a ela que escrevesse tudo o que sabia da vida de Jacinta, daí resultando a primeira parte. Em abril de 1937, o padre Ayres da Fonseca ponderou que o primeiro relato de Lúcia levava a supor que havia outros dados interessantes relativos às aparições, que permaneciam desconhecidos. Entre os dias 07 e 21 de novembro daquele ano, por ordem de dom Correia da Silva, Lúcia pôs-se a escrever a história de sua vida. Nessa segunda parte ela também menciona, ainda que sumariamente, as aparições da Virgem Maria e relata, pela primeira vez publicamente, as do Anjo de Portugal.
Condenada ao Purgatório — Diversas razões levaram-na a manter silêncio por duas décadas, entre eles a pressão exercida pelo Conselho do Arcipreste de Olival, especialmente pelo padre Faustino José Jacinto Ferreira. Em 1941, Jacinto Ferreira ordenou à vidente que escrevesse tudo que se lembrasse a respeito da vida da prima, para a edição de um novo livro sobre Jacinta. Assim, Lúcia inicia a terceira parte do manuscrito e registra as impressões que as aparições causaram no espírito da prima. O relato é datado de 31 de agosto de 1941. Surpreendido com as revelações, o cônego Galamba de Oliveira constata que Lúcia não contara tudo nos documentos anteriores, instando o bispo de Leiria a ordenar-lhe que escrevesse um histórico completo das aparições.
“Mande-lhe, senhor bispo, que ela escreva tudo. Mas tudo. Até mesmo o terceiro segredo. Que há de dar muitas voltas no Purgatório por ter calado sobre tanta coisa”, escreveu o cônego. Lúcia se desculpa dizendo ter sempre agido em consonância com as ordens da igreja e, pressionada, redige o quarto manuscrito, datado de 08 de dezembro de 1941. Nele, faz pela primeira vez um relato sistemático e ordenado das aparições, declarando por fim que nada omitiu do quanto se lembrava, “salvo a terceira parte do segredo, pois ainda não havia me sido permitido revelar”. Para muitos, a confirmação das duas partes do segredo justificaria o ocultamento do terceiro, pois certamente conteria revelações desconcertantes quanto ao futuro da Terra e da humanidade. O primeiro deles referia-se à “visão do inferno” e, o segundo, antecipava o término da Primeira Guerra Mundial, que viria a ocorrer em 28 de junho de 1919, com a assinatura do Tratado de Versalhes. Lúcia falada de uma advertência: se não fossem atendidos os pedidos da Virgem, de cunhos ideológicos e pacifistas, voltados à reformulação de valores e conceitos, uma nova guerra, de proporções e conseqüências bem mais graves, iria ser deflagrada. “Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabereis que é o grande sinal”, vaticinou o ser.
De fato, na noite de 25 para 26 de janeiro de 1938, uma intensa luminosidade, explicada pelos astrônomos como uma provável aurora boreal, foi vista em todo o céu da Europa entre 20h45 e 01h15, com breves intermitências. Nunca antes uma aurora boreal fora vista naquelas latitudes. A Segunda Guerra Mundial teria inicio logo a seguir, em 01 de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pela Alemanha nazista. Durante esse sangrento e duradouro conflito, outra forma de “luz desconhecida” passou a fazer parte de nossa realidade, a bomba atômica, resultante dos experimentos secretos do Projeto Manhattan, no laboratório de Los Alamos, nos Estados Unidos. A Segunda Guerra praticamente acabou com a explosão de duas delas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945.
Entre 22 de dezembro de 1943 e 09 de janeiro de 1944, Lúcia escreveu uma longa carta contando os detalhes do terceiro segredo de Fátima e a encaminhou, por intermédio do bispo titular de Gurza, dom Manuel Maria Ferreira da Silva, ao bispo de Leiria, dom José Alves Correia da Silva. Lúcia avisou que, por ordem da Virgem, o segredo não devia ser revelado ao mundo antes de 1960. Por sua vez, dom João Pereira Venâncio, bispo auxiliar de Leiria, encaminhou a carta à Nunciatura Apostólica em Lisboa. Ali permaneceu entre outubro de 1958 e fevereiro de 1959, até que o cardeal Fernando Cento a remeteu a Roma, onde foi lida pelo papa João XXIII e pelo cardeal Alfredo Ottaviani, prefeito da Sagrada Congregação do Santo Ofício. O documento acabou guardado nos arquivos secretos do Vaticano. João XXIII leu a carta em seu escritório, a portas fechadas, com a ajuda do tradutor Paulo José Tavares. Quando os dignitários deixaram o recinto, seus rostos “pareciam terrivelmente assustados, como se tivessem visto um fantasma”, conta uma testemunha.
Abalado, João XXIII determinou: “Não podemos revelar o segredo, pois ele provocaria pânico no mundo”. Em razão disso, muitos historiadores e religiosos passaram a desconfiar que o terceiro segredo de Fátima anunciaria uma terrível catástrofe natural, uma terceira guerra mundial e até a chegada de seres extraterrestres. Essa tese, em especial, é defendida pelo autor Erich von Däniken, de Eram os Deuses Astronautas? De qualquer forma, o Vaticano recusava-se a divulgar a mensagem, numa atitude que alimentou o imaginário dos que temiam pelo futuro da humanidade. Não faltaram aqueles a explorar o medo coletivo do fim do mundo, vendendo milagres com a conivência da própria igreja, preocupada apenas com a manutenção de seu poderio político e econômico, calcado na manipulação e controle da massa.
Um dos principais dogmas da igreja católica, proclamado ex cathedra [Da cadeira papal] e presumindo-se a infalibilidade do papa, é de que Maria é a mãe de Deus. No início de 1987, por ocasião das comemorações do ano mariano de 1987-88 e do jubileu vindouro dos dois mil anos de nascimento de Cristo, o papa João Paulo II acentuou o papel da Virgem Maria. Com o episódio de Fátima fica claro que, se existe uma história ou evolução do dogma, porque certas doutrinas implícitas exigem uma definição explícita que se serve necessariamente
da terminologia filosófica dominante em dado momento histórico, cai por terra a ilusão de que a mãe de Deus foi quem apareceu na cidade portuguesa. E várias são as razões para isso, inclusive a própria casuística ufológica.
Fenômenos Extraordinários — Os contatos previamente marcados, sempre no dia 13 de cada mês, com uma “belíssima mulher vestida de branco, que chegava envolta em luz e acompanhada de fenômenos extraordinários”, enquadram-se perfeitamente na casuística mundialmente registrada de manifestações do Fenômeno UFO. As interpretações conferidas e a acolhida dos milhões de fiéis à lenda religiosa moldaram-se às tendências particulares da cultura e da época em especial. A Ufologia moderna classifica a entidade que se acostumou chamar de Virgem Maria ou Nossa Senhora com um ser de origem não-terrestre, e assim, por definição, extraterrestre. Ela tinha uma tipologia carismática, angelical e muito próxima do padrão humano. Demais fatos que se manifestaram concomitantemente à aparição do ser também são bem conhecidos da Ufologia. Por exemplo, os relâmpagos, cujas descargas elétricas vinham associadas a ruídos sussurrantes e estalos, anunciando a chegada do ser.
Certa vez, Lúcia declarou que, quando a santa se afastava, ouvia um som de rojão explodindo à distância. No interrogatório oficial da Igreja, perguntaram a ela por que freqüentemente abaixava o rosto diante da Virgem, em vez de olhá-la diretamente. Lúcia respondeu com uma certa inocência que era “porque às vezes ela me ofuscava”. Assim, considerando-se a vasta gama de fenômenos envolvidos, podemos destacar quatro em especial: (a) alusão sistemática a uma luminosidade intensa ou radiação fulgurante emanante das figuras consideradas religiosas; (b) alterações súbitas no clima e na temperatura ambiente, nos locais da observação; (c) sensações subjetivas ligadas a um algum tipo de percepção extra-sensorial; e (d) a presença de figuras adicionais – “anjos coadjuvantes” –, além da figura central.
Sua face, indescritivelmente bela, não era nem triste nem alegre, mas séria. Trazia um ar de suave censura. A túnica era branca, assim como o manto decorado com ouro, cobrindo-lhe a cabeça e descendo-lhe aos pés – Irmã Lúcia
A igreja justifica a manipulação social, política e cultural urdida em torno das aparições em Fátima com a doutrina da comunhão dos santos. O caráter religioso atribuído aos milagres atendeu prontamente aos objetivos da cúpula católica de Roma. Primeiramente, as orações, os sacrifícios e os holocaustos descritos pelas três crianças, que teriam sido espiritualmente beneficiadas pelas aparições da “rainha de todos os santos”, arrebanharam grande número de almas e até nações inteiras. O ganho político e material advindo disso é imensurável para a igreja católica. Em segundo lugar, outro pressuposto para justificar as aparições seria a mediação universal de Maria Santíssima. Ela atuaria como a intermediária suprema e necessária, por vontade de Deus, entre o Redentor ofendido e a humanidade pecadora.
Manter esse status para a figura Maria seria o equivalente e ter ainda mais solidificada, no rosário de lendas religiosas, um poderoso ícone a favor da igreja. Além disso, difundiu-se mundialmente a idéia de que, ao falar com os pastores, a Virgem Maria pretendeu falar ao mundo inteiro através da igreja, exortando os homens à oração, à penitência e à redenção. Ela falou especialmente ao papa e à sagrada hierarquia, pedindo a consagração da Rússia ao seu sagrado coração. A Virgem também manifestou preocupação com a situação religiosa do mundo na época. A impressão é de que impiedade e a impureza humanas haviam dominado as pessoas a tal ponto que, para puni-las, Deus fez explodir a Primeira Grande Guerra. Essa conflagração terminaria em breve, e os pecadores teriam chance de atender aos apelos de Fátima. Se o apelo fosse ouvido, a humanidade conheceria a paz. Caso contrário, viria outra guerra ainda mais terrível. E, caso o mundo ainda continuasse surdo à voz de sua Rainha, uma terrível hecatombe recairia sobre os homens, trazendo grandes provações ao sumo pontífice: “A Rússia espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. O Santo Padre terá muito que sofrer”.
Moldura Religiosa — Por fim, com a exaltação da imagem da Virgem, estaria quebrada a dura sina da humanidade renitente ao longo de toda uma cadeia de calamidades e sofrimentos. E haveria, em larga escala, uma conversão das almas ímpias: “Meu imaculado coração triunfará”. Como se vê, o caráter eminentemente religioso das experiências foi conferido pela Igreja, que as amoldou de acordo com seus interesses. A noção das crianças sobre os acontecimentos era extremamente subjetiva, como se depreende dos depoimentos de Lúcia. Respondendo a William Thomas Walsh, que a indagou se, ao relatar as palavras do Anjo e da Virgem Maria, reproduzira exatamente o que ouvira, Lúcia admitiu: “As palavras do Anjo tinham uma propriedade intensa e dominadora, uma realidade sobrenatural, de modo que não poderiam ser esquecidas. Elas se gravaram exata e indelevelmente na minha memória. As palavras da Virgem, no entanto, eram diferentes. Eu não asseguraria a exatidão delas. Foi antes o sentido que eu aprendi, sendo que apenas traduzi em palavras o que entendi. Não é fácil explicar isso”.