Em 04 de março de 1946, uma segunda-feira, mais de um ano antes do início do que se convencionou chamar de Era Moderna dos Discos Voadores, na pequena cidade de Araçariguama, distante cerca de 70 km da capital paulista, 13 km de São Roque e 20 km de Santana de Parnaíba, ocorreu um dos casos mais fantásticos, intrigantes e polêmicos da Ufologia em todos os tempos. O mundo ainda se refazia dos estragos causados pela Segunda Guerra Mundial – a mais destrutiva da história, que culminou com a explosão de duas bombas atômicas, arma até então desconhecida – quando o lavrador João Prestes Filho, 44 anos, sofreu o ataque de uma luz misteriosa e mortal. Não soube precisar de onde esta provinha e acabou morrendo em menos de nove horas, dentro de um quadro de horror dantesco que lembrava o das vítimas de Hiroshima e Nagasaki.
Na época, a cidade não dispunha de luz elétrica, telefone ou rede sanitária. Havia apenas um aparelho de rádio entre os habitantes e as pessoas se amontoavam em volta dele para acompanhar os jogos do campeonato paulista de futebol e ouvir as notícias do dia-a-dia. No campo não se usava arado, só enxada e enxadão. No incipiente comércio local havia apenas poucas mercadorias à venda, todos produtos vindos de fora, tais como roupas, latas de sardinha, mortadela, sal e querosene. Os produtos do lugar eram bem poucos, em geral gêneros como feijão, arroz e batata. Todos se conheciam nas ruas e nos caminhos da tranqüila Araçariguama.
Qualquer coisa – desde a compra de uma garrafa de leite à entrega de uma carta – era um fato importante e inesquecível na vida dos pacatos habitantes. O que dizer então de um acontecimento como o do humilde agricultor João Prestes? Tanto que, mais de meio século depois, ainda encontramos durante a investigação a seguir com testemunhas vivas que se recordavam perfeitamente do caso. Assim, com o propósito de resgatar um dos maiores clássicos da Ufologia Mundial, dirigimo-nos à cidade em 1998 para pesquisar os fatos. Antes fizemos uma parada em São Roque, onde nos hospedamos no Hotel Minas Gerais, um dos piores das redondezas.
O desconforto, porém, foi compensador, pois na manhã seguinte encontramos em meio a uma pilha de jornais velhos um exemplar de O Democrata, de 12 de abril de 1997, que trazia em sua seção de falecimentos uma notícia que, apesar de triste, forneceu fortes e decisivas pistas que nos levariam às testemunhas do caso. Dizia a notícia: “Faleceu no dia 06 de abril passado, em sua residência nesta cidade, o senhor Roque Prestes, membro de tradicional família da comunidade, como também soldado constitucionalista da Revolução de 1932. O saudoso extinto contava 91 anos de idade, era viúvo de Inilde Veronezzi Prestes e deixa os filhos João Sérgio, Therezinha, Maria Aparecida, Luiz Prestes, José Carlos, Roque Prestes Filho, Benedito Santana e Ana Maria Prestes. Era irmão de Lázaro João Prestes (falecido), João Prestes (falecido) e dona Benedita Maria Prestes e Laudelina Prestes (falecida). Deixa netos, bisnetos e tataranetos, sobrinhos e parentes…” Era de fato uma família numerosa e conhecida na região.
Localizando familiares
A notícia nos mostrou que Roque Prestes, o falecido, era sem dúvida o irmão do \’homem queimado pela estranha luz\’, conforme João Prestes ficou conhecido na cidade. Lamentamos ter chegado um pouco tarde e perdido a chance de consultar tão valiosa fonte histórica. Sem desanimar, no entanto, concentramo-nos nos nomes acima e conseguimos obter o telefone de Luiz Carlos, filho de Roque. Este, por sua vez, indicou-nos o nome de Vergílio Francisco Alves, irmão de leite de Roque e primo de João, que se revelaria uma fonte tão boa quanto o falecido. O próprio Luiz Carlos, a quem entrevistamos por último, concedeu-nos um proveitoso depoimento. Ambos residiam em São Roque.
Ao chegarmos à casa de Vergílio, sua filha nos informou que naquele momento ele se encontrava capinando o terreno do outro lado da rua, onde, sozinho, cultivava cana-de-açúcar, laranja, mexerica e banana. Gentilmente ele interrompeu o seu trabalho e veio nos atender. Vimos logo que estávamos diante de um senhor idoso, mas bastante forte, ativo e lúcido. Acomodados na sala de visitas, dispomo-nos a ouvir as histórias que ele mesmo viveu e presenciou, entre elas a de seu primo. Nos contou que, na semana do Carnaval daquele ano, João decidiu pescar. Avisou sua mulher Silvina Nunes Prestes e consentiu que ela fosse brincar o Carnaval com os filhos. Pegou a charrete, deslocando-se do bairro de Água Podre, onde morava, até as margens do Rio Tietê, a uns dois quilômetros de distância, que na época tinha muitos peixes. Quando voltou, encontrou a casa vazia, pois todos ainda estavam fora. Pôs a charrete e o cavalo no curral e entrou. Tomou um banho e trocou de roupa. “De repente, um raio amarelado \’alumiou\’ toda a casa, e João sentiu na hora o corpo queimado. Quis tirar a tramela da porta mas não conseguiu, tendo de abri-la com a boca. Saiu descalço e correu vários quilômetros a pé”, contou Vergílio.
Chegando a Araçariguama, João teria procurado sua irmã Maria e, desesperado, pediu sua ajuda, jogando-se na cama. O delegado Malaquias acorreu de imediato, perguntando a João o que havia ocorrido. Este respondeu que o que o atingira “…não era nada deste mundo, e sim uma coisa invisível”. Aí começou a trovejar e chover na região. Malaquias levou-o então para o hospital de Santana de Parnaíba e chamou Roque, que tinha um armazém em Araçariguama. Mas João acabou morrendo.
Vergílio ainda lembrou-se que João estava falando com Malaquias, mas logo as forças o abandonaram de uma vez e ele não falou mais nada. Naquele tempo a estrada era muito ruim e o carro encalhava na terra. A polícia técnica de São Paulo apurou que se fosse um raio o causador daquilo, teria de estar tudo queimado na casa, mas nada havia sido atingido. “João era branco e a pele dele ficou avermelhada, torrada. As mãos e o rosto queimaram-se mais. O rosto assou. Já o cabelo não queimou, assim como a roupa. Só podia ser mesmo uma coisa invisível que o queimou daquele jeito, por dentro”, desabafou Vergílio, ainda completando que a vítima repetia que não era para culpar ninguém pelo fato porque aquilo “não era coisa deste mundo”.
Vergílio acrescentou, ainda, detalhes desconhecidos da vida pregressa de João Prestes, relacionados aos fenômenos luminosos que há décadas assolam a região, dos quais parece ter sido vítima. De acordo com ele, João foi certa vez atacado pelo Boitatá em sua juventude, quando era tropeiro e morava junto com o pai. Numa tarde, foi tocar o gado num morro alto e viu uma bola caindo. Perto do portão de uma capela, onde havia uma cruz, sentiu a bola passando ao lado, quase que o at
ingindo.
Segundo contou, lá costumava aparecer muitas bolas de fogo, em grupos de até 12 delas. As bolas eram avermelhadas, do tamanho da Lua cheia e comumente chamadas de Boitatá. Às vezes, várias delas caíam e explodiam, soltando fogo para cima. “Eu nunca vi isso de tão perto assim. Quem contava essas histórias era o João. Por isso o povo chegou a comentar que era o fogo do Boitatá que o matou”, acrescentou Vergílio, que garantiu só ter visto a tal bola de luz ao longe, uma vez, quando vinha de um sítio de Araçariguama e a bola passou por uma montanha, intensamente iluminada.
Uma bola de luz que mata sem piedade
Em várias regiões rurais do Brasil há uma expressão que designa uma luz que se alonga, tomando a forma de um lagarto ou dragão – trata-se do Lagartão, que também foi observada pelo senhor Vergílio. “O bicho saía do Morro do Saboão sempre na boca da noite. Às vezes saía da mina de ouro de Araçariguama e ia para o morro. Já a Mãe d\’Ouro é diferente do Boitatá, parecendo mesmo um lagarto. Anda devagar e em linha reta, sem fazer barulho algum”.
A mina de ouro, situada a menos de 100 m da rodovia Castelo Branco, na localidade de Morro Velho, é apontada como um dos principais focos das aparições de objetos não identificados e foi fundada pelo general canadense George Raston em 1926, atingindo o auge nas décadas de 20 e 30. Em 1936, chegou a produzir 32 kg de ouro, desempenho que lhe valeu o título de principal veio aurífero do Estado. No final dos anos 30, entretanto, foi fechada.
Rumamos em seguida para Araçariguama, no único ônibus que liga a cidade a São Roque. O tráfego ainda era feito na maior parte por uma poeirenta estrada de terra. Lá, Fabiana Matias de Oliveira, acessora de imprensa do então prefeito Moysés de Andrade, indicou-nos seu tio, Hermes da Fonseca, nascido em 1927, por ser um velho conhecedor da história e do folclore locais. Aliás, seu pai escolheu este nome porque era justamente um hermista [Um correligionário do 8º presidente da República do Brasil, de 1910 a 1914]. Nós o encontramos fazendo alguns pequenos serviços num campo de futebol atrás da prefeitura, sentamos nos bancos ali mesmo e passamos a ouvi-lo descrever suas experiências atentamente.
“Eu conheci João Prestes, seus irmãos Lázaro e Roque e o resto de sua família quando me mudei para cá, em 1945. O João tinha voltado de uma pescaria na tarde em que tudo aconteceu e foi queimado ao chegar em sua casa, que ficava onde hoje é uma loja de ração”, lembrou-se o senhor Hermes. Segundo nos contou, levaram a vítima de charrete até Araçariguama, onde faleceu. “Lembro até que passaram em frente à padaria Ema. Eu não cheguei a ver, mas soube que ele recebeu umas queimaduras muito fortes e que ninguém conseguiu identificar a causa”, completou.
Tal como Vergílio, Hermes revelou-nos inúmeros casos envolvendo a aparição de luzes estranhas na região. “Por volta de 1947, o Emiliano Prestes, irmão de João, viu em Ibaté, atrás do cemitério, o Boitatá. Eram dois fogos que iam, vinham e batiam um no outro”, disse-nos. Tais fogos se aproximaram dele e começaram a rodeá-lo, e seu pavor fez com que se ajoelhasse e rezasse. “Aí aquela coisa foi aos poucos se afastando. Até hoje muita gente ainda vê estas luzes no Ibaté”, finalizou. Cerca de dois anos e meio antes, por exemplo, novo acontecimento do gênero havia se dado com o senhor Gilmar Gouveia, que viu uma luz soltando raios alaranjados em volta de alguns animais. As ocorrências abundavam.
O senhor Hermes, num esforço de memória, ainda lembrava de vários casos. “Em 1955, exatamente um ano após o suicídio do presidente Getúlio Vargas, muitas pessoas viram um objeto desconhecido junto a mim. Trabalhávamos na construção do teleférico da fábrica de cimento de Santa Rita, hoje pertencente a Votorantim, na Rua Amador Bueno. Havia lá umas gôndolas que puxavam pedras da represa de Araçariguama. Fazia muito calor e o céu estava azul quando, de repente, por volta das 11h15, vimos no céu um objeto com a forma de um prato e cor de alumínio, brilhando muito forte”.
Chapéu voador e bolas de fogo
Contou a testemunha que o UFO dava voltas e deixava atrás de si um círculo branco de fumaça. Todos pararam o serviço para ficar observando aquilo quando, por volta do meio-dia, vieram vários aviões a jato da Força Aérea Brasileira (FAB) e, em questão de segundos, o objeto desapareceu. No dia seguinte, os jornais noticiaram que em Osasco um estranho objeto foi visto por milhares de pessoas. Já em 1960, um motorista de ônibus chamado Celso Gomide [Irmão de Araci Gomide, outra testemunha do caso Prestes, como se verá adiante] ia de São Roque para Araçariguama quando viu uma luz vermelha que fez com que parasse o veículo. “Ficou tão apavorado que se pôs a rezar. Depois de 20 minutos a luz sumiu em direção da estrada de São Roque. É bom lembrar que do Morro do Saboão às vezes sai uma luz e um fogo vermelho que vai até o Morro do Voturuna”, contou Hermes.
Guiados por nossa assessora, fomos em seguida para o cemitério de Araçariguama, onde entrevistamos Nelsom de Oliveira, 53 anos, que trabalhava ali como coveiro desde 1976. Aproveitamos para perguntar a Nelsom se ele já vira algo estranho, como fantasmas, por exemplo. Eis o que nos contou: “Fantasmas eu nunca vi, não. A não ser um \’chapéu\’ redondo da cor de alumínio que passou voando bem alto por cima do cemitério, há uns oito anos atrás. Andava como se estivesse \’balangando\’, bem devagar, em linha reta, refletindo a luz do Sol. Era mesmo parecido com um chapéu redondo, só que com a aba para cima”.
Voltamos a São Roque no final da tarde para entrevistar Luiz Prestes, filho de Roque, com quem havíamos primeiro conversado por telefone. Nascido em 1937, foi registrado inicialmente com o nome de Luiz Carlos Prestes em homenagem ao saudoso líder comunista, de quem seu pai era admirador. Mas em função de ter ocupado o posto de subdelegado de polícia de Santana de Parnaíba, recomendaram a Roque a alteração
do nome do filho para evitar futuros problemas políticos. Rebatizou-o então como Luiz Veronezzi Prestes, mantendo o primeiro nome e o sobrenome que, por coincidência, eram os mesmos. Roque chegou a conhecer o próprio Luís Carlos Prestes em 1958 [A grafia correta do nome do líder comunista é com s e acento no i].
Eis a versão de Luiz para os fatos ocorridos com seu tio João Prestes: “Como era época de Carnaval, a família foi divertir-se nos festejos em Araçariguama. O João, que não gostava de Carnaval, foi pescar. Dali a pouco, chegou em casa com a charrete. Minha tia havia deixado a janta pronta. Ele abriu ajanela e começou a jantar. Foi aí que a bola de fogo entrou e o queimou. Desesperado, juntou suas forças e correu até Araçariguama, todo enrolado num cobertor. Quando o viram naquele estado foram logo perguntando o que aconteceu”.
Fogo assassino que entrou pela janela
Mas João só dizia que a bola de fogo entrara pela janela e o queimara, sem explicação. Contou também que caiu no chão. Em seguida, o puseram num caminhão e o levaram para Santana de Parnaíba. O pai de Luiz, Roque, por ser o subdelegado da cidade, tinha como auxiliar a vítima e acorreu imediatamente, encaminhando-a para a Santa Casa local. Logo depois, a polícia técnica chegou para investigar o caso, constatando que nada na casa havia se queimado, além do próprio João – nem mesmo a cadeira em que ele estava sentado.
“Encontraram na casa do meu tio uma lamparina apagada, ainda com um pouco de querosene dentro, o que atestava que não poderia ter sido ela a causadora da queimadura”, declarou Luiz. “O João mesmo dizia claramente que o fogo havia entrado pela janela”, completou. De fato, peritos da polícia de Osasco, Barueri e Santana de Parnaíba não obtiveram nenhum vestígio ou prova que indicasse um crime ou acidente. O delegado de Santana de Parnaíba na época declarou que “o João era uma pessoa boa e não tinha inimigos”.
Na certidão de óbito, segundo Luiz, a causa mortis apontada foi queimadura. A pedido deste autor, o Cartório de Santana de Parnaíba expediu novamente o documento em 13 de janeiro de 1998, confirmando o dado e registrando que o óbito foi atestado pelo médico Luiz Caligiuri, que deu como causa da morte colapso cardíaco e queimaduras generalizadas de Iº e 2º graus [Documento n° 2397, folha 79 do livro C-014 de registro de óbitos de Santana de Parnaíba]. Como Luiz tinha apenas nove anos de idade na ocasião, seu pai não deixou que visse de perto o cadáver.
Referindo-se ainda às bolas de fogo, Luiz fez questão de acrescentar outros casos. Confirmou o acontecido com Emiliano Prestes, também da família, que em 1947, um ano depois da morte de João, foi cercado por uma tocha de fogo cujo calor chegou a queimá-lo superficialmente. Como se vê, os casos iam surgindo aos montes durante as visitas que fizemos. Outro acontecimento interessante envolveu Roque, que costumava freqüentar bailes de sanfona no bar Aparecidinha. Para encurtar o caminho de volta à casa, atravessava um rio puxando seu cavalo, a nado. Certa noite, no caminho, deparou-se com uma bola de fogo três vezes maior que a Lua cheia. “O cavalo, com o susto, empinou as patas e a bola de fogo rodeou meu tio de longe. Depois disso, ele deixou de ir ao baile. Às vezes a bola ficava girando no ar, para depois ir se afastando numa velocidade tremenda”, disse.
No início da década de 70, o médico Max Berezovsky [Já falecido], presidente da Associação de Pesquisas Exológicas (APEX), de São Paulo, deslocou-se com os ufólogos Guilherme Wirz e João Evangelista Ferraz à Araçariguama. Lá falaram somente com um dos irmãos de João, que disse ter a vítima “…queimado-se acidentalmente com um lampião a petróleo quando tentava saltar pela janela”. Acrescentou ainda que João possivelmente estivesse alcoolizado, pois retornava de uma pescaria. Não satisfeitos com isso, em setembro de 1974, Fernando Grossmann e Luiz Braga, da mesma entidade, voltaram à cidade e localizaram várias outras testemunhas, publicando os resultados das diligências no Boletim Informativo da APEX, no ano de 1975, sob o título “Nova luz sobre o Caso Araçariguama”.
Grossmann e Braga conversaram na ocasião com Araci Gomide, residente às margens do Rio Tietê, que sendo amigo da vítima e também por ter praticado enfermagem nas Forças Armadas, foi chamado para socorrer Prestes. Ao ver o estado físico do amigo, trancou-se com ele no quarto e perguntou-lhe o que tinha ocorrido e quem o havia queimado com água fervendo – essa era sua suposição. Prestes, perfeitamente lúcido, respondeu que ninguém o tinha queimado e que não sabia exatamente o que havia ocorrido. E relatou a Gomide a mesma história que todos os demais envolvidos no incidente têm contado, conforme descrevemos nesse artigo. Disse que, de volta da pescaria, viu uma “claridade que entrou na forma de luz pela janela e o envolveu sem a menor explicação”. Prestes havia entrado na casa pela janela e, já em seu interior, caiu ao chão sem sentidos.
Fenômeno aterrador
Gomide não forneceu detalhes sobre as circunstâncias em que a vítima recobrara os sentidos, mas esclareceu que em seguida Prestes andou dois quilômetros a pé até a casa de parentes em Araçariguama, e que lá chegara exatamente com as mesmas roupas que vestia quando foi atingido pela tal claridade – calça com as barras arregaçadas até as canelas e uma camiseta de meia manga com botões desabotoados no peito.
A visita de Gomide à vítima ocorrera cerca de duas horas após o incidente. Prestes encontrava-se literalmente cozinhando, como se tivesse sido escaldado em água fervendo, com suas carnes desprendendo dos ossos. O enfermeiro e a
migo fez questão de frisar a este autor que tratava os ferimentos como queimaduras por não ter um termo melhor para designar tal fenômeno. Nada estava chamuscado por fogo, nem os cabelos, nem pêlos e nem as roupas. Gomide cheirou a vítima, mas não percebeu o menor sinal de queimadura ou combustível, como querosene ou álcool. A vítima também não encontrava-se alcoolizada, mas lúcida e declarando não sentir dor alguma.
A claridade que atingira Prestes, segundo suas próprias declarações, em plena lucidez e antes de falecer, viera de fora da casa e envolveu seu corpo, e não de dentro da casa. Morreu às 03h00, cerca de nove horas depois da ocorrência [A certidão de óbito registra que a morte teria ocorrido às 22h00], e foi transportado de caminhão até Santana de Parnaíba, onde deu entrada no hospital. Durante a conversa que Gomide teve com a vítima, esta encontrava-se deitada de costas na cama. O enfermeiro achava que Prestes fora queimado por uma “bola de fogo misteriosa”, cuja ocorrência já vinha sendo observada em Araçariguama há tempos e que continuava se manifestando. A casa de Prestes ficava exatamente dentro da rota do tal fenômeno, que se iniciava no local chamado Alto do Cotiano.
Grossmann e Braga concluíram que a vítima não fora queimada por chama oriunda de combustíveis convencionais (querosene, gasolina, lenha, carbureto), nem por líquido muito quente (água fervente, sopas entornadas ou jogadas por agressão). Eles chegaram a teorizar, em seu relatório à APEX, que a origem dos ferimentos de Prestes poderia estar associada à alguma “…fonte de energia térmica intensa, sem chama, incidindo diretamente sobre a vítima e provavelmente de curta duração, pois seu efeito foi detido”.
Um caso que chamou a atenção de todo o mundo
Em seu artigo, a dupla chega a associar os efeitos de tal fonte de energia com a liberada por uma bomba atômica, tamanha é a semelhança. “Fora do epicentro da bomba, onde tudo é destruído, os danos pessoais consistem em queimaduras causadas por uma terrível onda de calor. Este agente físico, entretanto, muitas vezes é detido por um simples tapume, o qual queima-se em sua face voltada ao epicentro e preserva o que estiver do outro lado”.
Durante sua viagem ao Brasil, em abril de 1980, o astrofísico e ufólogo francês Jacques Vallée decidiu dar prioridade máxima aos casos em que o contato com o Fenômeno UFO resultou em ferimentos e até mortes de seres humanos – tal como o famoso Caso Máscaras de Chumbo [Ocorrido em 20 de agosto de 1966 e investigado pelo co-editor da Revista UFO Claudeir Covo], que ele pesquisou indo ao próprio local, no Morro do Vintém, em Niterói (RJ). Vallée alarmou-se ao constatar que a lista de vítimas de UFOs, no Brasil, era maior do que se poderia pensar, examinando a extensa literatura ufológica existente. Além desta lista aumentar a cada dia, o primeiro nome da relação era justamente o de João Prestes.
Na versão de Vallée, Prestes e um amigo, Salvador dos Santos, voltavam de uma pescaria. Quando chegaram ao povoado onde moravam, despediram-se e cada qual seguiu seu caminho. Uma hora depois, às 20h00, Prestes apareceu na casa da irmã, contando que um facho de luz o atingira quando aproximava-se da porta da frente de sua casa. Ficou tonto e não conseguia enxergar, caindo no chão sem perder a consciência. Conseguiu erguer-se e chegar até a casa da irmã. Na mesma noite, o estado de Prestes piorara e suas carnes literalmente desprendiam-se do corpo, como se tivessem sido cozidas em água fervendo.
Prestes não sentia dores, mas ficou compreensivelmente aterrorizado. Em pouco tempo, não conseguia mais falar, quando então os vizinhos o colocaram em uma carroça e o levaram ao hospital, mas ele morreu no caminho. Vallée ainda apresenta Prestes em seus livros como tendo mantido a consciência até o último momento. Quando o corpo foi trazido de volta, parecia-se com um cadáver decomposto.
Em seu livro Confrontos, o renomado ufólogo pondera: “Poderia Prestes ter sido atingido por um raio? De acordo com um pesquisador brasileiro, Felipe Machado Carrion, depois de entrevistar Salvador dos Santos, que ainda vivia, o tempo estava claro e não apresentava condições para tempestades com raios. Não conseguimos localizar o povoado nem as testemunhas, e como o caso aconteceu há mais de quarenta anos, dificilmente alguém poderia confirmá-lo”, finalizou Vallée.
As investigações de Carrion (o primeiro ufólogo a escrever sobre o caso, em dezembro de 1971), Berezovsky, Wirz, Ferraz, Grossmann, Braga, Vallée e, por fim, as nossas, infelizmente, realizaram-se muitas décadas após o ocorrido. Muitos detalhes já estavam então irremediavelmente perdidos. Independente disso, fatores subjetivos e pessoais concorreram para distorcer os relatos, daí a disparidade entre eles, colhidos com distância superior a 20 anos. Cada qual reflete uma face da verdade sobre o caso, mas nenhum a espelha por completo.
Hipótese de radiação
No clássico filme Roshomon, dirigido por Akira Kurosawa em 1950, vimos como um mesmo fato pode ser encarado de formas diferentes. No Japão medieval, um homem violenta uma mulher na entrada de uma floresta e quatro pessoas testemunham o crime. Mais tarde, cada uma delas (e até um fantasma) conta a sua própria versão. A Teoria da Relatividade já mostrou que a realidade é diferente para diferentes observadores. A física quântica demonstra que o observador modifica o fato observado ao interagir com ele. Assim, é normal que as versões em torno do caso tenham se diversificado, se enriquecido e se tornado mais complexas com o passar do tempo.
Contudo, cumpre asseverar que nos relatos colhidos por nós, assim como nos que foram anteriormente, há mais pontos coincidentes do que variações – e nenhum deixa de manifestar estranheza diante das circunstâncias que envolveram a morte de João Prestes. O que destoa é a versão, um tanto exagerada, de que suas carnes se desprendiam do corpo. Ela deve ter se originado de notícias sensacionalistas dando conta de que João \’derreteu\’, o que tampouco se confirma. Vergílio nos disse com convicção que “…a carne dele não estava se soltando. A pele estava pipocada como a de um porco sapecado com fogo”.
Embora as expressões disco voador ou UFO não tenham nunca sido mencionada pelas testemunhas, os ufólogos, desde que tomaram conhecimento do caso, ficaram convictos de que o raio de luz que atingiu João Prestes era proveniente de um. Surgiram então duas correntes de pensamento: a que defendia a hipótese do raio ter sido atirado propositadamente e a que apontava um acidente no manuseio das freqüências de radiação produzida pelo equipamento dessas naves.
De qualquer forma, a hipótese de uma morte convencional, decorrente de queimadura por lampião ou querosene, nunca foi aceita. Berezovsky, por exemplo, explicava que morte por queimadura se dá em conseqüência da gravidade de 3º grau que cubra pelo menos 50% do corpo, ou choque hipovolêmico (baixo volume de sangue). A vítima morre imediatamente ou sobrevive por alguns dias, até que seus rins sejam afetados e venha a morte. Convém lembrar que a certidão de óbito de Prestes registra que as queimaduras eram de Iº e 2º graus. Cabe lembrar ainda que há uma série de casos semelhantes na casuística ufológica, com destaque para o de Forte Itaipu, ocorrido em novembro de 1957, na Praia Grande, município de São Vicente (SP), em que todos os sistemas elétricos deixaram de funcionar, submetendo a base a uma grande escuridão. Ao mesmo tempo, duas sentinelas que cumpriam guarda no alto dos muros da fortaleza sofreram graves queimaduras quando um objeto circular se aproximou e projetou uma luz alaranjada sobre ambos.
Casos de ataques por ETs ocorrem em todo o mundo
Este fato foi confirmado e apresentado em detalhes no livro A Verdade Sobre os Discos Voadores, do ufólogo Donald E. Keyhoe. O intrigante é que as fardas dos soldados permaneceram intactas, tal como as roupas de João Prestes. Dentre outros casos notórios também estão o do chefe de escoteiros Sonny Desverges, que se deu na Flórida em agosto de 1952 e foi publicado por Auriphebo Berrance Simões em seu livro Os Discos Voadores: Fantasia ou Realidade. Outro incidente interessante foi o ocorrido com o jato Starfire F-94, da Força Aérea dos EUA, em Nova York, em junho de 1954.
Rene Gilham, da Comunidade de Merom de Indiana, também nos EUA, passou por experiências traumáticas em novembro de 1957, segundo notícia publicada no Diário Popular em 1967, sob o título “Luz de Oani queima como acetileno”. Há também o caso dos paióis de munição do Exército Brasileiro, que aconteceu na cidade de Deodoro (RJ), em agosto de 1958 e foi divulgado por Fernando Cleto Nunes Pereira em seu livro Que Ciência Constrói os Discos Voadores? O mecânico industrial canadense Stephen Michalak também foi vítima de queimaduras causadas por UFOs em Falcon Lake, Manitoba, em maio de 1967, segundo pesquisou Yurko Bondarchuk, que publicou o caso em sua obra UFOs: Observações, Aterrissagens e Sequestros. Outros casos intrigantes são o de Gregory Wells, ocorrido no estado de Ohio, também nos EUA, em março de 1968, e o do chofer de caminhão Eddie Doyle Webb, que se deu no sudoeste do Missouri, em outubro de 1973, e foi divulgado pela agência United Press.
O caso de João Prestes, como a maioria dos que compõem a casuística ufológica mais extrema, é invariavelmente apontado como sendo fantástico. Mas onde está o fantástico? Em todo lugar e em nenhum lugar ao mesmo tempo. Vê-lo depende do ângulo de observação do espectador, do leitor. O fantástico existe sempre, mas somente para o olhar humano e com relação a ele. A natureza, antes da presença e da intervenção do homem, não era em nada fantástica. Ela é, simplesmente. Não seria o paradoxo do próprio homem ser capaz de fazer surgir o fantástico (natureza versus cultura versus sociedade), talvez por defasagem entre o dado e o sonhado, ou ainda – e possivelmente mais – por defasagem entre o dado e o construído? Talvez isso explique melhor uma aberração como o Caso Prestes.
Assista abaixo o episódio do programa Linha Direta Justiça da Rede Globo que abordou outro indecifrável fato, ocorrido em agosto de 1966, conhecido como o Caso Máscaras de Chumbo. Está dividido em cinco partes, acessíveis a partir desta: