Um novo modelo pode explicar o que está acontecendo em Encélado, uma das luas de Saturno. E, caso ele esteja certo, aquele pequenino mundo pode até mesmo abrigar formas de vida, afirmam os cientistas. “Nas profundezas de Encélado, nosso modelo indica que temos uma sopa orgânica, uma fonte de calor e água líquida, todos ingredientes-chave para a vida”, disse em nota Dennis Matson, cientista participante da missão Cassini, da Nasa. “Embora ninguém esteja dizendo que encontramos vida, nós provavelmente temos evidência de um lugar que deveria ser favorável à vida”.
Os cientistas foram pegos de surpresa quando os primeiros sobrevôos daquele mundo revelaram gêiseres jorrando água líquida e cristais de gelo a partir de seu pólo sul – até virem com seus próprios olhos, os pesquisadores imaginavam que Encélado, com seus 500 km de diâmetro, fosse pequeno demais para ter toda essa ação. Eles imaginavam que a lua fosse apenas mais um corpo gelado, como os que existem nas profundezas do Sistema Solar, onde a luz do Sol chega com muito menos intensidade.
Uma das hipóteses estabelecidas para explicar a presença de água líquida foi o efeito de maré exercido por Saturno. Conforme a lua gira ao redor do planeta, a gravidade faz com que seu interior seja puxado para um lado e depois para o outro. O movimento causaria a liquefação do gelo. Mas o modelo recém-concebido pelos cientistas da Cassini mostra que isso conta apenas parte da história. Ao que parece, a lua pode ter em seu interior uma grande quantidade de material radioativo – a energia geotérmica gerada ajudaria a manter possíveis lagos líquidos sob a crosta de gelo da superfície.
“Encélado é um corpo muito pequeno e é feito quase inteiramente de gelo e rocha. O mistério é como a lua desenvolveu um núcleo quente”, disse Julie Castillo, cientista que lidera a criação do novo modelo no JPL, o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa. “A única forma de atingir essas altas temperaturas lá é pelo decaimento muito rápido de alguma espécie radioativa”. Para os cientistas, Encélado pode ter começado sua existência, 4,5 bilhões de anos atrás, com grandes quantidades de variedades radioativas de átomos de alumínio e ferro. Durante os primeiros 7 milhões de anos de vida esses elementos sofreriam decaimento, produzindo um grande aumento de temperatura.
Ainda segundo a teoria, uma quantidade residual de substâncias radioativas manteria algum nível de calor durante os bilhões de anos seguintes. Junto com o efeito de maré de Saturno, esse efeito já seria suficiente para produzir os resultados observados atualmente.
Compostos orgânicos – Não basta água para ter vida; é preciso substâncias baseadas em longas cadeias de carbono, que formam as principais moléculas ligadas ao metabolismo e à estrutura dos seres vivos (pelo menos na Terra). Ao que parece, Encélado também tem isso disponível. Matson é autor de um novo estudo sobre a composição do material ejetado pelos gêiseres da lua, que sairá publicado na edição de abril do periódico científico “Icarus”. Além de água, há nas ejeções quantidades menores de nitrogênio, metano, dióxido de carbono, propano e acetileno.
Os cientistas ficaram particularmente intrigados com o nitrogênio, que em tese não deveria estar lá. Mas o novo modelo parece resolver o problema: a substância seria fruto da decomposição de amônia nas profundezas da lua, na região em que o núcleo quente e a água líquida se encontram. A decomposição térmica da amônia exige temperaturas de até 577 graus Celsius – condição que seria possível se Encélado tenha começado muito quente, como propõem os cientistas.
A sonda Cassini, nos arredores de Saturno desde 2004, continua seu trabalho, e os pesquisadores esperam fazer novos avanços sobre a composição química do material ejetado de Encélado durante um sobrevôo da lua marcado para março de 2008.