Ufologia: buraco negro do incognoscível ou simples arcabouço do desconhecido? Incognoscível, palavra que identifica tudo aquilo que não pode ser conhecido, em contraposição àquilo que ainda não é conhecido. Uma diferença fundamental entre o que sabemos e o que nunca saberemos. É tudo aquilo cuja essência jamais teremos acesso: amor, tempo, morte, deus… Uma extensa lista. Mas incognoscível não é só isso. É também aquilo que sequer imaginamos existir, que ainda está por vir, que não aconteceu – o futuro, por exemplo. Engana-se quem acha que o futuro é o amanhã, porque na dimensão absoluta do tempo, futuro é algo que não existe. Logo, está fora do nosso alcance e não pode ser conhecido. Enquanto o futuro se transforma sempre no agora, no presente, o passado é conhecido, é história e experiência. Há uma frase da poetisa polonesa Wislawa Szymborska que sintetiza de maneira singela o conceito de futuro: “Quando eu pronuncio a palavra futuro, a primeira sílaba já pertence ao passado”.
Outro exemplo: a realidade. O que é realidade? Há muito se discute, bem antes da Era Matrix, as definições para realidade e ilusão. Filósofos e pensadores debatem e se debatem acerca dessa intricada malha de acontecimentos que estrutura nosso mundo, mas nunca chegaram e nunca vão chegar a um consenso. A minha realidade é diferente da sua, que é diferente da do seu amigo, que por sua vez é diferente da realidade do seu irmão e assim por diante. As divertidas e intrigantes brincadeiras de ilusão de ótica encerram, em seu núcleo, uma incômoda sensação de distorção da realidade, ao nos obrigar a ver algo que, na verdade, inexiste. As imagens 1 e 2 demonstram claramente que o que estamos vendo é irreal. Já na terceira imagem [Idem], o resultado é ainda mais contundente. Mesmo com a certeza de que se trata de círculos concêntricos, nossos olhos insistem em nos fazer ver uma espiral! Não é apenas de uma simples ilusão de ótica, pois um sutil e delicado mecanismo entra em ação, corrigindo e ajustando os processos interpretativos da nossa mente dentro de padrões conhecidos.
Isso acontece porque o nosso cérebro é, de certa forma, induzido a transformar dados e imagens recebidas em noções inteligíveis e compreensíveis, mesmo que a informação original seja absurda ou inverídica. É um mecanismo não totalmente identificado, objeto de exaustivos estudos por parte da neurologia, psicologia e, claro, da sociologia. Culturalmente, isso se torna um lastro filosófico, um dogma, uma religião e uma crença. Dessa forma, deus pode ser uma entidade real, uma força interior desconhecida, uma energia cósmica ou qualquer coisa do gênero. Jesus pode ter sido um iluminado, um simples hebreu ou um alienígena. Uma luz riscando o céu noturno vai de cometa a UFO numa velocidade mais rápida que a do próprio. É uma questão de gosto, preferência, desejos ou necessidades.
Transformação em Curso — Com base nessa premissa, há tempos mergulhei num processo de profunda reflexão e total imersão em um tema com o qual convivi nos últimos 30 anos. Investi parte desse tempo em confrontos interiores com as minhas próprias convicções, com a releitura de livros, revistas, trabalhos inéditos, monografias, e-mails e anotações, analisando e ponderando racionalmente sobre tudo aquilo que pude apreender. Em razão disso, meu enfoque foi mudando substancialmente, embora já sinalizasse um certo esgotamento anos antes. A partir daí, uma consciência crítica foi se desenvolvendo, proporcionando uma macrovisão muito além das fronteiras atuais. Um dos pilares que me sustenta vem do famoso filósofo George Santayana: “Aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo”.
Há uma transformação em curso – e não sou eu quem o diz, mas os especialistas e estudiosos da questão –, em que o homem vem adquirindo cada vez mais informação numa velocidade exponencial, a ponto de em algumas situações não encontrar as soluções para os problemas que ele mesmo cria. Além da rapidez, a quantidade de informação tem provocado um estrangulamento que não permite uma seleção adequada do que realmente é importante. Esse imediatismo desenfreado e fora de controle gera um buraco negro imperceptível, com conseqüências seríssimas a médio e longo prazos. O colapso é silencioso, inevitável e irreversível.
Fico me perguntando se a ufologia pertence ou não à categoria dos incognoscíveis – um buraco negro que atrai para os seus domínios tudo aquilo que tangencia seu horizonte de eventos. Estamos falando de chupacabras a aparições marianas, de círculos ingleses a pirâmides, de Triângulo das Bermudas a fenômenos paranormais. Uma vez tragados para o núcleo dessa singularidade, centro esse absolutamente incognoscível, a analogia se justifica – mas não se confirma.
Onde se Encaixam os UFOs — Faço então uma primeira pergunta: pode a ufologia se sustentar baseada apenas e tão somente nas manifestações que lhe dizem respeito diretamente? E engato uma segunda questão: partindo do princípio de que essas manifestações possam ser analisadas e medidas à luz do conhecimento atual, como deve a ufologia ser classificada? Ciência, religião ou nenhuma delas? Para começar, vamos entender melhor o que é ciência e o método científico, reproduzindo trechos de uma correspondência que inspirou essa discussão. Segundo o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, “ciência é o conjunto de conhecimentos coordenados e relativos a um objeto determinado ou aos fenômenos de uma ordem ou classe”.
Já conforme a Enciclopédia Delta Universal, a ciência “engloba um vasto campo do conhecimento humano relacionado a fatos agrupados por princípios. Os cientistas descobrem e testam esses fatos e princípios pelo método científico, um sistema ordenado de resolução de problemas”. Outros autores dizem que o método científico experimental caracteriza-se por “um conjunto de processos racionais por meio dos quais, de fatos particulares, se depreendem regras gerais, compreendendo três etapas: hipótese, verificação e contraprova”. Portanto, para que possamos exercer a prática da ciência, precisamos de um objeto determinado, da existência de regras e princípios específicos àquele objeto, da aplicação do método científico em sua análise e da conclusão por meio de leis gerais, postulados, regras e princípios.
Pode então a ufologia ser considerada uma ciência? Não! E por quê? Porque, como vimos, todo ramo da ciência precisa de um objeto de estudo. Mas qual seria esse objeto para a ufologia? A observação de luzes no céu? Seriam as marcas no solo, os filmes e as fotos? Ou um considerável número desses flagrantes erros de interpretação e fraudes? Ou ainda, seriam os depoimentos das testemunhas que alegam terem visto objetos metálicos, multicoloridos ou estranhas formas? Ou então os abduzidos, contatados ou paranormais, que estabelecem vínculos com os alegados comandantes de naves interplanetárias?
O falecido astrônomo Carl Sagan – que para um significativo número de ufólogos era considerado um ferrenho opositor da ufologia –, a despeito de ter cometido algumas injustiças na análise do fenômeno, era também um buscador de vida extraterrestre. Ele disse certa vez: “Os relatos das testemunhas nem sempre merecem a devida credibilidade, pois quanto mais desejamos que algo seja verdade, mais cuidadosos temos que ser. As pessoas freqüentemente compreendem errado o que vêem, e até vêem coisas que não existem”. Observe de novo a figura dos círculos na página 23. Você não continua vendo uma espiral?
Caricatura de Pesquisa Científica — O primeiro grande obstáculo para se considerar a ufologia uma ciência é o fato de que ela não tem um objeto de estudo. O que ela tem é, na melhor das hipóteses, inconsistente, frágil, especulativo e altamente discutível, não permitindo experimentação nem contraprova. O reduzido número de casos que possam despertar algum interesse não constitui base suficiente para um estudo aprofundado. Surge então um segundo obstáculo, bastante óbvio por sinal: se não tem um objeto de estudo, não pode ter um método científico! Falando claro, a pesquisa ufológica não passa de uma caricatura malfeita da verdadeira pesquisa científica.
O ufólogo e advogado Ubirajara Franco Rodrigues, consultor jurídico da Revista Ufo e autor de O Caso Varginha [Código LV-08 da coleção Biblioteca Ufo], a quem expresso profunda gratidão pela notável e imprescindível colaboração neste trabalho, comunga com o mesmo sentimento e raciocínio a respeito da ufologia. De uma maneira geral, entende que a quase totalidade dos estudiosos é completamente desinformada a respeito da metodologia científica, e que vão a campo para suas pesquisas destituídos dos fundamentos básicos necessários para um resultado, no mínimo, razoável.
A metodologia correta se inicia, por exemplo, com um bom planejamento da verificação, antecedida por uma escolha de hipóteses viáveis. Toda a pesquisa, a partir daí, culminará na confirmação ou na negação das hipóteses escolhidas – o que significa dizer que um fenômeno, qualquer um, deve ser analisado com isenção e imparcialidade. Contudo, o que acontece é justamente o contrário, pois a esmagadora maioria dos ufólogos inaugura seu raciocínio tentando buscar discos voadores por detrás do fenômeno, desejando provar que os UFOs são extraterrestres, que são necessariamente naves espaciais e definitivamente originários de outras civilizações – não importando com qual intenção estão aqui e se tais povos são de índole hostil ou pacífica. Comete-se não apenas um erro inadmissível de metodologia, mas uma infantilidade ingênua que dá aos céticos de plantão uma confortável vantagem.
Ainda de acordo com a citada correspondência de Rodrigues, da qual concordo sem restrições, “uma grande quantidade de ufólogos, pela ausência de fatos concretos, ficam fazendo vãs suposições que não podem ser provadas e que maculam de incredibilidade a própria ufologia. É o popular ‘achômetro’”. Para ele, teorias surgem a todo momento, enquadrando personagens do nosso folclore (boitatá, minhocão e mula sem cabeça) e seres mitológicos (elfos, fadas e gnomos) como extraterrestres. Ou seja: tudo isso seria alienígena. Um deles seria o próprio Jesus Cristo, defendem alguns – geralmente os mesmos que afirmam que as aparições marianas, as manifestações religiosas e os relatos bíblicos foram ocorrências ufológicas. Essa mesma categoria garante ainda que a Bíblia é um autêntico diário de bordo de uma portentosa nave alienígena que visitou o planeta no passado. Seu lema é o já insuportável “Na casa de meu pai há muitas moradas”.
Crença versus Provas — Mas a teia de erros cresce, se espalha e se difunde de maneira contínua e imperceptível. A começar por esta publicação, a única especializada do país, por trazer até recentemente estampada na capa a observação: “Dedicada ao estudo dos extraterrestres”. É o equívoco elementar de não se distinguir o que é simples questão de crença – e, portanto, subjetivo e pessoal – daquilo que já possa ser considerado demonstrado e provado. Assim posto, dá a entender tratar-se de algo incontestável, indubitável, incorrendo num absurdo dialético imperdoável, não condizente com as regras de raciocínio e da argumentação.
No extremo oposto à ciência, a religião ou o espiritualismo igualmente multiplicam seus erros ao argumentarem sobre as verdades que acreditam ter sido reveladas pela espiritualidade, por espíritos ou entidades. Elas desenvolvem, a partir daí, um raciocínio fundamentado em revelações travestidas de verdades. Essa é, sem dúvida, uma das portas de entrada para levar multidões aos cursos de contatos telepáticos com ETs, para os falsos paranormais e duvidosas e
xcursões esotéricas. Em resumo, é uma introdução ao comportamento messiânico, do qual falaremos mais adiante. E tudo isso sem mencionar o acobertamento por parte das potências militares e dos governos estrangeiros, fato que ainda carece de comprovação. No entanto, especulações, suspeitas, insinuações, perseguições, homens de preto, escutas telefônicas, espionagem, infiltrações, interceptação de correspondências e outras coisas do gênero alimentam esse clima de Arquivo X que paira no ar…
Ufologia, Uma Religião — Nesse ponto, tenho mais uma pergunta. Então, se a ufologia não pode ser uma ciência, seria ela uma religião? Segundo Jean-Bruno Renard, autor de Religion, Science-Fiction et Extraterrestres, artigo publicado no jornal Archives de Sciences Sociales des Religions, de julho de 1980, “o fenômeno dos discos voadores é o ponto culminante da simbiose entre os temas de ficção científica e as crenças pararreligiosas. O problema da existência dos UFOs e dos extraterrestres é, aliás, espontaneamente posto em termos de crença: ‘Você acredita em discos voadores’”? Tudo começa com os chamados contatados, pessoas que alegam ter encontrado seres do espaço – geralmente “bonzinhos”.
A partir de um determinado momento, esse contatado transfere o modelo religioso tradicional para um cenário contemporâneo, com veículos espaciais e seres salvadores – e ele mesmo sendo, como se fosse um escolhido, portador de conhecimentos divinos. Olhando por essa mesma perspectiva, Ted Peters distingue os quatro elementos do simbolismo religioso presentes na estrutura do fenômeno. Peters é autor do artigo UFOs: The Religious Dimension, publicado na revista Cross Currents, edição de 1977. Eis o que ele relata:
Transcendência: Dos objetos que vêm do alto, de onde há uma associação de idéia com os céus, o divino e o infinito.
Onisciência: Em inúmeros relatos, os extraterrestres conhecem tudo sobre todas as coisas, e “estão prestes a intervir” no caso de uma iminente catástrofe planetária.
Perfeição: Seres pertencentes a uma civilização muito mais avançada, excepcionalmente longeva.
Redenção: A conturbada existência humana será substituída por uma nova, paradisíaca, graças aos “salvadores” celestes.
Em um trabalho intitulado OVNIs, escrito em parceria com este autor e publicado na edição extra da revista Planeta, de junho de 1989, o pesquisador Lúcio Manfredi cita o padre jesuíta Fernando Bastos de Ávila, ao se referir sobre o sentido subjetivo da religião contendo três elementos. O primeiro seria o reconhecimento da crença natural na existência de um poder – ou poderes – que nos transcende. Depois viria o sentimento de dependência em relação a esse poder. Em terceiro lugar está o contato com esse poder. Não podemos fechar os olhos ao fato de que esses elementos, principalmente o último, estão presentes nas experiências ufológicas.
Em maior ou menor grau, todos esses aspectos evidenciam-se na estrutura criada ao redor do alegado contato extraterrestre, mas isso não significa que se deva cair num culto aos UFOs – o que invariavelmente ocorre e acaba transformando a ufologia em mais um credo religioso. Dessa forma, a análise do psiquismo humano diante do inexplicado, do oculto ou do que parece milagroso merece uma atenção à parte. A curiosidade de um lado, o medo e a esperança de outro, representam os primórdios da ligação do homem com tais fenômenos, sendo que e manifestam num nível profundo da mente, por si só inexplicável em termos puramente racionais – ou seria incognoscível?
Individualmente, a ufologia é vivenciada como uma religião, e no escopo de um estudo mais amplo, ela se encaixa nesse contexto na visão de determinados segmentos da comunidade ufológica. Essa postura é um transtorno, sob o ponto de vista psicanalítico e psicológico, e que pode se tornar de interesse psiquiátrico, ao se agravar com a constante fuga da realidade, bastante conveniente para muitos – principalmente diante da possibilidade de se auferir vantagens de toda sorte. A ufologia deve se despir dessa roupagem pseudo-religiosa, porque não faz parte do seu figurino. Diante disso, ao que tudo indica, estamos num beco sem saída. Estamos?
Desvendando Aliens — A ufologia se mostra mais como um caleidoscópio de opções numa zona de silêncio, onde cada um finca sua bandeira, delimita seu território e se encastela em suas próprias convicções. Ninguém arreda pé, ninguém põe a cabeça para fora, ninguém dá uma circulada pelas redondezas para ver se a paisagem ainda é a mesma. Quem saiu não pensa em voltar, quem está dentro não sabe o que está perdendo. E tome overdose de deuses astronautas, implantes, abduções, mutilação de animais, sondas, contatos, panspermia, projeto isso, projeto aquilo, manipulação genética, Área 51, Echelon, canalizações, cristo alienígena, venusianos, ganimedianos, raelianos, estigmatizados, confederações galácticas, entrantes, círculos ingleses, chupacabras, homens-mariposa, aparições marianas…
Após milhares de anos habitando o planeta, enquanto a raça humana ainda estuda a si mesma, mergulhada nos laboratórios tentando desvendar os enigmas do cérebro, as nuances do comportamento, a gênese das doenças, os mistérios da mente, a estrutura do DNA, eis que surge alguém identificando, classificando e normatizando o perfil, o comportamento e a morfologia de alienígenas! Ora, desconhecemos até o que se passa “dentro de casa”, em nosso próprio mundo, e queremos dar palpite em outra coisa que nem sabemos se existe!
Ficamos às voltas com rotinas diárias e no entanto nos arvoramos em conhecimentos sobre a mirabolante tecnologia das máquinas maravilhosas dos ETs? Ao passo que nem imaginamos quantas, quais e se existem mesmo tribos desconhecidas na Amazônia, singelamente temos a pretensão de saber das origens dos nossos “irmãos das estrelas”. Passamos décadas estudando o vôo das abelhas para encontrar um padrão de comunicação entre elas, e uma dezena de avistamentos de supostos UFOs já permite traçar um quadro de intenções desses abusados visitantes? Se há uma inteligência no universo, a depender dos ufólogos, nossa é que não é.
E depois de tudo isso, os ufólogos acham ruim e entram em litígio com a comunidade científica porque esta não leva a sério os frutos de sua pesquisa. Que frutos? Que pesquisa? Não satisfeitos, compram briga com a imprensa por tratar o assunto de forma debochada e preconceituosa, usando expressões como “homenzinhos verdes”, alienígenas e terráqueos. Numa paródia de David e Golias, nós, ufólogos, acusam
os as autoridades de esconderem o jogo, falsearem informações, praticarem manobras suspeitas. Quem persegue quem, afinal? As sombras bruxuleiam nas paredes da caverna e nós, deslumbrados e ignorantes habitantes, tomamos aqueles movimentos como se fossem de outro mundo. Seria cômico, não fosse trágico.
Novo Paradigma — De olho nos e-mails que me chegam enquanto escrevo, extraio trechos de um deles, uma correspondência entre ufólogos – uma pálida luz no fim do túnel. “Durante uma certa época de minha vida, cheguei a presenciar estranhos fenômenos como UFOs em deslocamento errático pelo céu. Também tinha a certeza de se tratarem de sondas, e hoje vejo que muitas das conclusões que tive na época foram precipitadas e emotivas”, dizia um deles, que complementava: “Um grande problema nosso está justamente neste pré-julgamento e rotulagem que se faz, apenas baseado naquilo que desejamos acreditar”.
Depois, mais lucidez e equilíbrio, noutra mensagem: “Por aqui tudo ainda parece obedecer cegamente a convenções culturais, depositadas pelo tempo. Moda, religião, filosofia, ideologia, hábitos e costumes são o reflexo da realidade cultural de um povo ou de uma nação. Mas em nenhum momento isso quer dizer que esses aspectos sejam realmente os corretos ou aqueles que deveriam ser acordes à melhor forma de vida”. Na tréplica, o mesmo senso ponderado: “Vejo a ufologia como um sistema de quebra de vários paradigmas que temos hoje. Não podemos é transformar o estudo em mais um deles”. Esses trechos foram retirados de mensagens que circulam pelas inúmeras listas de discussão ufológica que existem na internet.
Mas a ufologia já foi transformada. Sim, no paradigma da insensatez e do desequilíbrio intelectual. A ufologia é o ponteiro da balança que ora pende para a areia movediça fatal e traiçoeira do fanatismo, ora para a teia mortal dos devaneios paranóicos. Não há meio-termo. Por que é tão difícil aceitar essa triste e cruel realidade? Por que ainda é tão penoso desvencilhar-se das amarras do imobilismo, das acomodações e das conveniências? O que justifica tamanha resistência à renovação de valores e propostas? Sempre se disse que a verdade deve ser dita, doa a quem doer, mas em ufologia isso só se aplica quando a conclusão de uma pesquisa contraria interesses. No momento em que uma voz se levanta e vem a público mostrar os erros primários que pulverizam sua credibilidade, hordas de ufólogos se insurgem pedindo a cabeça do acusador. Pior são aqueles que concordam pela manhã, duvidam à tarde e dão o golpe de misericórdia na calada da noite.
A ufologia é muito maior que a soma de suas partes – e não pode ficar restrita a duas ou três teorias reducionistas. Já dissemos em oportunidades anteriores que ela vive um momento especial de reflexão, revisão e transição. Precisamos entender que o impasse é resultado direto daquilo que antes não foi devidamente avaliado e hoje sequer é repensado. Vamos incorrer no erro de Santayana? Qualquer um que se lance numa viagem rumo ao desconhecido, com consciência e responsabilidade, deve ter um olho na estrada (futuro) e outro no retrovisor (passado), ao mesmo tempo em que, captando o momento atual, avalia a sua própria conduta no curso dessa jornada.
Repensando a Ufologia — A percepção lenta e gradual dos fatos deve se sobrepor às vivências rápidas e transitórias desses mesmos fatos. Stewart Brand, em O Relógio do Longo Agora, nos apresenta um pensamento corrente entre as grandes corporações, fruto direto da avaliação dos erros cometidos no passado: “As pessoas assumem a visão em longo prazo quando sentem que há um compromisso com aqueles que virão depois delas. Há uma preocupação com a prosperidade e a necessidade de ações que beneficiem outras pessoas num futuro distante”. Não é o que ocorre com e na ufologia, onde o que se quer é resultado imediato, palpável, visível, colher o fruto da semente plantada – o tão almejado contato aqui e agora. Ações de longo prazo são invisíveis, impalpáveis e insípidas.
Nós temos o dever e a responsabilidade de legar para as próximas gerações um conteúdo melhor para a ufologia, muito mais que uma interminável coleta de casos e suas estapafúrdias teorias. Há na área uma indolência mental contagiante e bestificante, característica do tradicional “deixa como está para ver como é que fica”. Bate-se tanto nas mesmas teclas que, de tão desgastadas, tornaram-se inócuas. Estamos, enfim, falando de duas ufologias: uma vazia e frágil, permeada de expectativas, que se debruça mais nos efeitos que nas origens e que se agarra obsessivamente no aguardado contato final.
Essa ufologia acredita – e, portanto, trata como crença – que a maior revelação de todos os tempos está prestes a ocorrer, mesmo que demore mil anos. Quando acontecer, haverá alguém para dizer: “Não falei?” É essa ufologia que está aí, uma somatória de erros que corre solta ao sabor dos ventos e das marés, onde aventureiros, crédulos, bem-intencionados, ingênuos, viajantes, visionários, delirantes e diletantes se cruzam e se distanciam, se chocam e se digladiam, sem qualquer perspectiva de vôos maiores ou mergulhos mais profundos. É a parte visível do iceberg.
A ufologia é muito maior que a soma de suas partes, e não pode ficar restrita a dias ou três teorias reducionistas. Ela vive um momento especial de reflexão, revisão e transição. O impasse é resultado daquilo que não foi devidamente avaliado e hoje sequer é repensado – Carlos A. Reis
A outra ufologia é a da razão, da responsabilidade, projetada para o futuro, que preconiza o homem como sendo ele mesmo a matriz de um grande mistério. Essa ainda não floresceu de todo, mas está se moldando nos ideais e nas idéias de uns poucos pensadores espalhados pelo planeta – sem alarde, sem bandeiras nem dogmatismos. Ainda não tem forma nem corpo, mas tem alma. É a parte maior do mesmo iceberg, submersa em águas profundas, como se vê na imagem das páginas anteriores.
O que e como fazer para mudar esse estado de coisas? No que consiste, afinal, essa nova e misteriosa forma de ufologia e qual é sua proposta? Parece cômodo – mas não é – desancar o trabalho alheio, e o próprio também, sem apontar caminhos alternativos. Pois há muito trabalho pela frente para quem estiver disposto a se renovar – e mesmo acreditando que essas linhas estarão esquecidas até a próxima edição, ninguém poderá dizer que o assunto morreu aqui, ou que não foi dada uma chance para a remissão. Se nada for feito, então, como diria Perboyre Sampaio, “quando um texto nasce, ele já cumpriu sua principal finalidade: harmonizar a alma de quem o criou”.
Ser ufólogo nada mais
é que praticar um hobby, dedicar-se a um estudo incomum, sem regras, sem sistemas, sem métodos, estando mais para o “seja o que deus quiser”. Cada um pratica ufologia do jeito que quer, como quer e quando quer – e depois se reclama muito da desunião da classe. Há um esforço reconhecido em mostrar trabalho e capacidade, e a ufologia tem a seu serviço profissionais do mais alto gabarito, todos genuinamente interessados – mas não sabe como aproveitá-los! São advogados, médicos, engenheiros, físicos, psicólogos, astrônomos, sociólogos, biólogos, militares, escritores, pilotos, agrônomos, antropólogos, técnicos das mais variadas especialidades e muitos outros. Há muito talento desperdiçado e mal aproveitado.
Assumindo os Erros — O primeiro passo para se mudar isso é aceitar as limitações e os erros na avaliação do Fenômeno UFO ao longo de décadas, revendo e assumindo as responsabilidades pelos pontos falhos. Não é tão difícil quanto parece: basta um pouco de boa vontade e autocrítica. Mas nem todo mundo está disposto a desfazer-se de suas mais enraizadas convicções e passar uma borracha no próprio passado, mesmo quando este não produziu grandes feitos. Muito do que aí está pode e deve ser aproveitado, tem validade e consistência, mas também há muito lixo, material inútil, anacrônico ou fora do âmbito da ufologia.
Muito desse material, uma vez que não se encaixa na temática ufológica, deve ser realocado numa categoria à parte, a dos chamados temas fortianos, numa alusão ao trabalho do pesquisador Charles Fort, mencionado em matérias anteriores. Eles serão uma responsabilidade a menos para os ufólogos. Nesse caso, a Revista Ufo deixaria de ser seu canal de exposição, abrindo mais espaço para sua verdadeira vocação. É um bom começo, algo como uma faxina na casa, colocando as coisas nos seus devidos lugares e tendo um lugar para cada coisa.
Depois vem a parte mais difícil, com muitos interesses em jogo, que é rever os conceitos do termo pesquisa ufológica, partindo dos princípios apontados no início desta matéria. Se não temos um objeto de estudo, cabe fazer uma seleção criteriosíssima da casuística – que é o que está à mão. Precisamos reavaliar caso a caso, ponto a ponto, eliminando sumariamente, sem vaidade nem favoritismos, aqueles que não apresentem dados confiáveis. O que sobrar será passível de reestudo, indo para uma repescagem. O resto será arquivo morto. Outro aspecto a ser revisto envolve sutilezas maiores, porque trata de teorias, hipóteses, suposições e especulação – muita reflexão sobre a natureza, origens e finalidades do fenômeno. São elucubrações que não contêm um único elemento de existência real, extraídos das convicções pessoais de seus pensadores – muitos deles ancorados em depoimentos de supostos contatados – ou uma interpretação de mão-única dos acontecimentos.
Manipulação genética, laboratório extraterrestre, sentinelas cósmicas, viajantes interestelares, passagens bíblicas, enfim, uma constelação de temas sem qualquer fundamento e que precisam ser revistos. Uma vez cumprida essa primeira etapa da faxina, talvez o mais longo e difícil empreendimento jamais feito, vem um segundo momento, que é o de estabelecer uma proposta de estudo clara e objetiva a respeito da origem do fenômeno – ou seja, atacar o tema em sua nascente e não nos afluentes. Esse é o foco, por exemplo, do pesquisador francês exaustivamente citado em matérias anteriores, Jacques Vallée, que não tem os olhos voltados para a “tela” que exibe esse grandioso espetáculo, e sim para a “cabine de projeção”, mesmo não sabendo onde ela se encontra. Certamente, existem outros pesquisadores concentrados no mesmo esforço, mas sentem-se tão ilhados que a comunicação torna-se impraticável. Ao menos por enquanto.
Abrindo Portas — Se adotada essa postura seletiva e cuidadosa, algumas portas deverão se abrir – inclusive as da comunidade científica, sempre tão compreensivelmente arredia. Poderá ser o princípio de uma parceria bem-vinda, com benefícios para ambas as partes. Enquanto uma aprende como pesquisar, a outra aprende o que pesquisar e ambas aprendem com o que pesquisarem. Isso vale até mesmo para os casos até então considerados intocáveis, como os da Ilha da Trindade e de Varginha, por exemplo. Somente uma pesquisa norteada por uma rigorosa metodologia e dentro de normas técnicas específicas pode oferecer resultados confiáveis. Caso contrário, a ufologia seguirá sendo um amontoado de suposições sem qualquer embasamento, uma interminável coleção de vigílias amadoras, congressos pífios e discussões estéreis, concursos sem critérios e de bem-intencionadas – porém inúteis – elaborações de códigos de ética para uma profissão inexistente.
Com essa exposição, encerro uma longa trajetória de pesquisas, estudos e, principalmente nesses últimos anos, muita reflexão. A partir daqui, pretendo trilhar por caminhos pouco explorados em direção a novos horizontes, conforme as palavras de São João da Cruz: “Para chegar ao lugar que não conheces, deves ir pelo caminho que não conheces”. Estou certo de ter cumprido com equilíbrio, senso crítico e responsabilidade os objetivos a que me propus, décadas atrás, pautado pelo compromisso com a verdade. Reconheço humildemente os erros cometidos, por força da ingenuidade, quando não da ignorância e do despreparo. Faço coro com meu inestimável colaborador Ubirajara Rodrigues, que com propriedade e de forma peculiar e espirituosa, declarou: “Se um dia for descoberta vida fora da Terra, e essa vida se encontrar em nosso satélite natural, um consolo ao menos restará: a certeza de que não eram apenas os ufólogos que viviam naquele mundo”.