
No mês de setembro de 1997, uma entrevista publicada na Revista UFO detonaria na Ufologia Brasileira um processo irreversível de luta pela abertura de informações governamentais a respeito da ação de alienígenas no país. Trata-se do depoimento do falecido coronel Uyrangê Hollanda, oficial da Força Aérea Brasileira (FAB) responsável direto por uma revolução sem precedentes. Naquela época, ninguém imaginaria que 15 anos depois a nação viveria um encontro franco entre militares e ufólogos, mediado por autoridades do primeiro escalão do Ministério da Defesa — pois foi exatamente isso que ocorreu na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na tarde de 18 de abril de 2013.
Entretanto, a histórica reunião, mais uma vitória alcançada pela campanha UFOs, Liberdade de Informação Já, não foi apenas um desdobramento das palavras de Hollanda, proferidas meses antes do I Fórum Mundial de Ufologia, em 1997, mas também fruto de um intenso trabalho executado pela Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) a partir de 2004, cujo ápice se deu no ano passado, com a emissão da Carta de Foz do Iguaçu durante a quarta edição do fórum, naquela cidade. Não custa lembrar que foi a CBU a entidade responsável pela primeira visita de um grupo de ufólogos às instalações mais sensíveis da defesa militar do país, o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), em 20 de maio de 2005. A comissão também conseguiu encher o Arquivo Nacional com mais de quatro mil páginas de documentos ufológicos antes sigilosos da Aeronáutica.
A Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) foi a entidade civil que logrou êxito em levar o Governo a abrir para a sociedade mais de quatro mil páginas de documentos antes secretos sobre UFOs guardados nos arquivos da Força Aérea Brasileira (FAB)
Não menos importante foi a postura desta arma quando seu comandante, o tenente-brigadeiro do Juniti Saito, editou em 2010 uma portaria específica sobre a questão ufológica, que foi publicada no Diário Oficial da União com o número 551/GC3, determinando a transferência constante, a partir daquele ano, dos documentos secretos do Comdabra para o Arquivo Nacional. Enfim, foram vários êxitos sucessivos da Ufologia Brasileira, mas que não serviram para satisfazê-la totalmente, pois se sabe que ainda há arquivos secretos a serem abertos. Desta forma, o passo seguinte da CBU foi a emissão, conjuntamente com a UFO, da referida Carta de Foz do Iguaçu, na qual suas propostas e solicitações se tornaram o mote para o encontro entre ufólogos e a Defesa, fato inédito na Ufologia Mundial.
Carta de Foz do Iguaçu
Redigida em moldes semelhantes aos do Dossiê UFO Brasil, a Carta foi protocolada no Ministério em janeiro passado e é mais uma tentativa da CBU para que o Governo Brasileiro acabe definitivamente com o sigilo imposto à questão ufológica, viabilizando também a criação de uma comissão mista para estudos do fenômeno. Da mesma forma que o Dossiê, o documento de Foz do Iguaçu questiona diretamente o órgão sobre a postura da Marinha e do Exército com relação à campanha UFOs, Liberdade de Informação Já — as duas armas sequer se manifestaram quando foram instadas pela Casa Civil da Presidência da República, em 2008, a abrirem seus arquivos. E estando a Carta embasada na Lei 12.527/2011, conhecida como nova Lei de Acesso à Informação (LAI), o Governo não poderia ficar inerte.
A resposta à Carta veio rapidamente, surpreendendo até mesmo os integrantes da CBU. Prontamente, ainda em janeiro passado, o ministro da Defesa embaixador Celso Amorim designou funcionários da Secretaria de Coordenação e Organização Institucional do Ministério para fazerem uma sondagem inicial entre os Comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica para atender às solicitações dos ufólogos. Provavelmente, as lacunas encontradas no processo de abertura militar não deixaram o ministro satisfeito, e, como resultado, o membros da CBU foram convidados para discutir os termos de seu requerimento em um novo encontro, agora na sede do órgão e frente a frente com os militares das três armas.
É importante frisar que, para uma reunião desse porte, inédita e histórica, estar preparado apenas com argumentos fortes não é o suficiente. Aliás, no que diz respeito ao direcionamento lógico e justo da abertura ufológica, a CBU já estava pronta desde o início da campanha, em 2004. O problema que ainda nos limitava era levantar provas mais contundentes a respeito do que a caserna ainda esconde, aquelas evidências que, apresentadas em uma reunião como a que ocorreu no Ministério da Defesa, seriam suficientes para derrubar qualquer argumento contraditório — sem esse material à mão, não nos sentiríamos suficientemente seguros.
Provas contundentes
Durante o IV Fórum Mundial de Ufologia, ocorrido em dezembro de 2012 e que deu origem à Carta de Foz do Iguaçu, uma quantidade razoável de provas relativas ao acobertamento militar já estava disponível [Veja edição UFO 197, agora disponível na íntegra em ufo.com.br]. A própria LAI, que entrara em vigor no dia 16 de maio daquele ano, fez surgir nos pedidos de acesso cópias de documentos que estavam em posse de ufólogos independentes, relembrando antigos casos esquecidos que certamente repousam nas entranhas da Ufologia Militar brasileira. Essas cópias, junto com o material da CBU usado no Dossiê UFO Brasil, assim como as determinações militares negativas de acesso aos originais, constituíam significativo manancial a ser apresentado ao
comando do Ministério da Defesa — isso iria convencer e influenciar as autoridades a tomarem decisões mais positivas em relação a nossos pleitos.
Um exemplo prático das dificuldades encontradas pelos ufólogos para determinar a verdade sobre importantes casos da Ufologia Brasileira está nas quase 300 páginas de informações a respeito da Operação Prato enviadas ao Arquivo Nacional pela Força Aérea Brasileira (FAB) há alguns anos, como resultado da campanha UFOs: Liberdade de Informação Já. Todos os ufólogos brasileiros sabem que aquelas três centenas de páginas não são todas as que foram produzidas durante a missão militar e que falta muita coisa ali. Contudo, se o depoimento do coronel Uyrangê Hollanda, enviado à então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff e analisado por técnicos do Palácio do Planalto, não surtiu o efeito desejado — uma vez que nem um terço dos resultados da Operação Prato foi disponibilizado pela Aeronáutica —, há de se convir que a dose do remédio precisava ser aumentada. Por isso, ao se redigir a Carta de Foz do Iguaçu, era preciso ter em mente a possibilidade de uso de outros elementos com
o prova do que afirmam os ufólogos, a fim de convencer a Defesa do engodo que as próprias Forças Armadas estavam levando o Governo a cometer.
Detectado o problema, foi proposta uma solução à cúpula da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), parcialmente aceita pelos membros que participaram da reunião no Ministério da Defesa. Um novo material foi então concentrado, impresso e gravado em DVD para ser entregue às autoridades civis e militares durante a reunião — os novos elementos que contém seriam apresentados na forma de anexos I a IV às reivindicações dos ufólogos, logo após os discursos do editor A. J. Gevaerd, deste e do também coeditor Marco A. Petit na ocasião. O conteúdo dos anexos I, II e III foram o Dossiê UFO Brasil e cópias de documentos da Marinha e de Requerimentos de Informações da Câmara, solicitados pelo deputado Chico Alencar ao Ministério da Defesa, em 2009 e 2011, durante o período em que Nelson Jobim comandava a pasta.
Já o anexo IV continha um vídeo de 40 minutos com depoimentos do comandante Gerson Maciel de Britto, comandante da aeronave envolvida no famoso Caso Vasp Voo 169, e do coronel Uyrangê Hollanda — ambos falavam abertamente a respeito dos documentos e filmes de UFOs resultantes da Operação Prato, que a Aeronáutica ainda não reconheceu possuir e, portanto, não liberou. Arrematando o DVD, havia o depoimento do tenente-brigadeiro Octávio Moreira Lima, ministro da Aeronáutica do Governo Sarney, no qual se deu a célebre Noite Oficial dos UFOs no Brasil, em 1986. No vídeo, Moreira Lima descreve os motivos pelos quais os militares escondem informações a respeito do assunto e explica que a humanidade já estaria preparada para receber a notícia de que somos visitados por inteligências alienígenas.
Oficiais desinformados?
Aeronáutica, Exército e Marinha mandaram pelo menos dois oficiais cada uma para tomarem lugar à mesa de reunião no Ministério da Defesa. Outros militares também estiveram presentes, mas participaram do encontro apenas como observadores. O doutor Matos Cardoso iniciou o encontro apresentando os representantes das três armas e ressaltando que todos do Ministério estavam ali para prestar o máximo de informações possível sobre o que pedia a Carta de Foz do Iguaçu, inclusive no tocante à constituição de uma comissão mista para estudo do Fenômeno UFO — a estratégia usada pela CBU para convencer as autoridades quanto à abertura total e irrestrita de informações militares sempre se pautou na cordialidade e no sentido de cooperação. Essa postura foi relembrada por Gevaerd logo no início das discussões. A colaboração é ainda mais importante quando o objetivo maior é a criação de uma comissão conjunta, situação em que a informação deve ser tratada de forma franca.
No entanto, o suposto desconhecimento da questão ufológica demonstrado por alguns dos representantes militares frustrou os ufólogos. É perfeitamente compreensível que os civis do Ministério pouco soubessem sobre os objetos de nossas reivindicações, posto que alguns talvez não fizessem parte da pasta em 2008. E é certo que a maioria sequer teve contato com o assunto, vindo a saber superficialmente a respeito por meio dos pedidos realizados através da LAI e do próprio protocolo da Carta. Entretanto, dentro da caserna, a situação é bem diferente e os militares não podem alegar desconhecimento. Eles são militares de carreira, oficiais cientes de suas atribuições. Esses homens, geralmente ligados aos centros de comunicações de suas armas, sabem muito sobre UFOs. Ou, o que pode ser pior, sabem mas negam saber das coisas. Isso tem forçado a Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) a adotar uma postura mais incisiva para exprimir a real extensão dos acontecimentos ufológicos.
Aula de Ufologia
A manifestação de um representante do Exército na reunião reflete bem a frustração dos integrantes da CBU. Enviado de última hora por seu Comando, segundo relatou o próprio tenente coronel Júlio Okamoto, assessor do Centro de Tecnologia do Exército, ele sequer sabia a pauta do encontro. Foi interpelado duramente pelo secretário Ari Matos Cardoso, que lhe respondeu que “o comandante do Exército, que o enviou, sabe muito bem do que se trata esta reunião há bastante tempo”. Okamoto acabou recebendo uma aula sobre o Caso Varginha dada por Petit. De forma semelhante, o major José Vidal, do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), e o capitão de fragata Marcos Araújo, da Marinha, também tiveram que se inteirar melhor sobre o montante de informações geradas pela Operação Prato.
Mas, em que pesem estes percalços, por parte dos ufólogos ficou um sentimento de que agora, com a intervenção do Ministério da Defesa, as coisas entrarão nos eixos. Além do compromisso de termos um canal de comunicação com as Forças Armadas por seu intermédio, ficou-se sabendo que o mediador do encontro, o secretário da Defesa, é um dos indicados pelo ministro Celso Amorim para integrar a Comissão de Reavaliação de Informações (CRI) criada pela Lei de Acesso à Informações (LAI). A CRI, muito bem conhecida pela Comunidade Ufológica, é a última instância onde os pedidos invocados pela referida Lei chegam para serem julgados. Enfim, embora várias solicitações invocando casos ufológicos clássicos já tenham sido negados, o rumo das coisas pode e deverá
começar a mudar a partir de agora.
Requisitos simples
Não só obtivemos dos servidores da Coordenação e Organização Institucional do Ministério da Defesa o compromisso de tratar do assunto com muito mais cuidado e atenção, como também ouvimos deles a promessa de que irão estudar a viabilidade de criação da sonhada comissão conjunta de pesquisa ufológica, que poderia até se espelhar no antigo Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não identificados (SIOANI). Como bem frisou Gevaerd, “não precisamos de um espaço com salas, armários e cadeiras, envolvendo gastos de grande monta, mas apenas uma forma de cooperação das Forças Armadas no estudo de casos”.
De fato, há diversas maneiras de se propor a parceria. Uma delas é a transformação da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) em uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), voltada para fins científicos e informativos. Esse tipo de dispositivo é criado para firmar convênios com órgãos públicos, sendo bem mais simpático aos olhos do governo do que as ONGs —
eles primam pela transparência, tendo de obedecer a uma série de critérios impostos pelo Ministério da Justiça. É uma ideia embrionária ainda, mas que foi perfeitamente entendida e bem recebida pelo diretor jurídico da Ministério da Defesa, doutor Adriano Portella.
O mais importante no momento é que o espaço para diálogo foi oficialmente aberto entre a Ufologia e a Defesa do país. A prioridade inicial é a abertura irrestrita de documentos e o estudo dos casos ufológicos pretéritos mais importantes — é com base neles que surgirão os maiores argumentos para justificar o início da parceria civil militar, bem como a futura criação de um órgão específico para os fins que propõe a Carta de Foz do Iguaçu. Enfim, é de fundamental importância que se tenha em mente que uma parceria robusta e de mútua confiança para busca da verdade não pode existir se não houver troca de informações fidedignas.