As histórias em quadrinhos têm ganhado importância nas últimas décadas, fazendo inclusive com que recebam o merecido reconhecimento como a Nona Arte. Deixando felizmente para trás a hipocrisia dos tempos regidos pelo famigerado Código de Quadrinhos nos Estados Unidos, elaborado nos tempos mais sombrios do período macarthista, as tramas têm servido como entretenimento e fonte de discussão para todas as idades.
Aqui no Brasil têm ocorrido certas discussões quanto a indicação de quadrinhos como material didático, e as vozes contrárias foram motivadas pela suposta inadequação dessa mídia ao ambiente escolar. Cabe salientar que os rumorosos casos recentes foram motivados pela indicação de quadrinhos adultos para um público infanto-juvenil, obviamente por parte de pessoas que não entendem que quadrinhos nem sempre são feitos para crianças.
E, é evidente, o tema dos discos voadores e seres extraterrestres igualmente encontram lugar cativo nos quadrinhos. São inúmeros exemplos que podemos discutir, e abordaremos em futuros textos neste blog. Entre estes, podemos citar duas edições do Batman, em que ele foi abduzido e depois visitou a Área 51. Embora interessantes, os temas da abdução por grays e da base secreta não fazem muito sentido no contexto do universo DC, onde entre outros o mais poderoso herói é um alienígena.
Temos a felicidade de poder dar um exemplo legitimamente nacional da temática alienígena nos quadrinhos ou HQs, que vem a ser a revista Manticore. Esta saiu em dois números no final dos anos 1990, explorando o tema Chupacabras que era largamente abordado pela grande imprensa, em uma história sombria recheada por conspirações, revelações do passado e promessas para o futuro. Será sem dúvida motivo de um futuro post.
Mas o primeiro universo daS HQs a ser aqui abordado nada tem de sombrio nem conspiratório. Muito pelo contrário, é pleno de humor e das maravilhas provenientes da fértil imaginação de um garoto de seis anos de idade. As tirinhas de Calvin e Haroldo fazem sucesso no mundo todo (inclusive no Brasil, onde são publicadas pelo jornal O Estado de São Paulo), mostrando as aventuras de um garoto, Calvin, sempre ao lado de seu tigre de pelúcia Haroldo (Hobbes no original em inglês), e que ganha vida aos olhos do dono. Os dois são obra do genial cartunista americano Bill Watterson, que escreveu as histórias entre 1985 e 1995.
Na fértil imaginação de Calvin, ele habita um mundo onde existem monstros debaixo da cama (título de um dos livros lançados recentemente no Brasil); onde ele faz profundas reflexões sobre a vida e nosso lugar no mundo, enquanto desce o morro em alta velocidade em companhia de Haroldo, hora em seu carrinho, hora em um trenó de neve; onde ele se transforma em super-herói ou em detetive; e claro, onde ele se torna Spiff, o extraordinário explorador intergaláctico, sempre as voltas com problemas na nave, planetas desérticos e alienígenas hostis.
Estes últimos costumam representar, na verdade, seus pais ausentes que não o compreendem, a colega de classe Susie Derkins, ou uma das mais perversas vilãs dos quadrinhos, sua professora senhorita Wormwood. Crítica social é igualmente uma das grandes preocupações de Watterson, como na história em que Calvin e Haroldo brincam de guerra, apenas para descobrir que esse é um jogo muito estúpido.
Entre outros temas que Watterson sempre aborda nas tramas, a pesquisa eleitoral para a eleição para o difícil cargo de \”pai\”, a dificuldade de levantar de manhã, os terrores dos bonecos de neve, os acampamentos em família apreciados unicamente pelo pai de Calvin… Por sinal, os pais dele são conhecidos apenas como \”pai\” e \”mãe\”, não possuindo nomes próprios. A colega, Susie, é a única a possuir sobrenome, e o único personagem realmente temido por Calvin é a babá, Rosalyn, a única que consente em aguentar suas \”artes\”, com o que explora financeiramente os pais do garoto.
Retornando ao flerte das histórias com a ficção científica, Calvin incorpora o personagem Spiff em inúmeras ocasiões, sempre metido nas mais audazes aventuras. As tirinhas sempre têm um desfecho engraçado, como pode ser conferido aqui, aqui, aqui, e aqui. Spiff funciona como uma válvula de escape de situações que Calvin considera absolutamente entediantes. Não deixa de ser uma bela metáfora de Watterson para a tendência do mundo atual de impingir a medriocridade contra as pessoas. Um símbolo disso é o quanto a imaginação maravilhosa de Calvin é tolhida por sua professora, ou desafiada pelo realismo irritante de Susie.
Calvin ocasionalmente fica procurando por UFOs, como em uma das tirinhas onde apanha as luzes da decoração da árvore de Natal e escreve com elas uma mensagem aos alienígenas no telhado de casa. Ou quando ele e Haroldo estão no bosque ao lado de sua casa em uma vigília, mas quem surge irada é a mãe, pois já passou da hora do garoto ir para a cama.
Entre meus momentos preferidos desses personagens extraordinários, a tirinha onde Calvin diz que a melhor prova de que existe vida extraterrestre é que ninguém tentou entrar em contato conosco, também um alerta contra a devastação do meio ambiente. O tema ecológico, aliás, muito antes deste virar moda, já era presente nas histórias de Bill Watterson. Em uma destas, Calvin recusa-se a herdar o planeta e ele e Haroldo vão para Marte, mas refletem melhor ao encontrar um marciano. Voltando aos melhores momentos, a viagem de Spiff pelo hiperespaço, onde o tempo não tem sentido, é o melhor antídoto contra uma aula que demora muito a terminar…
A influência dos magníficos personagens de Bill Watterson e suas histórias plenas de inteligência e ironia é tamanha que já foram homenageados em outras produções diversas vezes. Na abertura da primeira temporada da série Fringe, por exemplo, pode-se ler a palavra transmogrification (transmogrificação na versão brasileira), uma tecnologia criada por Calvin em que alguém pode ser transformado no que quiser. Outro exemplo é em Joker & Lex, uma HQ que foi publicada dentro de outra história maior da revista Superman & Batman nos Estados Unidos, onde Lex Luthor e Coringa ocupam o lugar de Calvin e Haroldo com resultados hilários.
Finalizando, já escrevi a respeito de dois dos livros lançados no Brasil, Tem Alguma Coisa Babando Embaixo da Cama, e Yukon Ho, para o site Aumanack. Os livros têm sido lançados pela editora Conrad, e podem ser facilmente encontrados nas livrarias. Por sua inteligência, discussões filosóficas, flerte com a ficção científica e crítica social, As Aventuras de Calvin e Haroldo fazem um merecido sucesso, e acabam sendo até mais divertidas para os adultos do que para as crianças. E apresentam o tema ufológico com muito humor e criatividade, sempre deixando as portas abertas para a imaginação.
Adendo 1: A cobertura, tanto da revista Istoé quanto do Jornal da Band, a respeito da liberação de documentos sobre o Caso Varginha por parte do Exército brasileiro, faz lembrar as palavras de Stanton Friedman, de que nesse Watergate Cósmico o ridículo ainda é uma potente arma.
Adendo 2: Estreou na segunda, dia 18 de outubro, a série The Event no Brasil, pelo Universal Channel. O primeiro episódio deu mostras do que está por vir, um grande mistério relacionado ao Evento do título, uma intrincada conspiração que afeta a vida de todos os personagens, e muitas perguntas que podem começar a ser respondidas já no segundo episódio. Também no site Aumanack, publiquei um review desse primeiro episódio, e toda semana será feita uma análise do que foi exibido, e dos rumos da série.