Para astrônomo de Harvard, astros achados até agora não são como os planetas solares. Eles seriam “criptoplanetas”, objetos que foram “cuspidos” pela estrela-mãe
Durante os anos 1940, cientistas respeitáveis começaram a anunciar uma série de descobertas do que seriam os primeiros planetas fora do Sistema Solar. No final das contas, os tais objetos não estavam lá – não passaram de enganos dos astrônomos envolvidos. Desde 1995, uma nova série de achados recuperou a respeitabilidade do campo, e hoje são mais de 200 os chamados “exoplanetas”. Mas poderiam os pesquisadores estar se enganando novamente? Para Robert Kurucz, do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica, a resposta é um sonoro “sim”.
Há anos o astrofísico tem olhado com desconfiança para o fato de que esses planetas são tão diferentes dos que existem no Sistema Solar. Até serem descobertos, esses objetos eram considerados uma impossibilidade física. Mas, como estão lá e foram interpretados como planetas, os astrônomos tiveram de se esforçar para encaixá-los no quadro geral de formação planetária – encaixe que, ao menos por ora, produz mais perguntas do que respostas.
“As pessoas normalmente tentam encaixar as novas descobertas em suas experiências anteriores. Elas não querem lidar com novas idéias e novos problemas”, diz Kurucz, que não parece tão pouco à vontade com esse esforço de buscar novas soluções. Após muito tempo matutando, ele bolou o conceito dos criptoplanetas – objetos que, de longe, pareceriam planetas, mas na verdade têm uma história bem diferente.
Enquanto os planetas seriam formados pelo disco de gás e poeira que sobrou do nascimento de uma estrela, os criptoplanetas seriam bolas de gás “cuspidas” pelo astro central – o que explicaria suas órbitas estranhas e próximas de suas estrelas. “Formação estelar e planetária é ordeira e tediosa. Em 1% das vezes há um acidente que produz criptoplanetas”, afirma Kurucz.
Para ele, os primeiros planetas de verdade ao redor de outras estrelas – realmente similares aos do Sistema Solar – ainda estão por ser descobertos. Mas o cientista não imagina que a espera será longa; algo como cinco anos, no máximo.
G1 – De fato, não é surpreendente que exista uma discussão sobre como deveríamos classificar os objetos conhecidos genericamente como “exoplanetas”. Foi apenas no ano passado que a IAU [União Astronômica Internacional] criou uma definição (mais ou menos) clara do que é um planeta. Essa definição da IAU agradou ao sr.?
Robert Kurucz – Eu tendo a olhar tudo de um ponto de vista evolutivo, em todas as ramificações da ciência. Como algo se formou e como evoluiu para o que atualmente observamos. Essa evolução é parte da definição do que uma coisa é. Ela se aplica a estrelas. Aplica-se a galáxias. Aplica-se a planetas. A definição de um planeta deveria incluir que planetas se formam do disco de materiais que resta após a formação de uma protoestrela.
G1 – Sua especialidade é estrelas, não planetas, e você admite que não se interessa muito pelo tema planetário. Então, o que o motivou a se debruçar sobre essa questão dos exoplanetas?
Kurucz – Eu estou convencido, já há um bom tempo, de que os planetas são uma parte normal da formação estelar. Eles são apenas o material que sobra do disco e se aglutina em grandes bolas depois que a protoestrela se forma. Então, todas as estrelas similares ao Sol teriam planetas, porque elas todas se formaram do mesmo jeito. O primeiro exoplaneta não se encaixava nesse cenário e nenhum dos exoplanetas subseqüentes se encaixou. Mas ninguém parece questionar se eles são mesmo planetas.
G1 – Para o sr., eles são criptoplanetas. O que é isso, afinal?
Kurucz – É uma grande bola que orbita uma estrela e que não foi feita de material no disco de restos da formação da estrela, e não é outra estrela, e não é uma anã marrom. É alguma outra coisa.
G1 – E por que esse nome, “criptoplaneta”?
Kurucz – Eu não podia imaginar o que seriam esses objetos. Talvez algum tipo de anã marrom? Eles eram crípticos. Levou nove anos para que eu imaginasse algum meio novo de produzi-los.
G1 – E agora o sr. propõe esse esquema, em que esses objetos foram cuspidos de suas estrelas – o que explica por que suas órbitas são tão excêntricas (achatadas) ou próximas da estrela-mãe. Mas por que o Sol não produziu esses criptoplanetas?
Kurucz – Uma das características-chave dos exoplanetas descobertos até agora é que eles são raros. Na verdade, apenas 1% a 2% de todas as estrelas-candidatas têm exoplanetas. Isso significa que eles poderiam ser um acidente – 99% do tempo a formação estelar e planetária funciona direito, como em nosso Sistema Solar, e em 1% do tempo ela fica zoada. Formação estelar e planetária é ordeira e tediosa. Em 1% das vezes há um acidente que produz criptoplanetas.
G1 – Por que os astrônomos parecem ter tanta dificuldade em abandonar o velho esquema de formação planetária, que, para explicar os exoplanetas, precisa ser adaptado com uma idéia de migração dos astros gigantes gasosos para perto da estrela?
Kurucz – As pessoas normalmente tentam encaixar as novas descobertas em suas experiências anteriores. Elas não querem lidar com novas idéias e novos problemas.
G1 – Em termos dinâmicos, está claro que criptoplanetas e planetas “normais” são diferentes. Isso também é verdade quando falamos de propriedades intrínsecas desses objetos? Ou a diferença entre um criptoplaneta e um planeta é apenas uma questão de origem?
Kurucz – Planetas são feitos da aglomeração de material deixado no disco após a formação da estrela. O material se aglutina em corpos cada vez maiores, planetesimais e, por fim, planetas. Os maiores planetas são suficientemente grandes para acumular gás e ficarem ainda maiores, como Júpiter, então planetas têm um núcleo sólido. Eu sugiro que os criptoplanetas tenham um núcleo gasoso mantido no lugar por campos magnéticos.
G1 – Se sua idéia estiver correta, temos de assumir que o tanto que o nosso Sistema Solar é singular ainda é impossível de se calcular…
Kurucz – Eu acho que não há nada especial sobre nosso Sistema Solar e que outras estrelas semelhantes devem ter planetas similares.
G1 – Estamos chegando a um ponto em que exoplanetas menores estão começando a aparecer. O menor deles foi descoberto recentemente, na zona habitável de uma anã vermelha, com apenas cinco vezes a massa da Terra. Poderia até esse objeto ser um criptoplaneta?
Kurucz – Se for feito de ferro e rochas, é um planeta. Se for feito de gás, é um criptoplaneta. Se tem baixa densidade, é um criptoplaneta.
G1 – Podemos ter criptoplanetas terrrestres e habitáveis?
Kurucz – Eles devem ter órbitas excênt
ricas e ser gasosos. Eles poderiam ser habitáveis, mas eu não os chamaria de terrestres.
G1 – Muitos astrônomos hoje em dia dizem que as palavras mágicas para obter financiamento são “planetas extra-solares” – e nem todos eles estão felizes com isso. O sr. vê problemas com a direção atual para essa linha de pesquisas?
Kurucz – Contanto que os cientistas – em qualquer campo – se mantenham fazendo pesquisa básica e estejam abertos a novas idéias, eu não me incomodo que eles entretenham o público para obter verbas.
G1 – Se os exoplanetas até agora encontrados não são realmente planetas, similares aos que temos em nosso Sistema Solar, quando então devemos esperar um que seja para valer?
Kurucz – Objetos peculiares são sempre mais fáceis de encontrar do que objetos normais. Provavelmente, o primeiro planeta como os do Sistema Solar deve aparecer dentro de cinco anos. Há milhões de planetas reais que serão descobertos nas próximas décadas por satélites e novos telescópios gigantes no chão.
G1 – Nos chamados “Hot Jupiters” (Jupiterianos Quentes), é fácil postular a idéia dos criptoplanetas e se satisfazer com isso. Mas quando falamos de planetas mais distantes de suas estrelas, em órbitas de baixa excentricidade, podemos separar planetas de criptoplanetas?
Kurucz – Criptoplanetas se formam perto da estrela. Colocá-los em órbitas de baixas excentricidades longe de sua estrela é o problema da migração invertido. Não haverá nenhum criptoplaneta longe de sua estrela numa órbita de baixa excentricidade.
G1 – É possível ter ambos, criptoplanetas e planetas, num único Sistema Solar?
Kurucz – Talvez, mas um Hot Jupiter numa órbita excêntrica provavelmente destruiria ou ejetaria planetas terrestres por colisões.
G1 – Quão distante de sua estrela um criptoplaneta pode estar? Há muitos exoplanetas com órbitas excêntricas hoje que chegam a ficar a distâncias maiores que 1 UA [unidade astronômica, a distância Sol-Terra, 149,5 milhões de quilômetros]…
Kurucz – Eu presumo que órbitas excêntricas surjam de quase colisões. Se houver vários criptoplanetas em órbita próximos à estrela, eles podem se empurrar para qualquer excentricidade ou até para fora do sistema. Eles também podem cair na estrela.
G1 – Se o sr. estiver certo, já é a segunda vez na história da astronomia que temos uma série de anúncios sobre planetas fora do Sistema Solar e tudo não passou de um engano. Há algo para se tirar desses episódios?
Kurucz – A maior parte da ciência pode ser entendida com argumentos simples, de bom senso. A maioria dos cientistas não sabe disso. Os detalhes podem ser complicados, mas a história básica deveria fazer sentido para todo mundo.