
De 23 a 25 de março de 1997, 39 pessoas estabelecidas no Rancho Santa Fé, um rico subúrbio de San Diego, Califórnia, decidiram acabar com suas vidas. Os familiares e a opinião pública norte-americana em geral receberam a notícia com frieza. Fazia muito tempo que os integrantes da seita Heaven\’s Gate (Porta do Céu) mantinham pouca relação com seus parentes e amigos.
Os meios de comunicação consideraram a viagem suicida um simples caso de “loucura coletiva”, e até relacionaram erroneamente o episódio ao temor ancestral aos cometas e à filosofia da Nova Era. Quais foram as reações? Os grupos ufológicos contatistas se apuraram em esclarecer que não tinham nada a ver com esse delírio e disseram que os seres com os que se comunicam não aprovam o suicídio. Alguns grupos de investigação ufológica aproveitaram para jogar terra sobre o contatismo em geral, que deu lugar ao movimento anti-seita. Este movimento muitas vezes, e com razão, é acusado de predicar um fundamentalismo de significado oposto, então os ufólogos intensificaram sua luta ideológica contra os movimentos religiosos interessados em Ufologia.
Os integrantes da seita simplesmente acreditavam que havia uma enorme nave espacial na cola do cometa Hale-Bopp e que – em seu ponto de máxima aproximação – uma força cósmica ia arrebatar seus espíritos liberando-os de sua prisão terrestre. O mundo se comoveu durante uma semana, mas logo ficou no esquecimento [UFO 51 traz todos os detalhes da tragédia].
É natural reagir com perplexidade ante o cuidadosamente planejado suicídio em massa de um grupo de incautos, que pensava, entre outras coisas, que crer nos UFOs teria sido o primeiro passo de sua iniciação. Porém, para dizer a verdade, nada poderia surpreendê-los. Já desde seu início, em meados de 1975, Marshall Applewhite e sua companheira Bonnie Nettles preparavam seus seguidores para “abandonar o veículo [corpo físico] para entrar no próximo nível”. Naquela época, o grupo era conhecido como Bo e Peep, e estava plenamente inserido na tradição ufológica. Tinham sido fonte de inspiração para um filme, o primeiro que fez alusão ao famoso “plano de evacuação”. Jacques Vallée referiu-se a eles no final dos anos 70 em um capítulo de seu livro Mensageiros do Engano.
MATRIZ CULTURAL – Eles consideravam que o mundo era um lugar corrupto cujas instituições e religiões haviam caído nas mãos dos “luciferinos” – uma raça extraterrestre nefasta que cumpria a função de emissária de Satanás. Applewhite esperava um ataque de agentes federais. Por certo, há muitas evidências que indicam que eles pareciam dispostos a um confronto final. No Rancho Santa Fé foram encontrados documentos sobre a conspiração que acabou com os davidianos, em Waco. Em 1995 seus membros construíram um refúgio no Deserto do Novo México. Como nada aconteceu, Applewhite afirmou que havia recebido uma mensagem de sua companheira, que já estava no “último nível”, na qual explicava que, na realidade, aquela não era a última saída.
Tempos mais tarde, dois jovens sociólogos escolheram o grupo para realizar um dos primeiros casos de observação participante para estudar como nascem as novas religiões. Digamos que a partir de então a doutrina da Porta do Céu ficou muito semelhante a outras religiões milenaristas modernas. Mas será que este feito significa o desprendimento de uma tendência que vem se acelerando até o final do milênio? Representam esses grupos um problema alarmante? Existe um único responsável? Quem, como e com que material cultural se constroem os grupos milenaristas radicais? Devemos entender que os grupos que elegem o contatismo não se convertem de um dia para o outro.
É uma evolução gradual, uma mudança de visão que tem a ver tanto com influências intelectuais (leituras, modas, meios de comunicação etc) ou novidades em suas relações interpessoais (visitas a outros grupos, recrutamento de novos membros), como com o rumo pessoal de cada integrante, através de suas novas vivências de campo. Tomam essa direção a partir de um conjunto de experiências, e raramente a causa dessa virada é do líder do grupo.
TENDÊNCIAS UFOLÓGICAS – Tudo aquilo que o ufólogo religioso ganha em um plano espiritual o perde no científico. Visto que o interesse no “fenomenológico”, para o contatado, é uma etapa superada, buscar a prova de um UFO é anedótico e até hilário. O ufólogo científico considera que o contatado não só perde seu tempo com entretenimentos mentais como também redesenha a imagem de seriedade que possui a verdadeira investigação, desprovida do forte conteúdo emocional que caracteriza o contatismo.
É comum encontrar-se com muitos equívocos científicos no material que os contatados oferecem como prova de suas experiências. Por esse motivo, seus discursos estão muito mais orientados ao plano espiritual, e não a oferecer respostas concretas a perguntas concretas. Mas não creio que seja necessário que os críticos sejam particularmente insidiosos nesse ponto, porque essa mesma repreensão pode ser feita em qualquer discurso religioso.
Creio, como assinalou o sociólogo Gordon Melton, que devemos nos concentrar na verdadeira intenção dessas mensagens, que é oferecer reflexões morais, metafísicas e teológicas sobre aquelas áreas da sociedade que o contatado considera cruciais. Os pontos centrais das mensagens acompanham as preocupações sociais da época. A propaganda negativa que tiveram Waco, Heaven\’s Gate e Ordem do Templo Solar gerou mudanças importantes no discurso do movimento ufológico religioso. Hoje em dia, acredita-se muito mais nas transformações sociais do que no resgate de grupos de eleitos ou em planos de evacuação.
Nesta etapa, suas atividades estão mais orientadas a satisfazer as necessidades dos incautos oferecendo serviços mágicos e personalizados, prestando ajuda espiritual ou realizando tarefas de divulgação. Existe cada vez mais uma consciência entre os meios de difusão de que as crenças devem ser menos dramatizadas: a mentalidade milenarista não é uma escola de suicidas potenciais, e sim uma chamada de atenção sobre preocupações bastante concretas. O único antídoto recomendável contra o fanatismo apocalíptico é a compreensão, o diálogo e a integração. E não a discriminação, o prejuízo nem o espírito de perseguição.
CORRENTES UFOLÓGICAS – Estam
os perto do final do milênio. Muitos sentem apreensão por números redondos e acreditam perceber sinais que anunciam que algo ruim está para acontecer à Humanidade. Lembremos que o final do milênio não tem por que ser algo negativo. Todo fim supõe um início. Este final de Era anuncia, sensivelmente, que outro milênio está para começar. A Ufologia se divide em quatro correntes distintas, que são a Ufologia clássica ou popular, a Ufologia objetiva ou científica, a Ufologia crítica ou cética e a Ufologia religiosa. Cada uma dessas correntes de pensamento possui uma posição diferente com relação à Ufologia religiosa. A Ufologia clássica, por exemplo, é livre da improvisação e criatividade de seus aderentes e se nutre das informações vindas dos meios de comunicação. Ela acredita que os UFOs são naves tripuladas por extraterrestres e que a ciência é suficiente para explicar o fenômeno. Essa corrente de caráter ufológico tende a ver a Ufologia como um meio para satisfazer suas inquietudes espirituais.
A Ufologia clássica está convencida de que os governos conhecem e ocultam a existência de discos voadores e seres extraterrestres. Com relação à Ufologia religiosa, aquela aceita (seletivamente) as experiências dos contatados desta. Entretanto, sua expectativa pelo contato a converte em potencial entusiasta por seu discurso. Esta corrente compreende e assimila rapidamente o conteúdo doutrinário da Ufologia religiosa, mas confia em sua própria intuição para diferenciar “verdadeiros” de “falsos” contatados.
Já a Ufologia objetiva, também classificada de científica, que é mais sistematizada do que criativa, crê que o método científico seja o instrumento adequado para resolver o problema e constrói modelos teóricos para explicar o fenômeno. Tende a desestimar as experiências dos contatados, em se tratando de Ufologia religiosa, assim como a suspeitar de que essa corrente represente um desvio perigoso, pois acredita que a publicidade da Ufologia religiosa cria obstáculos à legitimidade social da Ufologia objetiva.
Crê ainda que uma visão demasiado religiosa do “fenômeno” pode nos conduzir ao fanatismo. A terceira corrente ufológica é a crítica ou cética, que suspende o juízo até não dispor de evidência corroborativa. Ela esforça-se em identificar as causas dos avistamentos e considera a Ufologia mais um sistema de crenças do que uma disciplina científica, assim como acredita que o testemunho não seja um reflexo da experiência. Utiliza a Ufologia religiosa como exemplo para enfatizar que o discurso dos contatados é uma versão exagerada das crenças ufológicas mais difundidas entre os povos. Essa linha de pensamento responsabiliza a publicidade que obtém o discurso pseudo-científico de ufólogos clássicos e objetivos por seu crescimento.
A Ufologia cética está inclinada a suspeitar a priori que a religiosa promove a proliferação de cultos de adoração potencialmente perigosos ou destrutivos e tende, assim como a Ufologia objetiva, a acreditar que uma visão extremamente religiosa do “fenômeno” conduz-nos ao fanatismo. Por isso, mantém sempre uma atitude de vigília e denúncia quanto àquela corrente ufológica.
A Ufologia clássica trata de encontrar provas que permitem persuadir a outros (comunidade científica, governos, meios de comunicação, instituições religiosas etc) que a matéria de seu interesse não somente é legítima, como de importância transcendente para o futuro da Humanidade. Já a Ufologia tradicional procura chamar a atenção das universidades sobre a evidência de que o Fenômeno UFO é digno de estudos científicos. E se esse momento não chega, adverte que o problema permanecerá nas mãos de “improvisadores” ou “charlatães”.
A Ufologia religiosa tende a sentir-se de posse (ou em uma posição próxima) da verdade. Talvez seja por esse motivo que seus integrantes prefiram experimentar por si mesmos e atuar antes mesmo de obter a autorização da ciência ou da sociedade. Sua preocupação por conseguir legitimidade é anulada pela urgência que possui de tentar desqualificar os difamadores da Ufologia. E os cultos ufológicos procuram impor sua definição do fenômeno, sendo refratários a qualquer outra definição alternativa.
Em muitos casos não se interessam nem esperam o reconhecimento de outros. As acusações mais comuns desses cultos são a pseudo-ciência. Ou seja: a experiência religiosa mescla verdade objetiva com fantasia. Outra acusação é a desinformação, pois esses grupos de adoração tendenciam a informação em função de outros interesses alheios. E por fim, a lavagem cerebral, em que seus seguidores são doutrinados com crenças falsas ou não verificadas. Para saber se trata-se de uma falsa acusação, ou lavagem cerebral, é preciso que verifiquemos determinadas características nesses cultos.
Entretanto, essas características não são a descrição precisa do que acontece durante o processo de conversão, e sim apenas mais uma arma dissuasiva. Serve somente como uma forma de lutar-se para amedrontar o atual ou potencial simpatizante do culto ufológico. É uma metáfora mágica, ou seja, não se pode comprovar sua falsidade (como se mede o abandono do livre arbítrio?). A lavagem cerebral legitima a perseguição: há um motivo para condenar o grupo ainda que não se possa provar qualquer delito.
Isso implica que não interessa às autoridades encarregadas de exercer a repressão o conteúdo da crença, e sim somente a forma como é conduzida, suas atividades (nesse caso, não estariam suprimindo uma opinião). As autoridades põem toda a carga da conversão no líder ou no grupo, fazendo com que a família e amigos se isentem totalmente de sua responsabilidade junto às ações do novo integrante da seita de fanáticos ufológico-religiosos. Então o convertido não se sente uma marionete nem u
m robô, e a acusação reforça e consolida sua permanência no grupo. Isto quer dizer que os devotos são muito mais vítimas passivas de um condicionamento do que buscadores de algum significado exercendo direitos constitucionais.
O argentino Alejandro Agostinelli, 35, é jornalista político e social de destaque na imprensa de seu país, tendo trabalhado em vários jornais da capital. Colaborador de revistas ufológicas como a argentina Descubrir, sua dedicação à Ufologia se registra de longa data. Foi fundador e presidente do periódico UFO Press, que segue uma corrente editorial científica. Agostinelli participou como organizador de vários eventos em seus pais e como conferencista em congressos realizados em diversas nações da América Latina. Sua linha de pesquisas é baseada em seu trabalho jornalístico, levando em conta o caráter psicológico, antropológico e social que envolve o Fenômeno UFO, através do qual investigou a atividade de diversas seitas ufológico-religiosas da América do Sul e Central.