Em plena era das abduções, o mito Ashtar Sheran teima em sobreviver incólume sem dar mostras de arrefecimento e afigurando-se como uma espécie de continuidade obtusa ou rescaldo tardio do contatismo, fenômeno que surgiu no início dos anos 50 oferecendo experiências místicas surpreendentes, fascinantes, encantadoras, deslumbrantes, cativantes e principalmente acessíveis a qualquer cidadão. A única exigência para os candidatos a partícipes de um intercâmbio cósmico, seria um pouco de disposição e uma mente razoavelmente aberta. Nesse contexto, o comportamento puramente emocional se congraçaria com o dos ufólogos, igualmente desnorteados ante o mito em questão.
Obviamente que, como em qualquer tipo de pesquisa e análise, deve-se evitar ao máximo a polarização entre o ceticismo dogmático e a credulidade exagerada. Porém, na maioria das vezes, involuntariamente ou não, é quase que inevitável que se incorra em uma dessas duas condutas. Ambas são letais para o crescimento humano, mas fundamentais para se manter o status quo e ainda servir de apoio para as agendas de guerra psicológica empreendidas por agências de inteligência. A psicologia aplicada ao estudo de mitos como o de Ashtar Sheran demonstrou que existem pessoas que são predispostas ou estão numa condição propícia a manifestar determinados comportamentos diante de determinados estímulos externos. Pode-se verificar também que grande parte da população reage de forma semelhante diante do mesmo tipo de estímulo externo.
Na ausência de uma pesquisa séria sobre o assunto, sobrepuja-se a imagem do ser humano como sujeito da história e dono de seu próprio destino, instaurando a crença de que as grandes conquistas teriam sido impossíveis sem ETs
É a psicologia comportamental calcada em estímulos-resposta de padrões regulares, repetitivos e previsíveis. Imprescindível observar que, valendo-se desses estudos, as agências de inteligência vêm há muito tempo empregando táticas de desinformação. Em 1952, graças às conclusões do Painel Robertson, que consistiu num estudo sobre as características sociais e psicológicas do Fenômeno UFO, grupos ufológicos começaram a ser monitorados de perto e infiltrados por agentes disfarçados. Nesse relatório alertava-se para o fato de que os UFOs poderiam ser utilizados por potências inimigas para causar uma catástrofe social que colocaria em colapso as estruturas internas de uma nação, facilitando assim uma possível invasão.
Ao longo dos anos, o mito Ashtar Sheran foi se tornando mais uma questão de crença e de fé do que propriamente de investigações e análises, levando as alas ortodoxas da Ufologia a invocarem a ciência somente para provar que tal figura não existe. Os que adotaram esse tipo de postura assim procederam movidos por preconceitos e por não compreenderem direito o exato papel da ciência e como lidar com seus objetos de estudo. Compete esclarecer que existe o mundo do raciocínio, das ideias, e o da chamada realidade objetiva, que é conhecido por ordem natural das coisas ou o que é normalmente aceito, ou ainda o que ocorre no mundo da simples observação corriqueira. Nada disso, obviamente, necessita ou precisa ser provado. Não obstante, sempre que alguém, um grupo, um movimento ou até mesmo uma protociência — como é classificada a Ufologia — ousa afirmar que existe algo incomum, sobrenatural, que constitua algum tipo de exceção à regra, enfim, totalmente à parte do que é considerado natural, terá necessariamente de prová-lo. Para isso, aliás, é que existe a Ufologia, ou seja, para tentar provar ou evidenciar que existem discos voadores pilotados por entidades extraterrestres inteligentes, bem como para apresentar provas ou evidências concretas de que realmente existe um ser denominado Ashtar Sheran.
Arquétipo do herói
Isso é, portanto, pura perda de tempo exigir que alguém prove que discos voadores, extraterrestres e mesmo Ashtar Sheran não existem. A crença em visitantes espaciais independe da realidade física do Fenômeno UFO. Sociologicamente falando, podemos afirmar que algo é real se várias pessoas acreditam nisso. O mito Ashtar Sheran atingiu justamente esse ponto. Provar que ele é real se tornou uma questão absolutamente secundária para a quase totalidade de seus asseclas e admiradores, que se apegam não a certezas, mas somente à esperança de que estamos na iminência de um contato imediato aberto e direto. Aí é que Ufologia e ciência se distanciam. As maiores culpadas disso são as instituições científicas que sistematicamente têm se recusado a lidar com o Fenômeno UFO e com o próprio mito Ashtar Sheran. Aos ufólogos têm faltado mente aberta e seriedade para encarar esse tipo de mito, até porque a maioria considera que a ciência não combina com tal estudo. Posturas como as que acabamos de descrever pouco ou nada ajudam e relegam o mito Ashtar Sheran a esferas cada vez mais distantes do âmbito racional, sereno e cauteloso da ciência.
Na ausência de uma pesquisa séria e não polarizada sobre o assunto, sobrepuja-se a imagem do ser humano como sujeito da história e dono de seu próprio destino, instaurando a crença, dentro e fora da Ufologia, de que as grandes conquistas da humanidade teriam sido impossíveis sem a intervenção desses supostos superseres, dos quais Ashtar seria apenas mais um. Desnecessário dizer que essas convicções contradizem inúmeros fatos e evidências histórico-arqueológicas e concitam uma expectativa passiva de que somente uma intervenção ou providência partindo de uma entidade como Ashtar Sheran resolveria todos os problemas da humanidade. É a velha recorrência aos arquétipos, no caso o do herói. Assim como a personificação de Deus em Jesus é uma apreensão de um mito já existente, Ashtar Sheran não passa de mais uma das inúmeras derivações desse mito.
Informações extraordinárias
Vejamos o que Jung diz a respeito: “O mito é constituído por símbolos que não foram inventados; eles simplesmente aconteceram. Não foi o ser humano chamado Jesus que criou o mito do deus personificado. Este já existia há séculos. Ao contrário, ele próprio foi apreendido por essa ideia simbólica, que, descreve Marcos, o tirou da oficina do carpinteiro e da limitação espiritual do seu meio. Os mitos remontam aos primitivos contadores de histórias e a seus sonhos, a pessoas que eram movidas pela emoção de suas fantasias, enfim, a pessoas que pouco se distinguiram do que se costumou chamar mais tarde de poetas e filósofos. Os contadores de histórias primitivos nunca se questionaram quanto &agrav
e; origem de suas fantasias. Apenas muito mais tarde começou-se a pensar a esse respeito. Já na Grécia Antiga o espírito humano encontra-se suficientemente desenvolvido para supor que as histórias contadas a respeito dos deuses não eram nada mais que tradições antigas e exageradas sobre os reis do passado e seus feitos. Já naquela época eles supunham que o mito não deveria ser tomado ao pé da letra, devido aos claros disparates que continham. Por essa razão, tentaram reduzi-lo a uma fábula que fosse de compreensão geral”. As informações oriundas desse mito, coletadas até o momento, formam um conjunto imensamente variado e confuso.
Há de tudo, desde relatos disparatados que se referem à sua suposta origem, até os que se caracterizam por um tom sério de advertência, geralmente enfocando o perigo da energia nuclear e questões ecológico-ambientais. Há mensagens que proclamam mirabolantes leis cósmicas, das quais somos constantemente acusados de infringir. Também merecem destaque as que se referem aos motivos de estarem interferindo na Terra, vinculados aos tópicos mencionados anteriormente. Em última análise, todo esse conjunto está longe de formar um quadro coerente e lógico. Mais uma vez, a premissa a ser considerada é a de que quem faz alegações extraordinárias, deve fornecer evidências ou provas extraordinárias.
Tênue fronteira entre imaginação e realidade
Dizem que de cientista e louco todo mundo tem um pouco. De fato, a alternância entre raciocínio lógico e misticismo tem sido uma constante ao longo da história da sociedade ocidental, mais notadamente após o Renascimento. A partir do momento em que o ser humano começou a organizar seu pensamento de forma coerente e sistemática e a desenvolver seu potencial de observação e análise da realidade, constatou que uma consequência direta desse tipo de atitude é o estabelecimento de limites para o que se pode aceitar como real ou não. Daí as ciências tais como as compreendemos hoje. Entretanto, quem disse que somos obrigados a aceitar esses limites e, mais ainda, quem disse que eles são definitivos e imutáveis?
A existência de Ashtar
É inquestionável o fato de que a ciência avança refutando a si mesma, revendo e recriando teorias que antes eram plenamente aceitas e que mais tarde se mostram falhas e insuficientes para explicar determinados fenômenos ou situações. Portanto, o cientista, que detém a autoridade para estabelecer o que pode ou não acontecer na natureza, é o mesmo que, mais adiante, se verá obrigado a admitir que a natureza não tem nenhum interesse em se submeter às leis que ele inventa… O ser humano tem necessidade de estabelecer limites para compreender a realidade que o cerca, mas também se sente impelido a avançar sobre esses mesmos limites para poder evoluir como um ser pensante. E se o que a ciência afirma hoje é passível de dúvida e questionamento, o que poderíamos dizer acerca das especulações que fogem completamente ao âmbito científico?
Muitos afirmam taxativamente que não podemos acreditar em Ashtar Sheran simplesmente porque não existem evidências que apontem nesse sentido. Mas será que o fato de não haver evidências a favor é suficiente para comprovar que ele, de fato, não existe? Se quisermos estabelecer limites válidos para o nosso objetivo, podemos crer na existência de qualquer coisa, basta querer. Digo isso porque a ciência, com a sua lógica empírica, é capaz de provar que algo existe, mas não tem capacidade de provar que algo não existe. Portanto, onde está o limite entre o que é crível ou não? Na sua mente, somente na sua mente, caro leitor. — Paulo César Santos Júnior